Luz, câmera e ação para o cinema nacional nas escolas

Em alusão ao Dia do Cinema Brasileiro, o Educação em Pauta destaca as possibilidades em criar o hábito de assistir e aprender com os filmes produzidos no país

por: Eduardo Wolff | eduardo@padrinhoconteudo.com
imagem: AdobeStock

Celebrado em 19 de junho, o Dia do Cinema Brasileiro tem nessa data devido ao registro das primeiras imagens em movimento em território brasileiro, em 1898, pelas lentes do cinegrafista e diretor, Afonso Segreto. Após todos esses anos, muitas produções foram desenvolvidas, como também foram reconhecidas mundo afora, e muito pode se aprender sobre a cultura brasileira.

Nos últimos 20 anos, o cinema nacional vem marcando presença nos mercados internacionais, obtendo premiações em festivais pelo exterior. Um exemplo recente é o longa-metragem A Flor do Buriti, produzido pela brasileira Renée Nader Messora e pelo português João Salaviza, que foi premiado pelo tradicional e renomado Festival de Cannes 2023, na França. A obra retrata os últimos 80 anos de história dos Krahô, povo indígena que habita no norte do Tocantins.

Por mais que o cinema nacional seja valorizado pela crítica especializada, a distribuição dos filmes no circuito comercial segue sendo uma dificuldade histórica. Chegar às telas é um enorme desafio. Essa é a conclusão do crítico de cinema e atual presidente da Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (Accirs), Danilo Fantinel.

No entanto, o cenário é animador. Para 2023, a Agência Nacional do Cinema (Ancine) aponta um aumento da participação relativa dos filmes brasileiros no mercado, com a retomada dos grandes lançamentos nacionais, e o retorno do crescimento do parque exibidor, que se manteve em trajetória ascendente por 10 anos, até a eclosão da pandemia em 2020. 

Nesse contexto, Fantinel resgata que a produção de cinema nacional vem ganhando em qualidade e quantidade desde o início dos anos 2000 e a fase atual é promissora. Um fator que contribui é a Lei Paulo Gustavo, de 2022, que prevê o incentivo à produção audiovisual (e de produtos culturais de outras linguagens) em todo o Brasil. Em maio deste ano, a lei foi regulamentada, o que permite um maior investimento no setor. 

Para o presidente da Accirs, o cinema brasileiro é essencial para fazer parte da vida escolar, pois é uma ótima ferramenta de ensino e aprendizagem. Assim como é preciso universalizar o acesso à produção e à realização audiovisual. “Dessa forma, seria importante inserir ainda mais o audiovisual nas bases curriculares das escolas, algo que destacamos no Plano Setorial do Audiovisual, elaborado pelo Colegiado Setorial do Audiovisual do RS, órgão ligado à Secretaria de Estado da Cultura”, aponta. 

Soluções possíveis

Antes de tudo, o diretor, roteirista e produtor cinematográfico e professor do curso de Produção Audiovisual da UniRitter, Emiliano Cunha, destaca que o audiovisual é uma narrativa no mundo em que se habita. Logo, é importante quebrar barreiras para que os alunos se sintam mais próximos dos filmes, em especial, do cinema brasileiro. 

É necessário desmistificar tudo o que envolve essa arte. Para Cunha, a profissão de cineasta ainda envolve um certo glamour, no entanto, se crianças e jovens conseguirem ter um contato mais próximo com os profissionais da “sétima arte”, tudo se torna mais tangível. 

Criar parcerias entre as escolas e entidades envolvidas com a indústria audiovisual, como a Ancine e a Accirs, pode ser uma solução, pois podem atuar como facilitadores para que se tenha essa troca em sala de aula. “Os alunos poderão se enxergar como capazes e até produzir os seus filmes. Assim, podem mostrar as realidades em que vivem e apresentar, com orgulho, para seus colegas”, complementa.

Já o roteirista, diretor, professor e coordenador dos cursos de Realização Audiovisual e Produção Audiovisual da Unisinos, Vicente Nunes Moreno, lembra de uma ação realizada na França em que constituiu uma pequena videoteca padrão. O governo francês comprou direitos de filmes que julgavam relevantes, montaram uma coleção e distribuíram para as escolas de todo o país. 

Uma sugestão do especialista é a criação de um serviço de streaming nacional, em que o governo compre o direito de filmes e os disponibilize para as escolas. “Desta maneira, os professores podem utilizar em qualquer disciplina, seja em aulas de educação física, português ou matemática. Tudo é possível de se ensinar utilizando os filmes”, comenta.

Ele também acredita que é essencial o incentivo aos projetos audiovisuais dentro da educação básica. Assim como ocorre com peças de teatro, escrita de contos ou história de quadrinhos, também é possível realizar com o audiovisual. Por muito tempo, existia uma barreira por causa da tecnologia. Hoje em dia, com um celular e aplicativos, é possível filmar, editar e finalizar um curta-metragem. 

