Conheça 10 princípios para a formação dos professores no trabalho com dados
O uso de dados na educação para melhorar o ensino e a aprendizagem tem sido um item recorrente nas listas de tendências da educação do presente e do futuro
RAFAEL KORMAN
Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul no Brasil (PUCRS) com doutorado-sanduíche na Harvard Graduate School of Education, sendo o primeiro educador certificado na América Latina no projeto Data Wise
Muitos educadores se veem seguidamente com a missão de “trabalhar com dados” e “usar dados”, mas sem a menor estrutura ou planejamento para isso. Ao mesmo tempo, o uso de dados na educação para melhorar o ensino e a aprendizagem tem sido um item recorrente nas listas de tendências da educação do presente e do futuro. Mas, afinal, o que isso significa exatamente? Que dados são esses? É preciso ser formado em estatística? Isso tem a ver com o Big Data e a Inteligência Artificial? E, mais importante, o que esses dados têm a ver com o trabalho que acontece entre professores e estudantes? Como isso afeta o coração da sala de aula?
Para responder a essas questões, a seguir, são descritos 10 princípios essenciais para trabalhar com dados em educação. Esse é um resumo que tem como base a minha pesquisa de doutorado (fundamentada principalmente nos estudos de Kim Schildkamp, Kathryn Boudett e John Hattie) e meu trabalho com 6 escolas nos Estados Unidos, 5 escolas no Chile e mais de 30 escolas no Brasil, entre públicas e privadas, nos últimos 4 anos.
1. Dado não é só resultado de prova. Dado, no contexto escolar, é definido por Schildkamp como “a informação que é coletada e organizada para representar algum aspecto escolar” e é uma explicação ampla o suficiente para incluir não apenas resultados de testes, mas observações de sala-de-aula, ou qualquer tipo de informação referente a alunos, pais ou professores. Por um lado, esse entendimento desafia a concepção geral que se faz do dado escolar, normalmente associado somente a resultados de testes padronizados, o que leva ao mau uso dos dados existentes e acaba negligenciando outras informações fundamentais para a aprendizagem dos estudantes.
2. Usar dados é melhor do que não usar. Por outro lado, igualmente a definição de “dado” contradiz aquelas escolas que veem o uso de dados de testes com suspeição e preferem usar apenas observações superficiais ou intuição e experiência para tomar decisões. Estudos apontam que, ao negligenciar o que os testes mostram, os professores preparam seus alunos em um nível mais baixo do que poderiam atingir.
3. Não se trabalha com dados sozinho. Trabalhar colaborativamente não é moda. A eficácia coletiva dos professores é a crença de que os professores podem impactar de maneira mais positiva a aprendizagem de seus alunos se eles trabalharem em equipe, e aparece na pesquisa de John Hattie com o maior fator de impacto na aprendizagem dos estudantes. Em relação ao trabalho com dados, não seria diferente. Schildkamp define as “equipes de dados” como grupos de professores que se engajam em investigação usando dados de estudantes como guias, com o objetivo de melhorar práticas de ensino, avaliação e currículo. E essas equipes levam à eficácia coletiva, pois os professores se sentem empoderados pelo uso de dados e que realmente são capazes de resolver os problemas que estão investigando.
4. Quem trabalha com dados não precisa ser estatístico. A necessidade do conhecimento prévio sobre estatística ou sobre planilhas é um mito associado ao trabalho com dados em educação, que impede as instituições de ensino até mesmo de começarem o trabalho. A maioria dos educadores não possui formação para analisar relatórios de dados e gráficos variados. Quando se deparam com esse tipo de material, se não há algum tipo de trabalho prévio de discussão ou reconhecimento do conteúdo, prevalece a resistência dos professores à leitura e a imediata desistência. Relatórios de dados não são instrumentos para causar medo e culpabilização, mas para encorajamento na melhoria do trabalho e responsabilização coletiva. No entanto, tudo depende da maneira como o trabalho é estruturado desde o início.
5. Ou você arranja tempo para trabalhar com dados, ou melhor nem começar. Para formar professores para o uso de dados não é viável promover apenas uma palestra sobre o assunto na abertura e no meio do ano letivo (aliás, nenhuma formação nesse esquema realmente funciona). Mas além de uma sensibilização inicial, aqui se trata de uma periodicidade de, no mínimo, uma reunião de 1 hora ou 1 hora e meia a cada 15 dias. De onde vem esse tempo? Não existe mágica. Tempo é custo, ou seja, é preciso investir em horas para os professores trabalharem com dados. Ou isso acontece, ou seguiremos no método da intuição e do improviso.
