Conhecimento de computação deve fazer parte do currículo

Complemento à BNCC homologado em outubro definiu as diretrizes dessa implementação, que deve começar em um ano. Aprendizagem com base na solução de problemas estimula a criatividade e o raciocínio lógico nas crianças e nos adolescentes

por: Juliana Turatti | ju@padrinhoconteudo.com
imagem: AdobeStock

É fato que o mundo está mudando e junto com ele a forma de ensinar também. O formato da sala de aula mudou muito nos últimos tempos e, hoje, a inovação é uma das palavras-chave para que os estudantes possam ter uma experiência melhor e assim aprender de maneira mais eficiente.

Em outubro, o Ministério da Educação (MEC) homologou o Parecer CNE/CEB 2/2022, favorável ao complemento que guia a implantação do estudo de computação na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Assim, o tema entrou efetivamente no currículo da Educação Básica, que além de favorecer o contato dos estudantes com recursos digitais desde cedo, busca ajudar no desenvolvimento cognitivo das crianças e dos adolescentes. 

Agora que a decisão está publicada no Diário Oficial da União (DOU), as unidades federativas e os municípios têm um ano para dar início ao ensino da computação na Educação Básica. Não foi definido prazo para concluir esse processo. O próprio documento serve como um bom guia para nortear essa implementação, pois traz uma lista de itens a serem explorados e exemplos de atividades que podem ser desenvolvidas em cada ano, da Educação Infantil ao Ensino Médio.

Ao MEC, cabe a definição de políticas para a formação de docentes e apoiar o desenvolvimento de currículos e recursos didáticos que estejam de acordo com as competências e habilidades previstas. Também compete ao ministério a definição de política de avaliação para a computação, além do assessoramento aos sistemas e redes de ensino para dar início e continuidade ao processo.

Para a coordenadora da Educação Básica da Rede La Salle, Elisa Schuck Medeiros, a importância dada ao ensino de programação para as novas bases da educação estimula a criatividade e o raciocínio lógico, potencializando uma aprendizagem baseada na solução de problemas. “O ensino de programação estando presente no currículo desde a educação infantil vai preparar o estudante para este contexto. Vai ao encontro do que Steve Jobs já afirmava nos anos 90, de que todas as pessoas deveriam aprender a programar um computador, porque isso ensina a pensar”, reforça Elisa.

O professor e pesquisador da Univali André Raabe, doutor em Informática na Educação pela UFRGS e com pós-doutorado em educação na Universidade de Stanford, além de autor do livro Computação na Educação Básica, considera que programar é uma visão simplista que está relacionada a uma das atividades que se desenvolvem quando se incluem os conhecimentos de computação. “Eu acredito que o pensamento computacional e o conhecimento de computação empodera o jovem para se tornar um melhor aprendiz. Ele incorpora mais uma ferramenta cognitiva para que o jovem possa resolver problemas, testar hipóteses e também conseguir desenvolver soluções usando tecnologia”, afirma Raabe.

“Eu acredito que o pensamento computacional e o conhecimento de computação empodera o jovem para se tornar um melhor aprendiz. Ele incorpora mais uma ferramenta cognitiva para que o jovem possa resolver problemas, testar hipóteses e também conseguir desenvolver soluções usando tecnologia”

André Raabe – professor e pesquisador

Ele ainda faz a ressalva que não se deve dar aulas de programação, mas focar na resolução de problemas de pensamento computacional e que o procedimento a ser adotado varia de acordo com a faixa etária. “Para as crianças, temos que trabalhar com questões lúdicas, com concreto, com exemplos, mas com um linguajar, uma terminologia um pouco mais voltada para computação. E com adolescentes podemos falar em robótica e cultura maker, por exemplo, além de incluir o desenvolvimento de problemas mais complexos, uso de conceitos de estrutura de dados, de resolução de problemas usando a repetição e desvios que são ferramentas da lógica. Desta maneira, o jovem, ao se envolver com sistemas, programas e fazer soluções que combinam diferentes técnicas, está apto a criar novas tecnologias e novas soluções. Eles deixam de assumir o papel que têm hoje, de meros consumidores da tecnologia, passando a se tornarem criadores e críticos da tecnologia existente”, alerta.

