A importância das normas de convivência para o bem-estar da escola

Com a proposta de promover um ambiente positivo, ao elaborar direitos e deveres dos estudantes, especialistas apontam ações proativas, bem como os cuidados pedagógicos e jurídicos necessários

por: Eduardo Wolff | eduardo@padrinhoconteudo.com
imagem: Freepik

Prevenir comportamentos inadequados, além de desenvolver um ambiente escolar sadio, de acolhimento. Essas são algumas das razões para que escolas incluam no seu regimento escolar as normas pedagógicas de convivência. 

“O regimento escolar é, por assim dizer, a primeira norma jurídica voltada ao estudante, justamente como um exercício para a vida em sociedade, quando ele estará determinado pela legislação aplicável, tanto no aspecto civil, penal ou pelas normas de conduta de outros espaços sociais”

Claudia Bressler, advogada e especialista em direito digital

Conforme sinaliza a especialista em Legislação Educacional e conselheira do Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul (CEEd-RS), Sônia Veríssimo, o regimento escolar é o documento que define a organização e o funcionamento do estabelecimento de ensino, descrevendo e orientando a comunidade escolar. “É uma espécie de contrato social em que as relações entre os atores do cenário escolar desenham os caracteres das personagens e define papéis. É a tradução legal de tudo aquilo que o projeto pedagógico descreveu, esclareceu, definiu e fixou”, frisa, de acordo com a orientação da norma do Conselho.

O estudante, ao conviver com seus colegas e com os profissionais da escola, deve assumir seu papel de pertencimento ao grupo, estabelecendo relações sadias e criando vínculos. O aluno precisa aprender, por meio da ação educativa, a assumir e reparar as consequências dos seus atos de desrespeito às regras, pois cada regra corresponde uma sanção, não se constituindo em punição, mas, responsabilização. “Educar exige respeito mútuo”, pontua.

Sônia destaca que as normas devem ser construídas de forma participativa e de conhecimento de toda a comunidade escolar, estando alicerçadas nos princípios da instituição de ensino. As regras são facilmente respeitadas quando os estudantes participam da sua elaboração. Assim, ao serem estabelecidas as normas de convivência, também deve ser registrado o que é vedado ao aluno e as ações disciplinares oriundas do descumprimento dessas normas, seja de caráter individual ou coletivo.

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Proatividade para um ambiente positivo

Além de normas, é importante realizar ações para constituir uma atmosfera positiva no ambiente escolar. Para isso, o professor e pesquisador da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da PUCRS, Wagner de Lara Machado, acredita que é necessário auxiliar os estudantes a conhecer suas virtudes e qualidades, e ajudá-los e encorajá-los a utilizar essas características na escola. “É preciso incentivar a se conectarem com seus colegas, contribuindo também para o respeito para com a diversidade”, salienta.

Por ser coordenador do Grupo de Pesquisa Avaliação em Bem-estar e Saúde Mental da universidade, Machado sinaliza que reconhecer o melhor em si e nos outros, gera segurança e acolhimento. Logo, é preciso ajudar os estudantes a definir metas e planos de ação em temas que lhes sejam motivadores. “Isso melhora a percepção de eficácia dos alunos. Isto é, suas ações geram resultados esperados”, destaca.

A eficácia e agir de forma intencional geram autocontrole e autoconfiança por parte dos estudantes para regular suas emoções, comportamentos, e lidar com adversidades no contexto escolar. “Promover essas habilidades permite predizer o bem-estar e o desempenho acadêmico tão bem quanto habilidades cognitivas mais tradicionais, como vocabulário e habilidade matemática”, reforça.

Outra ação propositiva, segundo Sônia, é a busca da cultura da paz, caracterizada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Esta é baseada em um conjunto de valores e compromissos com o respeito a todos os direitos individuais e humanos, preconizando a promoção e vivência do direito à vida e à dignidade de cada pessoa, sem discriminação ou preconceito, e rejeita qualquer forma de violência. 

Também está associada ao respeito à liberdade de expressão e à diversidade cultural por meio do diálogo e da compreensão, à prática do consumo responsável respeitando-se todas as formas de vida do planeta e à resolução dos conflitos por meio do diálogo, da negociação e da mediação. 