6. Não dê dados para os educadores analisarem se eles não souberem o que fazer com isso. A maioria dos autores nesse campo de pesquisa defende que a estrutura oferecida pela escola para a formação de equipes de dados exerce papel-chave nesse processo. Nesses estudos, as equipes cuja colaboração resulta em maiores aprendizagens coletivas são aquelas que possuem tempo definido para a reunião (horário e duração), condução de um facilitador, protocolos explícitos e expectativas reforçadas por seus gestores. A autora sugere, ainda, que quanto mais as reuniões tiverem tempo dedicado para a relevância instrucional (falar sobre o ensino que ocorre na sala de aula) e para a profundidade de investigação (fazer menos discussões sobre compartilhar problemas existentes e incorporar mais momentos em que o grupo possa gerar novos conhecimentos e compreensão) mais aumentará a capacidade coletiva da equipe para fornecer um ensino efetivo para os estudantes.
7. Trabalhar com dados é olhar de lupa para o que acontece dentro da sala de aula. Olhar para os grandes números nas avaliações externas é só uma parte inicial do trabalho com dados. O que importa, de verdade, é o que vem depois: o que os alunos realmente sabem e não sabem fazer e o que os professores realmente sabem e não sabem fazer.
8. O melhor software de análise de dados não vai mudar a sua sala de aula. Os professores vão. Digamos que você tenha adquirido um software incrível de análise de dados e ele lhe mostre, exatamente, que 37% dos seus alunos da 1ª série do Ensino Médio erraram questões ligadas à habilidade de resolver problemas de porcentagem. Se, por um lado, você demoraria muito tempo para chegar a essa informação sem o software, a pergunta que fica é: tudo bem, mas o que eu faço com essa informação? Segundo as pesquisas, a maioria dos educadores acaba não fazendo nada. Ou, no máximo, acaba dando mais aulas daquele assunto que apresentou lacunas. Mas não foram aquelas mesmas aulas que geraram o desempenho anterior? Será que não seria interessante pensar em outras estratégias de ensino? Nesse ponto, são os professores que devem assumir o seu protagonismo e fazer a diferença.
9. Não tente dizer o que os professores devem mudar em suas práticas. Deixe que eles mesmos descubram. Muitas escolas selecionam determinados programas de formação de professores com um foco bem objetivo em determinadas metodologias. O problema é que muitas vezes não se sabe ao certo nem como nem quando essas metodologias devem ser usadas pelos professores. Espera-se que eles guardem esse conhecimento numa espécie de “estoque de ferramentas”, para um dia, se precisarem, poderem usar. E se os professores pudessem investigar o problema de aprendizagem dos seus estudantes primeiro e depois identificar as suas próprias lacunas de ensino? A chance de que os professores, a partir disso, busquem soluções específicas para suas dificuldades é muito maior e ganha níveis bem mais elevados de motivação intrínseca.
10. O trabalho não termina nunca, mas nunca para de melhorar. Não é esperado que o trabalho seja concluído em um ano. A cada ano ele deve ser aprimorado. O trabalho com dados não é uma ferramenta nova a ser implementada, mas uma mudança de mindset, isto é, de mentalidade dos educadores. Quando se adota um trabalho colaborativo baseado em evidências, nunca mais se deseja voltar para um trabalho solitário e com base na intuição.
Assim, dados escolares devem ser entendidos como um conjunto de múltiplas fontes que os professores e os líderes escolares precisam para tomar decisões. Dessa forma, servem para definir objetivos de aprendizagem adequados para os estudantes; monitorar e checar para ver se os estudantes estão atingindo esses objetivos; e ajudar os estudantes a desenvolverem habilidades de monitorar e checar seus próprios objetivos de aprendizagem. Acima de tudo, usar dados na educação para melhorar o ensino e a aprendizagem se trata de uma decisão institucional e de mudança de cultura organizacional que pode transformar a maneira de trabalhar dentro da escola. Você não vai querer brigar com os dados.
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