Todo aluno tem o direito de receber as atividades escolares fora da escola enquanto estiver impossibilitado de se fazer presente em sala de aula. Em situações assim, a instituição precisa encontrar meios de passar as atividades e mensurar o aprendizado dos estudantes. A participação da família, tanto na logística quanto no acompanhamento dos estudos, é fundamental e precisa ser estimulada pela escola. O Educação em Pauta conversou com gestores e educadores para saber a melhor forma de lidar com os casos de ensino domiciliar.
Antes de entrar no tema propriamente dito, é importante fazer uma diferenciação dos termos que remetem aos estudos fora da escola. O assunto, aqui, são os estudos domiciliares, que não têm a ver com educação domiciliar, ou homeschooling. Também não diz respeito às atividades domiciliares que foram permitidas durante a pandemia. Encerrado o período de isolamento, todos os alunos que atendiam aos requisitos retomaram as atividades presenciais.
A garantia de estudar em casa por motivos de saúde tem respaldo na resolução 230 do Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul (CEEd-RS), de julho de 1997. Segundo o documento, a possibilidade de exercícios domiciliares é facultada a alunos dos ensinos Fundamental e Médio de qualquer modalidade, incapacitados de presença e que mantenham condições físicas, intelectuais e emocionais para realizar a aprendizagem.
Durante os estudos domiciliares, a escola precisa encaminhar as atividades para o aluno. Isso pode se dar da forma que for mais conveniente, combinada com a família. Algumas optam por buscar presencialmente – mais comum entre as crianças, especialmente porque as atividades envolvem utensílios e desenhos para pintura, por exemplo. Com o advento e a democratização do acesso à internet (lembrando que a resolução é de 1997), o envio digitalizado também foi se consolidando – principalmente para os adolescentes.
“A escola tem que possibilitar que esse estudante, mesmo que esteja no hospital, possa ser acompanhado e desenvolver as atividades que acontecem na escola. Inclusive em um processo, dependendo da situação, de colocar à disposição a recuperação de um conteúdo”, destaca o diretor do Sinepe/RS e ex-conselheiro do CEEd-RS Hilário Bassotto. Ele lembra que enquanto o estudante desempenha atividades domiciliares seu registro de frequência não fica prejudicado.
Plano pedagógico individualizado
Uma tendência do ensino, em geral, mas que precisa de atenção ainda maior nestes casos é a experiência individualizada do aluno, de acordo com seu ritmo de aprendizagem. Isso é previsto de tal forma que, se for o necessário, ele tem direito a estender o período letivo para alcançar o nível necessário para avançar à série seguinte.
“A escola fecha seu ano letivo com os 200 dias, conforme previsto. Mas, nestes casos, é dada atenção especial ao aluno. Por isso, não existe uma regra geral. Deve ser observada a especialidade, se ele fica em casa 10, 15 dias, um mês, dois meses”, exemplifica Bassotto. A fim de atender a essas particularidades, é construída uma proposta pedagógica específica para a situação em que se encontra o aluno.
A orientação, segundo o diretor, é que os alunos acompanhem a idade e a turma, mesmo que entre em processo de recuperação de conteúdos anteriores. “A gente pede essa sensibilidade de o aluno não ser retido, ou seja, reprovado. Que possa continuar com a turma dentro da faixa etária que estava prevista. Se não consegue naquele ano, no seguinte chegar aos conteúdos atrasados”, completa o diretor.
Embora o cuidado seja sempre no sentido de preservar o direito do aluno de continuar seus estudos, há casos em que isso pode causar perdas no desenvolvimento das competências e habilidades. Quando isso acontece, deve se chegar a um acordo com a família para repetir o ano letivo.
O que a escola tem de fazer, como regra, é dar conta dos alunos que se encontram nestas situações – oferecendo todo um processo para que ele acompanhe os assuntos em casa e, depois, complemente com atividades de recuperação na própria escola, ao retornar da sua situação que o impediu de comparecer.
Ana Paula Tolotti, professora do segundo ano do Ensino Fundamental I, lembra que nas primeiras vezes que precisou lidar com esse tipo de situação não sabia muito bem como fazer, mas hoje vê de uma forma bem mais fácil. E um dos facilitadores é o fato de o grupo de professores definir de maneira bem antecipada as atividades que serão desenvolvidas. “A gente já se organiza com todos os materiais, quando constrói a aula, para que sejam interpretáveis por pessoas que não sejam docentes, por exemplo. Temos um trabalho de explicar cada parte da produção”, relata.