Elisa comenta, ainda, da necessidade da educação acompanhar os processos de mudança, destacando que o estudante quer aulas para que ele possa participar de forma ativa. “Nosso estudante quer colocar a mão na massa e com o ensino de programação ele tem a possibilidade de propor experimentos, de errar, pois sim, o erro faz parte do processo de aprendizagem, transformando a aula em um laboratório de aprendizagem, e a escola adquire um modelo mais disruptivo e menos tradicional”.

Desde abril de 2022, dois estudantes do Ensino Médio do Colégio Marista Rosário, de Porto Alegre, procuraram a equipe pedagógica da escola e manifestaram o interesse na criação do Clube de Programação. A escola já conta com o GRIT (Grupo Rosariense de Inovação e Tecnologia). Os alunos foram questionados quanto à intenção da criação do clube e, ao trazerem argumentos sólidos, o Clube de Programação nasceu.

O grupo conta com 30 estudantes que participam de forma voluntária. Os encontros são semanais e contam com a mediação de dois educadores experientes em linguagem de programação e formação na área. Ele é voltado para alunos do Ensino Médio que tenham interesse em participar de atividades complementares ao currículo regular, mas o colégio oferece experiências optativas desde os primeiros anos da Educação Básica.

De acordo com a coordenadora pedagógica do Ensino Médio do Colégio Marista Rosário, Caroline Becker, o objetivo de todos os clubes oferecidos pelo colégio são espaços que possibilitem a criação coletiva, com foco nos interesses dos estudantes.  “Como é uma atividade optativa e acontece por aproximação de interesses, o engajamento é grande. Os estudantes vivenciam experiências de protagonismo juvenil, criam projetos, desde o planejamento à execução e isso apresenta um retorno muito positivo dos estudantes. Eles demonstram a satisfação pela escuta e pelo acolhimento de propostas de autoria deles. Sem falar que temos belíssimos projetos, incluindo propostas de intervenção social”, conta Caroline.

Desafios e vantagens
Para que as modificações aconteçam, a coordenadora da Rede La Salle, Elisa Schuck Medeiros, lembra que ao inserir a programação no ensino não se pode deixar de pensar na formação continuada dos professores. “Temos que pensar como é possível fazer o uso pedagógico das tecnologias digitais para os processos de ensino e de aprendizagem”, reforça.

Os principais desafios para inserir a computação nas escolas estão relacionados à formação dos professores para que eles consigam compreendê-la como uma maneira suficiente de aprendizagem aos jovens. “As licenciaturas em computação são cursos com pouca oferta, são poucas universidades que oferecem. E eu entendo que para o Ensino Fundamental, onde os pedagogos são professores, tem que modificar, trabalhar na formação inicial e trabalhar emergencialmente… fazer muita formação continuada para permitir que a gente possa iniciar o processo”, argumenta Raabe.  Como vantagens, o professor destaca desde as pontes interdisciplinares que são possíveis de fazer, com a possibilidade de que muitos temas podem ser trabalhados junto com o ensino das técnicas de resolver problemas, de construir algoritmos, de conseguir reduzir problemas, o que pode possibilitar a identificação de padrões tanto nos problemas quanto nas soluções.

Raabe finaliza apresentando a computação como uma grande ferramenta à disposição para explorar seu conhecimento. “É como uma nova linguagem que ele passa a usar para se apropriar do mundo, para capturar novas formas e tomar decisão também, acerca do que ele consegue resolver, de quais problemas com e sem a ajuda do computador”, acredita.

TAGS





Assine nossa newsletter

E fique por dentro das novidades