Gestão escolar

A gestão da escola deve oportunizar vivências que favoreçam o desenvolvimento de princípios éticos, estéticos e sociais. A tomada de decisão, por parte do gestor, a respeito do descumprimento das normas, deve ser oriundo de atos de indisciplina devidamente registrados, com a ciência da família. É importante que os princípios estabelecidos sejam claros a respeito da integridade física e moral dos estudantes, em relação à perturbação do ambiente escolar, o desrespeito ao professor ou equipe administrativa e pedagógica e/ou ao patrimônio da instituição.

A família precisa conhecer as normas de convivência que estão no Regimento Escolar ao realizar a matrícula, já que a sua efetivação implica no aceite das regras e no seu comprometimento para que elas sejam cumpridas. “A Direção deve deixar claro que o regimento está à disposição para conhecimento e explicações pertinentes. Não é preciso entregar cópia, mas, efetivamente, deve ficar sempre à disposição dos alunos e de seus responsáveis”, ressalta.

O principal objetivo dessas normas é a construção de um processo educativo, cujo conteúdo está ancorado na convivência comunitária participativa e responsável, promotora da cidadania emancipatória. “A formação em serviço dos docentes e o seu empoderamento, revestido de uma postura propositiva, é de fundamental importância. As mantenedoras e direções de escolas devem, necessariamente, assegurar as condições para que tal aconteça”, salienta.

Para Sônia, as escolas devem conjugar esforços com as diversas instâncias de representação comunitária. Tanto aquelas de âmbito interno, como conselhos escolares, grêmios estudantis, associações de pais e mestres ou círculos de pais e mestres; como aquelas que as circundam, como associações de moradores e clubes de serviços. É importante incentivar a participação dos pais ou responsáveis no dia a dia escolar, dialogando permanente e intensamente com os mesmos.

Além disso, é preciso desenvolver um trabalho em rede com as instituições e organismos públicos que compõem o sistema de garantias aos direitos da infância e da juventude, tratando e trabalhando as normas de convivência dentro de uma visão eminentemente pedagógica e não como um mero sistema de castigos ou sanções. 

Em situações de risco (que possam envolver porte ou consumo de substâncias psicoativas ilícitas, porte de armas e indícios ou constatação de violência, maus tratos, por exemplo), de imediato, a Direção da escola deve notificar, e, se for o caso, requisitar a presença da autoridade competente. Para esses casos, é possível acionar a Brigada Militar, o Conselho Tutelar, o Departamento Estadual da Criança e do Adolescente, o Ministério Público ou a Polícia Civil

Cuidados jurídicos

A elaboração de um regimento escolar deve observar as disposições legais vigentes, devendo preservar os princípios constitucionais e a legislação de ensino. “O regimento escolar é, por assim dizer, a primeira norma jurídica voltada ao estudante, justamente como um exercício para a vida em sociedade, quando ele estará determinado pela legislação aplicável, tanto no aspecto civil, penal ou pelas normas de conduta de outros espaços sociais”, comenta a advogada e especialista em direito digital, Claudia Bressler.

Alguns cuidados precisam ser observados em sua elaboração, especialmente no que diz respeito à aplicação de penalidades, pois a Constituição Federal estabelece o direito à ampla defesa das pessoas envolvidas. “Assim, diante de conduta que, segundo o regimento escolar, estabeleça a fixação de penalidade, o gestor deve garantir essa prerrogativa legal”, comenta.

De regra, quando há eventual discussão judicial sobre penalidade aplicada no âmbito escolar, o Judiciário não interfere no mérito da decisão (seu conteúdo ou consequência), mas analisa o cumprimento dos pressupostos constitucionais quanto aos princípios da ampla defesa e do contraditório. Se a possibilidade de defesa não estiver demonstrada, pode ser determinada a nulidade do procedimento que resultou na aplicação da penalidade.

Outro aspecto que requer cuidado especial é em relação à presença dos equipamentos digitais dentro da escola, como instrumentos que abrem as portas para alunos estarem em “outros espaços virtuais”, mesmo estando dentro e sob a responsabilidade da escola. “O estudante pode estar presente no colégio, no entanto trafega por espaços virtuais realizando ações que podem ser extremamente inocentes, assim como podem resultar em atos graves, que descumprem a legislação vigente”, exemplifica.

Claudia reforça que colocar o tema da presença digital no regimento escolar é fazer frente à atualização da proposta pedagógica, da revisão de direitos e deveres, bem como outros desdobramentos da gestão escolar. “Sem esquecer que para fora dos limites da gestão escolar, é a legislação brasileira que se aplica a alunos, professores, famílias e gestores”, conclui.

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