Cada detalhe é pensado em conjunto, na hora em que a equipe faz o planejamento. O cuidado com a autonomia de quem acessar aqueles materiais é tamanho, que nem tudo precisa ser utilizado em sala de aula, na presença do professor. Quando chega a notificação de que o aluno não vai poder participar, tudo é encaminhado de acordo com o período previsto de afastamento. “Tudo que é possível fazer, enquanto docentes, para favorecer o aprendizado das crianças, a gente faz. E hoje conseguimos fazer de forma mais organizada, já se tornou fácil”, garante.
Modo de fazer
É importante frisar que todo o processo deve ser mediado por muita conversa entre a escola e quem estiver mais próximo dos estudantes. As responsabilidades de cada um precisam estar bem definidas e conhecidas por todos. A escola não é obrigada, por exemplo, a disponibilizar um professor que vá ao encontro do aluno, embora possa fazê-lo quando julgar pertinente e viável.
A diretora do Colégio Santa Inês, de Porto Alegre, Irmã Celassi Dalpiaz, conta que a forma de encaminhar atividades e avaliar o aprendizado varia de acordo com a faixa etária e o nível de ensino. Na Educação Infantil são recomendadas ações lúdicas. A criança fica em casa e recebe o material utilizado na escola para desenhar, brincar, pintar, enfim, produzir alguma coisa. “Efetivamente, não chamamos de atividades domiciliares”, explica.
Já no Ensino Fundamental I, a escola organiza os materiais que serão trabalhados em sala de aula de forma que não demandem interferência do professor. Assim os estudantes conseguem ler, identificar o que é preciso fazer e desenvolver as atividades com autonomia. Junto, são encaminhadas orientações para a família, com a descrição completa de como deve ser feito o acompanhamento. Cabe ao professor organizar tudo e combinar a entrega com os responsáveis.
O virtual facilita entre os adolescentes
As possibilidades de troca de informações aumentam em razão diretamente proporcional à faixa etária dos alunos. No Ensino Fundamental II e no Ensino Médio cresce o uso de plataformas de ensino, facilitando o envio e recebimento de atividades e avaliações.
No Colégio Santa Inês, segundo Irmã Celassi, um cronograma com as atividades da semana é disponibilizado no ambiente digital – a instituição utiliza mais de um sistema. “Quando os pais comunicam que o aluno não vai, a gente orienta que pode entrar no site, tem os materiais, as instruções de devolutivas, se é físico, virtual. O estudante vai dando a devolutiva conforme a escola orienta”, detalha.
Quando a família manifesta a vontade de contar com apoio de psicólogo ou assistente social, a escola avalia e, se for o caso, faz o agendamento para que o profissional vá até a casa do estudante. Este tipo de situação é mais comum quando o afastamento envolve indicação de tratamento psiquiátrico, problema socioemocional ou conflito familiar.
Entre os jovens, durante e após o período de isolamento social causado pela pandemia, aumentaram os episódios de sofrimento psicológico. “Muita gente com pânico, várias questões pelas quais não conseguem vir à escola. A gente vê o atestado, a indicação, avalia as condições para que faça ou não as atividades”, relata a diretora.
A situação é monitorada até que o aluno tenha o aval para retomar as atividades. Só aí a escola indica na plataforma digital o que deve ser feito, os prazos e tudo mais. Lições, exercícios e avaliações são definidas para aquele caso, em específico, no tempo que for necessário. É a escola quem estabelece se a entrega será virtual ou física, sempre conversando com a família para adequar a cada situação.
Socialização
Nem só de lições e avaliações é feito o aprendizado. Entre os desafios do afastamento dos alunos está a socialização durante o período em que estão longe e a consequente ressocialização na retomada. Irmã Celassi lembra de um caso em que o estudante ficou os três anos do Ensino Médio sem atividades presenciais – inclusive porque os dois últimos foram durante a pandemia.
“De tempos em tempos, pedíamos que a família o trouxesse, mesmo acompanhado, para ver os colegas, ficar no recreio, fazer esse vínculo. Essa socialização vai do movimento que a gente faz com o grupo, porque às vezes aquele que está em casa não faz nenhum movimento para estar com os colegas, principalmente quando é emocional”, analisa a diretora.
Ana Paula Tolotti conta que entre os pequenos a tarefa ganha outros contornos. “Eles sentem muita falta, as crianças são muito sociais”, observa. A estratégia é usar como um objeto de potencialização de aprendizagem, estimulando a escrever cartas e desenhos para o colega ou propondo atividades para o acolhimento na hora do retorno. “Quando é possível, porque o cotidiano de sala de aula é bem agitado, e dependendo também da agenda da família, pode fazer chamada de vídeo. Sempre recebendo recado da família, trocando fotos, sem esquecer de proteger a privacidade dos alunos”, ressalta.
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