Nada substitui o papel do professor na alfabetização

Formação do corpo docente e atividades de leitura efetiva em sala de aula estão entre os pontos mais importantes apontados por especialistas

por: Pedro Pereira | pedro@padrinhoconteudo.com
imagem: FreePik

O tempo passa, as ferramentas mudam, metodologias são experimentadas, mas nada tira – ou deveria tirar – o protagonismo do professor na sala de aula. Quando se fala em alfabetização, mais ainda: o educador é quem faz a mediação nesse processo e ajuda nos primeiros passos. Para isso, precisa estar atualizado, motivado e preparado.

Ainda que o ensino privado viva um cenário melhor, não se pode ignorar que a alfabetização no Brasil é um gargalo desde sempre. Seja o analfabetismo propriamente dito, que há menos de um século era percebido em mais de metade da população, seja o analfabetismo funcional, que faz com que as pessoas reúnam letras e sílabas, compreendam palavras, mas não consigam interpretar textos.

“Observa-se que onde se tem baixos índices de analfabetismo, maior é a qualidade de vida dos lugares. Não falo de desenvolvimento econômico, apenas, mas de qualidade de vida em um sentido mais completo”, pontua a especialista em Educação Cybele Amado de Oliveira. Ela tem experiência com alfabetização nos âmbitos público e privado, em diferentes regiões do Brasil. “Como diria o pessoal do interior, da roça, onde existe o mundo das palavras, da escrita, em uma sociedade que é assim, quando não se tem isso a gente está excluído”, conta.

O Brasil, no entanto, nunca ignorou a questão. O problema talvez seja a falta de um norte para essa política, já que, a exemplo de quase tudo, cada governo tenta imprimir seu próprio selo em uma solução que, no fim das contas, não chega. Depois de uma mudança drástica no processo de alfabetização no governo anterior, que insistia no método fônico, em 12 de junho o Ministério da Educação (MEC) lançou uma nova cartilha.

Para a poeta e escritora Maria R. L. Mortatti, presidente emérita da Associação Brasileira de Alfabetização (ABAlf), criança alfabetizada é aquela que aprende a ler e escrever na sua língua materna. “Saber letra ou sílaba não é saber ler”, ressalta Mortatti, que é professora titular na Universidade Estadual Paulista (UNESP), licenciada em Letras, mestre e doutora em Educação e livre-docente em Alfabetização

Segundo ela, não é uma questão de método que alfabetiza. No entanto, algumas premissas são importantes. Primeiro, as crianças têm que ler para aprender a ler. Uma criança não está autorizada a fazê-lo apenas depois que aprendeu. “Não existe método que dê conta de ensinar a ler sem a leitura em si. Alfabetizar é ensinar a ler e escrever, e se ensina lendo e escrevendo. Muitos professores dizem que não podem ensinar a ler porque o aluno não sabe ler. É um paradoxo, porque a gente só ensina para quem não sabe”, acredita.

A segunda premissa é que ensinar a ler é ler junto, para que a criança possa cumprir a tarefa sozinha, mais tarde. É ser professor, respeitando o ritmo e o interesse da criança, mas ofertando material de leitura de qualidade. Mortatti defende que esse processo começa pelo que Paulo Freire chamava de “leitura do mundo”. 

“Deve ter relação com o que é vivência da criança, mas ampliar o mundo do mundo dela para o mundo da palavra, que é universal. Sai do âmbito restrito para ampliar referenciais de mundo e de vida. Não existe aprendizado sem ensino, o que coloca a figura do professor como central nesse processo. A criança não aprende sozinha. Nada dispensa o lugar, a função do professor que ensina a ler e escrever”, sustenta. Alfabetizar, portanto, não é uma questão de método – o que não significa que não se deva tê-lo. Mas não é o método que alfabetiza. É uma filosofia, uma compreensão da leitura e da escrita.

Formação requer atenção

Assunto recorrente quando se fala no desenvolvimento da Educação, a formação continuada também aparece entre os especialistas em alfabetização. Para a doutora em Educação Patrícia Camini, coordenadora do Laboratório de Alfabetização (LÁPIS), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), as habilidades de leitura e escrita se tornaram muito mais complexas com o passar do tempo. No entanto, o currículo dos cursos de Pedagogia precisa avançar muito para priorizar a formação para a alfabetização.