Para que isso se concretize, Moreno aponta a necessidade de qualificar os educadores em relação à linguagem e à alfabetização audiovisual. “Nas escolas em que entrei em contato, muitas possuem uma dependência de um professor que buscou formação nesta área. Desse jeito, fica centrado em uma pessoa”, relata.

Alfabetização audiovisual

No estudo Cinema e Educação: Pensando em uma proposta de ensino do Cinema Brasileiro, publicado na Revista Ecos, frisa que: “de nada adianta tornar obrigatória, no contexto escolar, a prática pedagógica de exibição de duas horas mensais de produção audiovisual brasileira, se não houver uma formação docente visando tal prática educacional, já que a construção do discurso fílmico se respalda em códigos  específicos de linguagem, o que implica na afirmação de que se faz necessário por parte dos docentes, o saber sobre tais códigos, para que a utilização de filmes nacionais no contexto educacional seja mais produtiva.”

Com o viés de qualificar as relações entre cinema e educação, o Programa de Alfabetização Audiovisual está disponível não somente para alunos, como também para educadores. A iniciativa é uma parceria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) ,com a Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa (Smcec), na Cinemateca Capitólio, em Porto Alegre. 

Com uma programação criteriosa com obras cinematográficas de vários países, em especial as do Brasil, a iniciativa atende tanto escolas públicas quanto privadas. Periodicamente, o programa oferta cursos de capacitação para professores, que são divulgados via Instagram e Facebook

Aos educadores, já foram oferecidos conhecimentos de linguagem, roteiro, montagem, história do cinema e sobre os gêneros cinematográficos. “Percebemos a necessidade de aumentar esse tipo de repertório entre os professores”, relata o assessor técnico da Cinemateca Capitólio e integrante da equipe de curadoria do Programa de Alfabetização Audiovisual, Marcus Mello.

Ele frisa que a iniciativa cria possibilidades para que o cinema se torne, de forma consistente, uma ferramenta pedagógica. “Um filme é uma experiência estética, que sensibiliza os espectadores. Como a música, o teatro e a literatura, o cinema é uma das artes que precisa estar mais presente no ambiente escolar”, salienta.

Clube de Cinema

Criado durante a pandemia, o Clube de Cinema, do Colégio João XXIII, começou totalmente virtual. Na oportunidade, os filmes eram voltados, principalmente, para a área de humanas. Os idealizadores são os professores Rogério Carriconde, que leciona História, e Roger Santos, de Geografia. 

A iniciativa ganhou tanta projeção que, atualmente, existe uma sala de cinema própria com projetor e ampla tela. Em 2023, estão inscritos mais de 20 alunos do 5º ao 9° ano do Ensino Fundamental. 

Para participar, os estudantes se inscrevem por interesse. As principais atividades são o debate e a análise de filmes e séries selecionadas pelos próprios alunos. Os jovens também estudam temas técnicos, como roteiro e direção. 

Esses conhecimentos adquiridos contribuíram para que alguns estudantes participassem do Festival do Minuto, que incentiva as produções de imagens em movimento de até 60 minutos, de amadores e profissionais. O destaque fica por conta do curta-metragem O Pôr, do aluno Lucas Lima Leite de Castro, que foi selecionado. Aliás, o jovem, que está no terceiro ano do Ensino Médio do Colégio João XXIII, fará vestibular para a graduação de audiovisual.

Para esse ano, o período semanal do Clube de Cinema é de 50 minutos. Funciona assim: os alunos assistem o filme em casa e, durante a aula, fazem um debate em meio a exibição de trechos da película. 

Carriconde comenta que esta iniciativa visa valorizar o cinema nacional. “Estimulamos os estudantes a pesquisarem e apresentarem o que assistiram. Houve uma aula em que abordaram o Cinema Novo, do diretor Glauber Rocha”, recorda.

Além de assistir as obras cinematográficas, o Clube de Cinema também promove palestras com cineastas gaúchos, como foi o caso de Carlos Gerbase. “Apresentamos curtas como Ilha das Flores, Barbosa, O Dia em que Dorival encarou a Guarda, sempre acompanhados de debates”, pontua.

Para as próximas ações, o professor de História do Colégio destaca que haverá um ciclo de curtas para que os alunos consigam entender com mais propriedade a produção deste tipo de filme. “Posteriormente, faremos uma saída a algum cinema. Serão duas saídas no ano”, projeta.
E o gran finale não termina por aí. Haverá um ciclo de ficção científica que abordará técnicas cinematográficas, análise de roteiros, entre outros conteúdos. Um dos filmes a ser observado é Saneamento Básico, do cineasta Jorge Furtado.

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