Como é a rotina de atendimento a alunos com Síndrome de Down

Especialistas relatam o trabalho em sala de aula e a atuação da equipe multidisciplinar

por: Pedro Pereira | pedro@padrinhoconteudo.com
imagem: AdobeStock

O dia 21 de março marca a lembrança, em todo o mundo, da Síndrome de Down. A data é dedicada à conscientização global e à celebração da vida das pessoas com a síndrome, a fim de garantir que elas tenham as mesmas liberdades e oportunidades dos demais. Reconhecida pelas Nações Unidas desde 2012, simboliza, no calendário, a triplicação do 21º cromossomo, causadora da condição.

“Sempre que a gente for pensar em estratégia para o estudante especial, deve partir das potencialidades dele. Se colocarmos na métrica dos demais, a gente não vai conseguir nunca um trabalho de educação inclusiva coesa”

Romy Hernandez – pedagoga especial e assessora de Educação Inclusiva do Colégio Farroupilha e da 1ª Coordenadoria Regional de Educação

Segundo o Ministério da Saúde, crianças com Síndrome de Down precisam ser estimuladas desde o nascimento para que sejam capazes de vencer as limitações que a alteração genética impõe. Em função das necessidades específicas de saúde e aprendizagem, requerem assistência profissional multidisciplinar. O objetivo, diz o órgão, deve ser sempre habilitá-las para o convívio e a participação social. 

Esse estímulo à socialização e ao aprendizado é alvo de estudo e aprimoramento constantes por parte dos especialistas. Para saudar a data e reconhecer essa caminhada, o Educação em Pauta conversa com duas educadoras que se dedicam a casos como a Síndrome de Down. Elas explicam desde o processo de recepção do aluno e dos familiares, até os resultados alcançados.

O começo da jornada

Em geral, a recepção começa com uma conversa com a família, para entender o contexto em que o estudante está inserido, a rotina, preferências e estilo de vida. O segundo momento ocorre em sala de aula mesmo, em um processo de adaptação junto aos demais colegas. “Geralmente, ele é incluído junto com os demais. Isso é algo que a gente já conquistou: independentemente do nível cognitivo, ele é acolhido com o ano compatível com a sua idade cronológica. Caso apresente defasagem cognitiva, as atividades vão ser adaptadas”, explica a pedagoga especial e assessora de Educação Inclusiva do Colégio Farroupilha e da 1ª Coordenadoria Regional de Educação, Romy Hernandez.

Esse acompanhamento leva o tempo necessário para que o educador do AEE, juntamente com a equipe pedagógica, tenha subsídios para construir o Plano de Desenvolvimento Individual (PDI) do estudante. “Eu fico com eles em fevereiro, março, dentro da sala de aula, com as professoras titulares. O mais importante é criar um vínculo entre a PCD e eu”, conta a pedagoga especializada em Educação Inclusiva Andrea Balsamo, que atua na sala de recursos da Escola Nossa Senhora do Brasil, em Porto Alegre, além de atendimento clínico.

O PDI é o documento que organiza toda a trajetória escolar anual do estudante. Ali, o educador da sala de recursos pensa em todas as estratégias e define como elas serão trabalhadas. Quando a família vai fazer a matrícula e informa que a criança tem Síndrome de Down, a instituição já aciona os especialistas para traçar esse plano. 

“Sempre que a gente for pensar em estratégia para o estudante especial, deve partir das potencialidades dele. Se colocarmos na métrica dos demais, a gente não vai conseguir nunca um trabalho de educação inclusiva coesa”, defende Romy Hernandez. 

Integração total

A rotina dos alunos com Síndrome de Down segue o padrão dos demais estudantes. Se precisar de apoio, é assistido por um monitor. Tudo depende da avaliação pedagógica feita durante o acolhimento.

Em grande parte das vezes, o monitor se faz necessário apenas em momentos como a alimentação e a higiene. Isso demanda muita atenção porque é comum que eles tenham alguma dificuldade na mastigação e na deglutição. O estudante não pode, por exemplo, comer balas, então a família costuma mandar o lanche. “Mesmo assim, ficamos de olho porque eles vão no lanche do colega”, alerta Andrea.

“Não se pode dizer até onde a criança poderá ir ou que ela não conseguirá passar por algum nível de ensino. Já formamos muitos estudantes com plano adaptado, sempre em conjunto com a família, ouvindo e acolhendo, mas traçando os objetivos pedagógicos. É de responsabilidade da escola”

Romy Hernandez – pedagoga especial e assessora de Educação Inclusiva do Colégio Farroupilha e da 1ª Coordenadoria Regional de Educação

Oferecer água regularmente também é importante, já que a boca fica seca. A Síndrome de Down tem a hipotonia (perda de tônus muscular) como um dos sintomas, então é preciso auxiliar na hora de beber água para evitar que haja afogamento.