“Muitos são formados em cursos a distância, distantes da sala de aula. Faz falta uma residência docente, para que o profissional já formado tenha acompanhamento em um prazo de fixação, com apoio bem de perto de um colega mais experiente”, defende Camini. Segundo ela, muitas vezes o professor precisa se focar em outras questões, como a gestão da sala de aula e não consegue se dedicar ao desenvolvimento da alfabetização. “Eles ainda buscam habilidades básicas, como ter a atenção da turma. E as famílias aprenderam a demandar ensino personalizado. Então, precisa desse desenvolvimento no ambiente profissional do professor”, contextualiza.

Educação Infantil

Outro ponto que requer atenção, para Camini, é a pactuação com o trabalho feito na Educação Infantil (EI). Segundo ela, é preciso avançar na definição do que é específico da EI, em um debate técnico. “O professor precisa conhecer muito bem esse objeto para entender que boa parte das crianças não vão aprender só por ter oportunidades de conviver com a escrita, o que a EI já faz muito bem”, afirma. 

Além das atividades que já desempenha muito bem, como as práticas de leitura, textos literários e informativos, a EI deve oportunizar que as crianças brinquem com jogos que façam relação entre grafemas e fonemas, reconheçam um repertório de letras também pelo nome, embora não seja um pré-requisito. O papel do professor, mais uma vez, continua central: não basta o material, é ele quem interroga para saber características desse sistema de escrita alfabética, estimulando os alunos.

“Quando chega ao Ensino Fundamental, a criança gasta uma energia imensa para fazer a transição para esse novo ambiente. No primeiro ano entra caderno e livro didático. Precisa ser organizada essa progressão, considerando as necessidades da infância e do objeto de conhecimento da alfabetização. A alfabetização também requer um dispêndio de energia cognitiva e emocional muito grande, então é preciso pactuar essa alfabetização para que faça sentido desde os quatro anos”, defende Camini.

Tecnologia

Cada vez mais presente na vida das crianças, o aparato tecnológico que permeia o dia a dia e as relações interpessoais chega à sala de aula, de uma forma ou de outra. Cybele lembra que países desenvolvidos, como Finlândia e Suécia, tiveram experiência com o uso de tecnologia em sala de aula e recomendam que se dê preferência ao analógico durante a alfabetização.

“Sempre digo que ela precisa estar a serviço da aprendizagem, e não o contrário. Quando a aprendizagem está a serviço da tecnologia, perde completamente sua função. Esses países consideram que esse universo vai ocupando atividades que não devem estar no uso da tecnologia, transformando as crianças, que começam a não ter capacidade de reflexão, não estão pensando a escrita, se comunicando com o outro. Vão perdendo, inclusive, sua capacidade criativa”, alerta a especialista.

Camini vê que equilíbrio e moderação são fundamentais nessa relação. “Preciso trabalhar com as oportunidades que as tecnologias oferecem”, acredita. “Ao mesmo tempo que preciso interpretar e entender como ela funciona, preciso ir desenvolvendo leitura e escrita. O professor precisa também ter habilidades no uso dessas plataformas”, defende. 

Assim, o educador não será um mero consumidor dessas plataformas, mas as investigará, de forma que perceba soluções para problemas de sala de aula a partir delas. Já a moderação fica por conta da carga de informação que os alunos podem acabar recebendo. Como já utilizam muito as telas fora da escola, dentro dela, é preciso comedimento.

“Estamos aprendendo a ver o que é estímulo necessário e como se desconectar um pouco das telas, para se conectar com as pessoas. Mas podemos desfrutar das potencialidades, o digital oferece feedback imediato e personalizado, coisa que o professor demora muito mais para fazer. E dá um relatório para o professor de como foi aquela turma, o tempo de resposta, onde estão os problemas de aprendizagem. Mas precisa conseguir equilibrar para não ser mais sobrecarga, com excesso de uso de telas em casa e na sala de aula. É uma geração digital”, conclui Camini.

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