Inteligência artificial é uma aliada sob medida para a educação
Diretor da Lyceum Educacional, Fabio Cespi defende que a inteligência artificial (IA) pode ser grande aliada do processo ensino-aprendizagem, especialmente as metodologias ágeis
Um episódio curioso ocorreu em Nova York, no início de 2023: o Departamento de Educação da cidade bloqueou o acesso ao ChatGPT em todos os dispositivos e redes escolares ligadas ao órgão. A justificativa seriam os impactos negativos da ferramenta no aprendizado dos alunos, na segurança e na precisão do conteúdo. A decisão foi criticada por especialistas em educação. Afinal, não seria uma questão de proibir um dispositivo tecnológico, mas rever as práticas na sala de aula, atualizar professores e encarar os desafios que a inteligência artificial (AI) apresenta para a educação.
É o que o professor Fabio Cespi, diretor da Divisão de Educação da Lyceum Educacional, acredita. Em sua avaliação, a IA é uma aliada sob medida para metodologias ativas aplicadas em sala de aula. O modelo de trabalho baseado em projetos, por exemplo, nasceu dentro de empresas de tecnologia e foi adaptado para outros segmentos do mercado, como o de educação.
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Segundo ele, essa abordagem prioriza a multidisciplinariedade em sala de aula, onde crianças, adolescentes e adultos podem aplicar tudo o que aprendem nas aulas teóricas em projetos reais. O processo de planejamento, análise, pesquisa e feedback pode ser subsidiado por tecnologias baseadas em IA, tornando o trabalho mais ágil e divertido.
“Para as gerações que estão vindo, temos de ter ferramentas tecnológicas. Se nós não conseguirmos acelerar, não conseguimos preparar as pessoas para o que elas vão encontrar na vida prática”, adverte Cespi.
A adoção dessas ferramentas – e mesmo das metodologias ágeis – ainda causa desconforto em muitos professores. Mas Cespi avalia que é o desconhecimento que gera medo, é que é preciso encarar esse entrave de frente.
“O professor tem que encarar e aprender a usar a ferramenta e saber da sua potencialidade e não ver como um bicho de sete cabeças ou algo que vai tirar seu trabalho. Há vários cursos, inclusive gratuitos, em que eles podem entender a que cada ferramenta se propõe”, orienta.
Cespi é engenheiro formado pela Escola Politécnica da USP com MBA em Gestão de Negócios Internacionais pela FIA – Fundação Instituto de Administração. Participou e conduziu inúmeros Projetos de Sistemas de Informação nas áreas Administrativa, Financeira, Recursos Humanos, Saúde e Educação. Na Área Educacional, apoia o desenvolvimento de Instituições de Ensino através de Soluções Tecnológicas Inovadoras, combinadas com o profundo conhecimento de Legislação e dos Processos de Gestão adquiridos ao longo dos anos. Ao Educação em Pauta, Cespi falou um pouco mais sobre os caminhos cruzados da escola e da tecnologia. Confira:
Educação em Pauta – Como a tecnologia se entrelaça com a educação?
Cespi – A tecnologia possibilita, por exemplo, a infraestrutura. A tecnologia permite que o aluno tenha formas de se matricular e também permite que se faça a parte administrativa. A tecnologia entra na forma de conhecimento, ajudando na forma como esse conhecimento é transmitido para o aluno. Então, o aluno pode cursar várias unidades curriculares, várias disciplinas, com conteúdos que já estejam em parte prontos, conteúdos pré-formatados ou atividades que complementam as suas necessidades de forma digital, baseadas totalmente em tecnologia. E agora, por fim, o que acontece? A gente está na era da inteligência artificial. Uma das grandes benesses dela é conseguir analisar uma série de dados de maneira ágil, rápida e tirar insights. Então, a tecnologia pode ajudar o aluno na escolha da sua carreira, ela indica a ele, baseado em habilidades e competências que ele quer ter, quais são as unidades para aquela formação, quais são as habilidades que ele tem de ter. Em suma, a tecnologia está por toda parte, está na parte administrativa, de infraestrutura, está na parte pedagógica, está na parte de orientação. Agora estão surgindo robôs, bots que ajudam o aluno na aprendizagem, que fixam conhecimento, que auxiliam de alguma forma os alunos e os professores a ter mais produtividade, que automatizam tarefas manuais que eles fazem no dia a dia.
Educação em Pauta – Como essas ferramentas de IA são aplicadas no processo ensino-aprendizagem?
