Cyberbullying nas escolas: aspectos legais e o papel das famílias

Presente na vida de crianças e adolescentes, aplicativos e redes sociais também são utilizados pelos agressores virtuais. Para inibir essas práticas, algumas ações preventivas são possíveis de serem realizadas

por: Eduardo Wolff | eduardo@padrinhoconteudo.com
imagem: AdobeStock

22% das crianças e dos adolescentes brasileiros afirmaram já ter praticado cyberbullying com alguém conhecido – índice semelhante à média de jovens por todo o mundo que é de 21%. É o que sinaliza o levantamento “Hidden in Plain Sight: More Dangers of Cyberbullying Emerge” (“Escondido mesmo à vista: mais perigos do cyberbullying surgem”), realizado pela McAfee Corp.

No Brasil, 84% dos pais disseram estar preocupados com que os filhos sejam vítimas de cyberbullying. Ainda, 6 a cada 10 (67%) crianças e adolescentes brasileiros já sofreram discriminação de alguém que conhecem, e 5 a cada 10 (51%) foram vítimas da prática por estranhos. 

O estudo “Cyberbullying na Adolescência: Perfil Psicológico de Agressores, Vítimas e Observadores”, da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, classifica os cyberbullies (agressores) de duas maneiras. Uns são os acidentais, ou seja, aqueles que praticam o ato com o intuito de zombar com uma pessoa ou como forma de vingança, como criar páginas pessoais falsas, trocar imagens íntimas de alguém com amigos, expor histórias em blogs, entre outras práticas. Outros são os propositais, aqueles que praticam o cyberbullying porque lhes proporciona prazer, situando-se, assim, em um patamar mais grave. 

“Os pais destas crianças precisam olhar o que estão acessando nas redes sociais, não policiar, mas sim conversar. Além disso, orientá-las a não passar informações, como onde mora ou nome completo”

Maria Adelina Raupp Sganzerla – coordenadora dos cursos de Computação da Ulbra Canoas e EAD

Em seus estudos, a coordenadora dos cursos de Computação da Ulbra Canoas e EAD, Maria Adelina Raupp Sganzerla, comenta que as redes sociais mais usadas (por serem mais populares) para as práticas de humilhação entre os jovens são o Instagram e o TikTok, sendo esta última mais em “moda” entre as crianças. “Quando postado um vídeo, pode ser salvo ou replicado. Isso proporciona oportunidades de cyberbullying”, frisa.

Ela acredita que os adultos devem adotar medidas para tentar solucionar esse problema. Uma delas é acompanhar os sinais de comportamento da vítima, como mudanças de humor, sono e isolamento social. “Os pais destas crianças precisam olhar o que estão acessando nas redes sociais, não policiar, mas sim conversar. Além disso, orientá-las a não passar informações, como onde mora ou nome completo”, sugere.

As próprias empresas, que provêm as redes sociais, possuem ações preventivas. Existem espaços dedicados tanto no TikTok e no Instagram, que inclusive desenvolveu o seu Guia para os Pais.

Como acontecem as práticas agressivas

O cyberbullying, nada mais é que o bullying 4.0 (alusivo à Indústria 4.0 ou Quarta Revolução Industrial, que engloba tecnologias). A declaração é do advogado, especializado em Direito Educacional, consultor e assessor jurídico de escolas particulares, Luciano Escobar.

No entanto, ele aponta que existem agravantes. Anteriormente, realizado em um ambiente real, no contexto escolar, na frente de outras pessoas, a perceber do bullying era mais fácil. Pelo fato de acontecer por meio da internet, em ambientes virtuais, que não têm fronteiras, sendo que o anonimato é possível, o cyberbullying acrescenta essa dificuldade de identificar os agressores.

Como a caracterização do bullying exige atos repetitivos de violência (física, verbal, moral, psicológica) sob um mesmo indivíduo, o especialista alerta que fatos simples ou tidos como isolados, não são levados a sério, mas é através deles que tudo começa São figurinhas, stickers, gifs ou vídeos com uma imagem sem autorização de determinado estudante.  que, associados ao deboche ou à uma má-intenção pode se disseminar pelas redes sociais, tornando impossível o seu controle. Aquilo que uma vez é jogado na rede, nunca mais será possível retirar.

O WhatsApp, por exemplo, em que se criam grupos dentro da própria escola, é uma ferramenta que pode servir para serem arquitetadas diferentes maldades contra um aluno em específico. “A vítima não precisa necessariamente fazer parte desse grupo para se caracterizar como cyberbullying”, salienta. Um ambiente hostil pode se criar ao redor do estudante, provocando, inicialmente, a sua segregação da turma e, depois, a sua exclusão.