Durante os turnos, muitas crianças não aguentam permanecer quatro horas dentro da sala de aula regular. Andrea explica que recorre a períodos de tempo fora da sala, levando os alunos até uma praça, computador, tablet, tapete de brincadeiras ou jogos pedagógicos, onde possa, junto com o monitor, preencher aquele tempo e reafirmar o vínculo. Essas ações sempre são combinadas com a professora titular da turma.

Já o convívio com os colegas se torna uma aula à parte. Em geral, os estudantes com Síndrome de Down são bem recebidos, mas atividades que estimulem a convivência e a compreensão são sempre bem-vindas. “Eu faço um trabalho todo de contação de histórias sobre as emoções, quem são os participantes, os membros das diferentes famílias. Explico que o ser humano é único, cada um de nós é um ser que vai trabalhar e fazer, ou não fazer, algumas coisas na vida”, detalha Andrea.

Quando algum aluno se desorganiza, como é chamado o momento em que ele não se sente bem em sala de aula, o monitor ou educador especial pode auxiliar. Com o tempo, eles percebem que esse tipo de situação é normal e aprendem a lidar, mas sempre buscando a referência dos profissionais. 

“Quando estou em itinerância e algum deles se desorganiza, já vai e senta na porta da sala de recursos. Ela está sempre aberta, porque sei que eles podem se desorganizar e o ponto de acolhimento é ali”, relata Andrea. A sala de recursos é onde os estudantes conseguem desenvolver habilidades que não precisam ser trabalhadas com os demais alunos, na sala de aula regular. São questões da vida diária, como preparar comida, café, arrumar a cama, enquanto aprendem também a compreender que cada pessoa prefere que as coisas sejam feitas de um jeito.

Acompanhamento completo

A chave para uma caminhada produtiva é estabelecer o vínculo a que Andrea fez referência. A partir dele, é feito um trabalho para que, no futuro, os estudantes se tornem mais independentes. “Minha intencionalidade é sempre potencializar o enfrentamento das dificuldades, com estratégias concretas, não-concretas, atividades de vida diária ou estimulação precoce, na Educação Infantil”, explica Andrea.

Outro ponto fundamental é o atendimento por uma equipe multiprofissional, começando pela família, passando pela professora titular e chegando a cada profissional que atende a criança – psicopedagogo, fonoaudiólogo, neurologista, cardiologista etc. “É muito necessário que haja o contato entre equipe de saúde, educação e família. Fazendo essa tríade, é um trabalho que sai ‘casadinho’ no PDI”, entende Andrea. Isso porque, como recomenda o Ministério da Saúde, elas precisam de acompanhamento constante e próximo. Tudo precisa andar lado a lado com o lugar em que elas passam boa parte do dia: a escola. 

Segundo Romy, estabelecer o vínculo com os estudantes é uma das partes mais tranquilas do processo. “Estamos falando de uma síndrome em que eles têm características muito peculiares, são amorosos. Têm um pouquinho de resistência em algumas questões, que as famílias já informam, mas acredito que tudo já parte do vínculo, acreditar no professor, no profissional especializado, na potencialidade desse estudante, mas sempre partindo do vínculo”, frisa. Andrea completa: “para mim, enquanto profissional, se faz sentir, faz sentido. Tudo que faço com amor, com carinho e vejo que eles sentem, para mim faz sentido”.

O trabalho em equipe dá resultado

Romy lembra com carinho de um aluno que concluiu o Ensino Médio durante a pandemia, no Colégio Farroupilha. Bastaria o fato de ele ter essa condição e ainda estar sob o estresse que se abateu sobre o mundo durante o período de isolamento, mas, para completar, ele estava na instituição desde os anos iniciais e apresentou avanço significativo nas relações socioemocionais, na autonomia e nos aspectos cognitivos.

“Nós o preparamos, no Ensino Médio, porque muitas vezes, de forma sutil, tem que dar uma instigada. Não se pode dizer até onde a criança poderá ir ou que ela não conseguirá passar por algum nível de ensino. Já formamos muitos estudantes com plano adaptado, sempre em conjunto com a família, ouvindo e acolhendo, mas traçando os objetivos pedagógicos. É de responsabilidade da escola”, alerta Romy.

Um dos propulsores para o desenvolvimento do estudante é deixar bem definido, no PDI, o que cabe à escola e o que é papel da família. Muitas vezes, os responsáveis tendem a pensar que a instituição dará conta de tudo. Também é importante traçar objetivos dentro do plano – e que eles sejam, ao mesmo tempo, adequados ao estudante e ambiciosos a ponto de fazerem com que todo o potencial seja explorado. 

“Esse menino, em específico, hoje faz curso de Audiovisual na Unisinos, dentro das suas possibilidades”, comemora Romy. “Foi muito emocionante porque, durante a pandemia, precisávamos que ele ficasse em frente à câmera, com atividades adaptadas. No começo, não ficava muito. No fim, era ele fazendo desenho para nós e mostrando no caderno. Quando não queria mais, dava tchau e desligava a tela. Mas só tivemos alegrias com ele”, garante.

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