Cespi – Vou dar dois exemplos. Uma das metodologias ativas é a aprendizagem baseada em projetos. Então, como funciona? O estudante é encorajado a desenvolver um projeto durante o curso, e esse projeto tem tudo que um projeto normal da indústria tem. Ele adquire os conhecimentos, tem que pesquisar, tem que construir todo o conhecimento com base no objetivo final. Esses projetos podem ter metodologias de construção, inclusive ativas, com controle de cronogramas e com controle de interação. Existem ferramentas no mercado, como a DreamShape, por exemplo, que é um fabricante que faz ferramentas exatamente para isso, para fazer com que os alunos se dividam em grupos e construam e acompanhem esses projetos no decorrer do curso. Então, essa atividade prática faz com que os alunos despertem curiosidade e que eles vão adquirindo conhecimento não de uma forma transmitida, mas de uma forma construída, em que ele constrói, com base num objetivo. Esse projeto é o seu desenvolvimento. Então, aí entram ferramentas de controle, por exemplo, de cronogramas, de entregáveis, de kanban, como tem na indústria, em que você vai colocando e priorizando as coisas, tipo o Trello, por exemplo. Ferramentas de comunicação, como o Slack, por exemplo, que é uma ferramenta de integração em que os estudantes vão colocando as suas questões e as suas atividades. Atividades em que o professor e o grupo interagem, e o projeto vai sendo desenvolvido.
Educação em Pauta – Não há risco de os estudantes desvirtuarem o uso da ferramenta, praticando plágio ou deixando para a IA fazer o trabalho por ele?
Cespi – É bom frisar também que a tecnologia provê ferramentas capazes de detectar trabalhos feitos por IA ou plagiados. A forma como são construídas as frases, alguns erros… Mas o erro principal está no início. O professor não deveria dar trabalhos para o aluno que pudessem ser feitos dessa forma. É como o aluno ter uma calculadora e você perguntar para ele quanto é 1+1. Ele vai saber, mas se ele está com a calculadora, ele vai calcular. O trabalho proposto precisa exigir mais do estudante, exigir construção, pesquisa, senso crítico.
Educação em Pauta – Qual o papel do professor diante dessa tecnologia?
Cespi – O novo papel do professor não é simplesmente mandar o aluno fazer um trabalho gerado por uma ferramenta de IA. Tem que mudar o mindset do professor para que ele seja muito mais um orientador. O professor tem um papel muito mais nobre aqui do que ler o trabalho e fazer apontamentos. Ele tem de ver o trabalho do aluno com criticidade, apontando sobre o que funciona ou não, ver pontos que talvez ele não veria.
Para começar, o professor tem que encarar, aprender a ferramenta e saber da sua potencialidade, e não ver como um bicho de sete cabeças ou algo que vai tirar seu trabalho. Há vários cursos, inclusive gratuitos, em que eles podem entender a que cada ferramenta se propõe. Também há a questão da metodologia. Propor trabalhos para o aluno que são baseados só no conhecimento, no conteúdo, já há algum tempo não é tão importante assim. Porque o conhecimento está por aí. No próprio Google se encontra muita coisa pronta para decoreba. Ninguém contrata o professor só porque ele sabe informações que estão disponíveis na internet. O profissional que o mercado quer é o que seja capaz de juntar conhecimentos, usar as ferramentas, de ter opinião e raciocínio crítico para casos mais práticos, não para decoreba.
Educação em Pauta – Qual o principal desafio das escolas diante dessas novas tecnologias?
Cespi – A mudança de mindset. Não adianta a escola comprar as ferramentas tecnológicas e não colocar projetos em prática. Usando o mesmo exemplo da calculadora: não adianta você comprar uma calculadora que ela não vai construir um prédio. Você tem que ter um projeto e tem que ensinar. Então, a tecnologia é uma ferramenta, não é ela que vai resolver o problema da educação. Por enquanto. Talvez um dia resolva, mas por enquanto, não. Então, vemos resistência, vemos o medo de professores que falam “mas a inteligência artificial vai tirar o meu trabalho”. Esse é o ponto que temos de desmistificar. As escolas estão procurando ferramentas, estudando. Se você olha, por exemplo, a Educação Superior, você vê que hoje os alunos preferem estudar online, não só porque é mais barato, mas porque eles têm outros costumes. Você pega a Educação Básica, vê que a garotada não tem paciência para ficar duas horas com o professor na frente falando, não é? E nós, mais velhos, ficávamos. Na graduação, eu tinha aula aos sábados das 7h às 12h. Hoje isso é impensável. O garoto coloca o vídeo no YouTube, ouve o áudio na velocidade 2x, fazendo dez coisas ao mesmo tempo. Isso é pedagogicamente correto? Não, mas o que estou questionando é a forma de engajar esse pessoal. Para as gerações que estão vindo, temos de ter ferramentas tecnológicas. Se nós não conseguimos acelerar, não conseguimos preparar as pessoas para o que elas vão encontrar na vida prática. Até um, dois anos atrás, para qualquer trabalho era pré-requisito saber ferramentas Office, trabalhar uma planilha Excel. Hoje, fazemos contratações no Lyceum em que o pré-requisito é ter conhecimentos básicos de inteligência artificial. Queremos pessoas que já saibam utilizá-la. Eu penso que as escolas têm que formar profissionais que sejam muito alinhados com aquilo que o mercado e que a vida esperam, e hoje a vida espera que a pessoa venha com essas formações habilidades e competências básicas.
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