Dislexia: uma forma diferente de ler o mundo

Distúrbio de aprendizagem atinge cerca de 10% das crianças em idade escolar e requer diagnóstico multidisciplinar

por: Bianca Zasso | Especial
imagem: AdobeStock

Imagine a emoção de pilotar um carro cheio de tecnologia a mais de 300 quilômetros por hora. O piloto de Fórmula 1 Lewis Hamilton vive essa adrenalina em sua rotina de treinos e provas e ainda precisa encontrar concentração para alcançar os melhores resultados nas pistas mundo afora. Porém, uma simples leitura de um texto já foi um desafio gigante para o britânico que já levantou a taça de campeão mundial sete vezes. Isso porque Hamilton tem dislexia, um distúrbio de aprendizagem que atinge entre 5% e 17% da população mundial, conforme dados divulgados pela Associação Brasileira de Dislexia (ABD). 

“A dislexia não tem a ver com a capacidade cognitiva dos estudantes. Todos somos capazes de aprender, em qualquer etapa da vida. Aprender é uma potência da natureza humana. A gestão precisa trabalhar na formação docente para que esse e outros transtornos possam ser conversados e pesquisados. As práticas pedagógicas precisam ser pensadas a partir desta realidade para se decidir qual a melhor forma de desenvolver o potencial destes alunos”

 Denise Ceroni, especialista em Psicopedagogia e professora da UniRitter

A dislexia é considerada um transtorno específico de aprendizagem, de origem neurobiológica e que se caracteriza pela dificuldade para coordenar as letras e formar as palavras e relacionar os sons às sílabas. 

A especialista em Psicopedagogia e professora da UniRitter, Denise Ceroni, explica que é comum que os primeiros sintomas da dislexia sejam percebidos quando a criança inicia seu processo de alfabetização. No entanto, alguns sinais já podem ser notados ainda no período pré-escolar quando, por exemplo, faz-se uso excessivo de uma palavra para substituir outras.  “É preciso atenção quando a criança utiliza termos como “coisa” ou “negócio” para se referir a um objeto ou apresenta dificuldade para lembrar cores. Já estudantes por volta dos 8 ou 9 anos, podem apresentar problemas para o entendimento do alfabeto e da tabuada”, explica Denise.

Ela também ressalta que essas crianças costumam ficar frustradas ao perceberem esses percalços de aprendizagem ao se compararem com colegas que não apresentam as mesmas dificuldades. A professora lembra que a dislexia é um dos distúrbios de maior incidência nas salas de aula no mundo. Estudos apontam que ela afeta preponderantemente meninos e atinge 10% das crianças em idade escolar no mundo. 

Mas como acolher e tornar os processos de aprendizagem dos estudantes com dislexia mais satisfatórios? Para Denise, é preciso que a gestão escolar encare o distúrbio com naturalidade. 

“A dislexia não tem a ver com a capacidade cognitiva dos estudantes. Todos somos capazes de aprender, em qualquer etapa da vida. Aprender é uma potência da natureza humana. A gestão precisa trabalhar na formação docente para que esse e outros transtornos possam ser conversados e pesquisados. As práticas pedagógicas precisam ser pensadas a partir desta realidade para se decidir qual a melhor forma de desenvolver o potencial destes alunos”, afirma a professora. 

A CIÊNCIA COMO APOIO

Assim como acontece com outros distúrbios, o diagnóstico da dislexia é multidisciplinar. Após a percepção dos primeiros sinais, o estudante deve ser avaliado por profissionais como um fonoaudiólogo, um psicólogo e um neurologista. Caso se confirme, é importante que a criança ou o adolescente passe a ter um acompanhamento fonoaudiológico e com um psicopedagogo, que acompanha e desenvolve processos pedagógicos, funcionando como uma espécie de ponte entre a família e a escola. 

“Meu papel enquanto psicopedagoga de aluno/paciente disléxico é de atender às suas necessidades educativas, com metodologias voltadas às suas particularidades, buscando orientar a equipe pedagógica da escola para que a intervenção aconteça de forma aproximada ao atendimento individual”, esclarece a psicopedagoga Kássia Quadros Ferreira, que afirma que há várias ferramentas que possibilitam que estudantes disléxicos realizem avaliações e outras atividades com mais tranquilidade. 

“Este trabalho visa esclarecer questões que surgem no atendimento ao aluno disléxico e que irão somar ao trabalho do professor em sala de aula, com objetivo de trazer qualidade de aprendizagem e de vida ao educando”, conclui.

A ciência e a pesquisa também possuem um papel importante quando o assunto é dislexia. Em Porto Alegre, uma iniciativa ligada ao Instituto do Cérebro (INCER) dedicou-se a dar a sua contribuição para o tema. O projeto ACERTA iniciou seus trabalhos em 2013, com o propósito de melhor entender as mudanças que ocorrem no cérebro das crianças em fase de alfabetização. 

“O principal objetivo era de compreender por que algumas crianças desenvolvem transtornos de aprendizagem. Durante o estudo, foram identificados biomarcadores precoces desses transtornos, através do uso da neuroimagem funcional e estrutural”, esclarece a professora e pesquisadora do projeto, Aline Fay. Para ela, buscar informações baseadas em evidências científicas pode ser uma boa estratégia para a preparação dos professores ao se depararem com um aluno com dislexia. 

“A escola, os educadores e os gestores devem entender que a ciência cognitiva da leitura afirma que, ao contrário do que supõem certas teorias, a aprendizagem da leitura e da escrita não é natural e nem espontânea. Não se aprende a ler como se aprende a falar. A leitura e a escrita precisam ser ensinadas de modo explícito e sistemático, evidência que afeta diretamente a pessoa que ensina, ou seja, o professor. Em outras palavras, a linguagem humana é natural enquanto fala, já nascemos biologicamente programados para desenvolver a linguagem oral. Quando aprendemos a ler, nosso cérebro sofre um processo de adaptação de suas redes neuronais para conseguir codificar sons em letras, função que não exercia anteriormente ao aprendizado da leitura”, afirma. 

Se Lewis Hamilton, que teve seu diagnóstico de dislexia aos 17 anos, conquistou o mundo como um dos grandes no seu ofício, nada pode impedir que um estudante siga em frente com seus sonhos. Nem uma troca de letras ou fonemas.

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