O trabalhador do futuro já está em sala de aula e precisa ser ouvido
Profissões mais promissoras – e tradicionais se reinventando – andam lado a lado com o perfil dos jovens, que pedem por um ensino alinhado a tudo isso
Quando o assunto é o futuro, a primeira palavra que pode vir à mente é a tecnologia. Não está errado, obviamente, mas é preciso entender que a sociedade anseia por muito mais. A formação humana dos profissionais se mostra cada vez mais fundamental para lidar com ferramentas como a Inteligência Artificial, com suas consequentes questões éticas e morais.
E este é apenas um dos exemplos. O conhecimento em Matemática, Estatística e toda parte de interpretação e tratamento de dados estará entre os requisitos básicos de qualquer carreira. Mas o domínio de competências como o relacionamento interpessoal e a comunicação serão tão importantes quanto. Da mesma forma com a capacidade de empatia e leitura de cenários.
Por isso que Artes, Filosofia, História, Sociologia e afins continuam tendo importância em uma formação profissional que não deve ser apenas ferramental. “O profissional do século XXI precisa ter um repertório ampliado, incluindo, por exemplo, a história do pensamento humano, ao mesmo tempo em que saberá programar, lidar com dados estatísticos. A soma de tudo isso me parece uma renovada preocupação com a formação geral”, observa o professor da Escola de Humanidades e da Pós-Graduação em Educação da Unisinos, Roberto Rafael Dias da Silva.
Segundo ele, os jovens têm mostrado a compreensão da importância e a vontade de construir um conhecimento multidisciplinar, independentemente da área escolhida para trabalhar. “Eles querem saber cultura, cinema, mesmo que seja para trabalhar como técnico em informática ou enfermagem. Há uma tendência muito legal pelos cruzamentos interdisciplinares”, exemplifica.
Áreas de destaque
A espécie humana sonha com a vida eterna. Enquanto não encontra a fórmula, vai se aproximando cada vez mais, aumentando a longevidade. Isso fez com que a ciência e a saúde andassem sempre de mãos dadas com a tecnologia de ponta. Para que isso se mantenha, o que é uma tendência natural, os profissionais da área precisarão não apenas entender como utilizar essa tecnologia, mas também de seu desenvolvimento, a fim de dialogar com os engenheiros, programadores e demais especialistas.
“As áreas da saúde incluem aquelas relacionadas não apenas com o cuidado, mas também com a prevenção, como o educador físico e o fisioterapeuta”, explica o pesquisador Yuri Lima, coordenador da linha de estudos sobre o Futuro do Trabalho do Laboratório do Futuro da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da startup Labore, que fica dentro do laboratório.
Além destas, ele destaca o Direito, com as questões filosóficas e sociológicas que virão a discutir os limites éticos do uso da tecnologia. “Temos dificuldade de lidar com a velocidade com que as coisas surgem”, aponta. Em seguida, aparecem as profissões ligadas diretamente à tecnologia, embora muitas delas também venham a ser substituídas por máquinas que farão tudo de forma automatizada – especialmente as rotinas repetitivas.
Ou seja: tudo que for produzido em série, ou quase, deve ser superado, mais cedo ou mais tarde, pela máquina. Daí a importância de carreiras como as Artes, que não param de crescer ao longo do tempo, segundo Yuri. “Coisas ligadas à negociação, empatia, sensibilidade. Artesão, cirurgião, pessoas que têm de lidar com o universo ao redor de forma precisa. Além de outros que vão surgir e a gente nem conhece hoje em dia”, projeta.
Ele cita como exemplo a figura de designer de carros autônomos. No dia a dia é possível ter uma ideia nítida de como isso anda rápido: ninguém cogitaria, há uma década, que existisse a carreira de piloto de drone. Há cerca de um ano, “analista de e-commerce” foi reconhecida como mais uma profissão, pelo Ministério Público do Trabalho.
“Cada vez mais, a capacidade da máquina de fazer aquilo que é mais repetitivo e básico vai sendo dominada pelas tecnologias. Resta, para nós, termos essa capacidade de olhar para uma visão mais sistêmica, que considere os impactos do que estamos fazendo. A formação vai muito mais para este sentido”, garante o pesquisador da UFRJ.
O futuro quebra paradigmas
A visão, quando se olha para a frente, é de um mundo norteado pelo domínio de Ciência, Tecnologia, Engenharia e de Matemática. Isso rendeu o termo STEM (sigla do Inglês Science, Technology, Engineering and Mathematics). Mas outras áreas também são relevantes para a sociedade, que corre o risco de sentir falta de pessoas que reflitam as questões sociais do desenvolvimento tecnológico.