Outro fator de atenção são as criações de perfis falsos (simulando ser a vítima) em uma rede social, com a proposta de provocar discussões com outras pessoas, que podem levar até a um confronto real de agressões físicas. A gravidade do cyberbullying está na sutileza. “Um aluno pode estar assistindo, em sala de aula, em sua mesa e, com o celular abaixado, pode estar escrevendo ofensas via WhatsApp. Ou participando de discussões no Discord, outra rede social em alta entre crianças e adolescentes, que tem se disseminado diversos conteúdos relacionados a todos os movimentos de ataques contra escolas”, cita.

Por sua experiência como consultor escolar mediando e resolvendo conflitos, Escobar ressalta que na maioria dos casos a origem do problema está em casa. Enquanto a escola tem um papel de escolarizar e de educar para o coletivo, para o viver em sociedade, a família tem o papel de educar individualmente o jovem, transmitindo exemplos, valores éticos e morais, que formarão o seu caráter.

Ele ainda aponta que, em alguns casos, os cyberbullies foram vítimas no seu próprio ambiente familiar, com agressões ou porque foram simplesmente negligenciados sob as mais diversas formas. A tendência é reproduzir isso no ambiente escolar. “Um pai ou mãe podem, de certa forma, acabar validando esse tipo de comportamento, porque, simplesmente não são participativos na escola. Além disso, deixam de atender as solicitações feitas por ela de, por exemplo, buscar atendimento emocional para o filho que está apresentando comportamentos inadequados”, contextualiza.

O que fazer e o que pode acontecer

No caso dos pais das vítimas, é possível registrar uma ocorrência policial na Divisão Especial da Criança e do Adolescente (DECA). Atos de bullying e cyberbullying são crime e, quando praticados  por um menor, uma criança, de zero a 12 anos incompletos ou um adolescente, de 12 anos  a 18 anos (incompletos), é caracterizado como ato infracional, sujeito à aplicação de medidas socioeducativas.

É importante entender que atos de bullying e cyberbullying resultam em danos psíquicos e físicos à vítima e até a sua morte ou pior do que isso, levar a própria vítima a se mutilar ou tentar o suicídio. Em qualquer das situações existirão medidas socioeducativas aplicáveis ao agressor, proporcionais aos resultados dos seus atos de violência, podendo chegar ao extremo de internação na Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase), a antiga Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor (Febem).

Em seu ponto de vista, o especialista em Direito Educacional ressalta que é fundamental que os pais falem com seus filhos sobre as consequências que estão por trás da prática do bullying e cyberbullying e sempre trabalhem o exercício da empatia: ‘e se fosse comigo, como eu me sentiria?’.

“É fundamental que o educador seja parte ativa de um processo de reflexão sobre a base ética das condutas, pois o ambiente digital tem nos isolado enquanto seres humanos”

Claudia BresSler – advogada e especialista em direito digital

Engajamento de todos para o combate

Por se tratar de um fenômeno complexo, a advogada e especialista em direito digital Claudia Bressler acredita que as orientações jurídicas são fundamentais na compreensão do cyberbullying e na busca de suas soluções. Além disso, elas precisam ser acompanhadas de ações pedagógicas, isso porque o Direito trata das normas sociais, que buscam organizar a convivência coletiva. “A escola é o ambiente em que são internalizadas essas normas”, frisa.

A lei e os contratos afirmam o que “pode” e o que “não pode ser feito”. Estabelecem relação de causa e consequência para adultos e para adolescentes. Não basta somente entender o limite teórico, é preciso saber “o que se pode fazer com isso”.

Para a especialista, o cyberbullying pode ter consequências jurídicas de diversas ordens, tanto no âmbito da reparação de danos, como no aspecto da legislação penal e proteção do ECA. “É a ação pedagógica que permite a reflexão quanto às ações a serem colocadas em prática”, enfatiza

Claudia acredita que trazer o tema em evidência, incluído de modo contínuo no planejamento pedagógico, tem auxiliado no enfrentamento deste problema. Ela tem percebido que as instituições de ensino vêm investindo nesta reflexão permanente, com ferramentas adicionais para a prevenção, explicando os seus porquês.

Ter apenas a presença de um profissional do Direito, que esclareça quais são as consequências concretas para quem descumpre as normas estabelecidas, não é o suficiente. “É fundamental que o educador seja parte ativa de um processo de reflexão sobre a base ética das condutas, pois o ambiente digital tem nos isolado enquanto seres humanos”, reforça.

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