Medos, todos possuem. Porém, a pandemia trouxe traumas para diversas pessoas. Um longo período de isolamento social e de privação das interações sociais foram prejudiciais para o desenvolvimento humano, o que não difere em relação a crianças e adolescentes.
Retornar ao que era habitual, como ir presencialmente às aulas, acaba sendo uma redescoberta. Para muitos jovens, um pesadelo.
Um caso extremo aconteceu em uma escola estadual de Recife, quando 26 alunos passaram mal por crise de ansiedade. Devido à gravidade da saúde mental dos adolescentes (alguns foram encontrados deitados, tremendo ou desmaiados) foi preciso acionar o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu).
Esse “pânico social” provoca muitas reflexões, bem como formas de agir para auxiliar os jovens.
Os relatos de dificuldades nas escolas
Não é somente na capital pernambucana que acontecem situações de ansiedade em ambiente escolar. Os aumentos de conflitos interpessoais e da intolerância entre os alunos depois que voltaram para a escola possuem registros em várias partes do país. A falta de interação prejudicou o desenvolvimento de competências socioemocionais que são aprendidas nas relações de convivência.
Entre os relatos ouvidos pela reportagem, está o de que crianças e adolescentes deixaram de desenvolver habilidades fora da escola e, no retorno, precisam de um trabalho focado na socialização. A impressão dos educadores é de que os estudantes estão mais imaturos em relação a essas competências. Apesar desses conflitos serem naturais, estão, de fato, intensificados por conta de dois anos de isolamento e falta de interação.
Relatos de educadores mostram que, apesar de o transtorno ser recorrente na infância, houve um aumento considerável de casos de sintomas de ansiedade em crianças, como reclamações de dores de cabeça e de barriga e pedidos para irem para casa. O serviço de orientação educacional está com atendimentos mais constantes, fruto dessa ansiedade.
Uma das dificuldades que têm sido comuns aparece quando a criança vai se despedir dos pais para ir à aula, após passar o fim de semana com a família. O desejo seria de permanecer em casa.
Os alunos também demonstram demasiada preocupação com erros, isso devido às exigências escolares. Há casos de crianças que mudaram seu comportamento – antes sociáveis, hoje estão mais retraídas e isoladas.
Em algumas escolas da região metropolitana de Porto Alegre houve piora de desempenho nas avaliações, atribuído, em parte, à dificuldade social. A fonte consultada relatou que até mesmo a sua filha está com dificuldades de concentração para fazer seus deveres. Por ser da área educacional, consegue controlar essa situação, mas tem ciência de que outros pais enfrentam problemas quanto a isso.
O que pode estar se passando com os jovens?
Durante a pandemia, todas as pessoas passaram por momentos em que era necessário ficar em casa para não correr riscos de saúde e vida. Uma paranoia foi desenvolvida. Logo, a volta às aulas presenciais se transformou em uma quebra de paradigma. “Aquilo que estávamos acostumados deixou de ser considerado e fomos obrigados a aceitar um novo momento. Depois de um certo tempo, vira conduta ficar isolado devido aos riscos”, pontua o psiquiatra Ricardo Nogueira.
Para o médico, as crianças foram as maiores vítimas da Covid-19, pois perderam o vínculo de amizade e, principalmente, a motricidade. “Terão que retomar a pegada do lápis para aprender a escrever; bem como solicitar, agradecer e viver normalmente em sociedade. Será necessária uma boa educação do que é conviver, ajudar os mais vulneráveis e praticar esportes coletivos. Elas precisam mensurar as suas qualidades e as dos seus colegas”, indica.
Já a psicanalista e médica psiquiatra Marcela Pohlmann destaca que a pandemia colocou a sociedade em mesma perspectiva – mas cada um com sua subjetividade. “Muitas vezes, não temos como representar o que nos aconteceu e os estudantes podem estar vivendo isso. Estão impactados frente a essas angústias que não estão bem definidas. Não conseguem nomear o que estão sentindo. É necessário realizar um trabalho para representar esses sentimentos para poderem melhorar”, contextualiza.
Conforme esclarece a especialista, na fase da adolescência é preciso ter um afastamento do convívio familiar para desenvolver a sua própria identidade, conhecido pela psicanálise como “recolhimento narcísico”. Marcela complementa que sair do núcleo familiar em busca de amigos demanda trabalho e envolve mudanças e, por consequência, a crise de ansiedade.
“Toda a mudança implica em não saber o que se vai fazer. Pode tomar maiores dimensões, como a experiência de perturbação coletiva, fato que aconteceu na escola em Recife. Essa situação é chamada de contágio emocional”, explica.
Entendendo o contexto da crise
Com o retorno à convivência no espaço físico, principalmente os adolescentes têm demonstrado insegurança de voltar a encontrar e conviver com colegas de perto, a deixar o espaço individualizado da casa e estar nos espaços físicos.
As aulas ainda não voltaram à forma comum, com o cronograma seguidos antes da pandemia, após o período de férias. “Ao contrário disso, as aulas retornam após um longo período em casa, vivenciando uma enxurrada de emoções e aprendizados. Na verdade, recomeçando e passando por um período de adaptação, nós somos seres adaptáveis. Nos adaptamos no momento em que a pandemia se impôs e precisamos ficar em casa e, agora, temos a capacidade e o desafio de nos adaptarmos às rotinas presenciais”, constata a pedagoga e mestre em Educação pela Unicamp, Sandra Dedeschi.
A retomada da rotina da escola presencial não acontecerá em pouco tempo, será preciso um período de adequação e recepção de alunos novos. “Estamos mais sensíveis, voltamos ao presencial sem que a pandemia tivesse acabado totalmente. Todos esses fatores externos também influenciam no que sentimos. Essa adaptação, dessa forma, não acontece de forma imediata como nos outros anos. Precisamos entender esse contexto para que a gente não transforme as cobranças e demandas escolares naquela rotina acelerada que sempre tivemos”, ressalta Sandra, que é especialista em relações interpessoais na escola e construção da autonomia moral.
Momento de estimular o acolhimento
“Mudou a rotina de sair de casa, que era uma zona de conforto. Antes, os estudantes assistiam às aulas na cama mesmo. Atualmente, tem que se vestir para ir ao colégio”, salienta a psicóloga da Rede de Escolas da Ulbra, Ângela Maciel. Ela acredita que é preciso vivenciar o ambiente escolar, no momento que os jovens conhecerem com quem estão lidando, irão começar a relaxar. “É questão de tempo e existe um trabalho a ser realizado. A escola também precisa dar o suporte ao professor”, analisa.
Outro fator que gerou muita expectativa foi a possibilidade de ter a mesma vida de antes da pandemia. No entanto, nesse período houve desencontros, perdas e lutos. Essas frustrações causam impactos no ambiente escolar. É o que acredita a psicóloga e coordenadora do grupo que desenvolve a linha de pesquisa “Convivência na escola: virtudes, bullying e violência” da Universidade de São Paulo (USP), Luciene Regina Paulino Tognetta.
Para a pesquisadora da USP, a parceria escola e família terá que ser ressignificada. “É preciso entender que as instituições educadoras estão passando por uma situação difícil. Faz-se necessária uma minimização dessa pressão com relação à escola e vice-versa. É importante compreender as fragilidades humanas, que, hoje, passam por problemas físicos, muito provocadas pela saúde mental que ainda estamos vivendo”, finaliza.
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