Carreiras como a de matemático, estatístico e sociólogo terão papéis muito relevantes, pois servirão como base para o desenvolvimento. Se hoje muitas estão ligadas intimamente à docência, serão também vistas como essenciais para a criação de ferramentas.
“A gente olha para a ponta e acha que envolve um desenvolvedor, um designer. Mas um novo sistema de identificação de imagem, por exemplo, exige pesquisa de base. Profissões ligadas à pesquisa vão criar esses diferenciais tecnológicos que a gente vê. Essa pesquisa de base é fundamental e investir nisso faz parte do processo de criação. No Brasil, hoje, isso está principalmente nas universidades públicas, inclusive com grande número de patentes”, analisa Yuri.
Segundo ele, é importante entender que o desenvolvimento da tecnologia começa muito antes de chegar ao mercado. A reflexão sobre a serventia, os efeitos, as vantagens e os impactos socioeconômicos deve ser bem feita. Neste sentido, a formação social e humana aumenta muito a chance de sucesso lá na ponta.
A grande questão é compreender que dificilmente alguma área não será impactada pela tecnologia. O perfil de qualquer profissional que está sendo formado com visão de futuro inclui saber não apenas operar as novas tecnologias, mas interagir com quem as desenvolve. Com competências tão complementares, é natural que esse trabalhador vire um empreendedor ou comunicador em sua área, por exemplo.
Yuri participou da elaboração do Future Work/Technology 2050, estudo internacional que projeta o mundo em 2050, a partir da evolução tecnológica em curso e da que virá como consequência. A obra é fruto de pesquisas do Projeto Millennium, com mais de 300 profissionais de 60 países – incluindo futuristas, economistas e especialistas em Inteligência Artificial e outras áreas.
O relatório conclui, em um primeiro cenário, que são infundados os anseios atuais de que haja desemprego em massa devido aos avanços em Inteligência Artificial, robótica e outras tecnologias que substituam o trabalho humano. A íntegra está disponível neste link.
A educação como ferramenta
Se a sociedade precisa, o mercado cobra e os jovens pedem por uma formação completa, técnica e, humanamente falando, cabe à Educação Básica e Profissional dar os subsídios necessários. Segundo Roberto, é preciso uma mudança de ênfase no planejamento dos cursos profissionalizantes. “É importante que o currículo seja direcionado para a demanda imediata do mercado, mas é insuficiente. O jovem espera mais”, sentencia.
Discutir o futuro do planeta ou questões trazidas pelas artes – mesmo em cursos tradicionais –, utilizar novas linguagens, romper a separação entre teoria e prática. Tudo isso contribui para uma formação mais adequada com o profissional do futuro. “Não dá mais para pensar o estágio só como uma adaptação profissional. Temos que estabelecer a relação entre o interesse do aluno e a demanda do mercado, isso talvez esteja em fortalecer a ampliação do repertório cultural. Tenho reforçado isso nos cursos de educação profissional. Não pode ser só para gourmetizar curso velho”, alerta Roberto.
De tudo que tem acompanhado em relação ao ensino profissional, Roberto vê que os melhores currículos estão organizados em três blocos:
O futuro no Brasil
Outra questão que aflige os gestores da educação no Brasil é a retenção de talentos – ou a fuga de cérebros, como é chamada a debandada de pesquisadores para centros mais desenvolvidos e que valorizam a ciência. Quem cursa mestrado e doutorado ainda tem espaço muito pequeno no Brasil, segundo Yuri Lima, da UFRJ. Ele lembra que mesmo nas universidades o destino acaba sendo a docência, caso contrário dificilmente tem algum cargo exclusivo de pesquisa – à exceção das bolsas, que remuneram muito abaixo do padrão internacional, levando à exportação de talentos.
“Muito do que a gente vê em termos de novas tecnologias vêm dessa base. Por isso, países que valorizam a manutenção dos profissionais com grau mais alto acabam tendo mais sucesso”, explica. Para as instituições privadas – e até mesmo as públicas –, a criação de parques tecnológicos tem se mostrado uma eficiente maneira de reunir profissionais dedicados à pesquisa, remunerados em nível de mercado e criando novidades de impacto econômico e social. “É um caminho. Não pode ser o único, mas ajuda, sim. O investimento é necessário porque, sem espaço para o pesquisador atuar, não vai ter interesse. O resto do mundo quer esses profissionais”, conclui.
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