Os desafios e as oportunidades da inteligência artificial na Educação

Embora recente, a Inteligência Artificial (IA) ganhou força rapidamente em todo o mundo, com plataformas de utilização relativamente simples e aplicações variadas. Isso despertou o interesse de indústrias, como a da publicidade, mas também colocou a alguns cliques e linhas de comando dos jovens uma ferramenta que pode ser tão útil quanto perigosa. Assim, configura mais uma tendência (irreversível) a que os educadores precisam estar muito atentos.

A tendência é que a IA se torne cada vez mais presente – e potente na Educação. Segundo o professor do Instituto de Ciências Matemáticas e da Computação da Universidade de São Paulo (ICMC–USP) Fernando Santos Osório, a bola de neve está esfumaçada devido à velocidade com que a tecnologia avança. De certa forma, ele acredita que o que existe neste momento é um foco até exagerado na IA generativa, que é utilizada para criar conteúdo em diferentes formatos de mídia.

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“Já passamos a primeira onda do ChatGPT e, agora, temos muitas ferramentas de geração de imagens, vídeos, músicas e até mesmo de falas a partir do prompt, com o problema dos fakes também”, lembra Osório. O prompt é o descritivo para execução de uma tarefa por parte da IA, uma competência que começa a ser exigida de quem pretende entender minimamente como essa tecnologia funciona. Ou seja: educadores passam a ter mais uma coisa com que se preocupar em aprender.

Na sala de aula

A IA deve ser vista como mais uma ferramenta à disposição no processo de aprendizagem. O professor, neste caso, continua sendo o condutor do processo. É preciso ensinar a criança ou adolescente que sim, é possível fazer redação utilizando IA, mas ela tem responsabilidade sobre o resultado. “O piloto é o ser humano e o copiloto pode ser a IA. Tenho seguido a diretriz de jamais dizer que o autor foi a IA. No momento em que assume a autoria, você é responsável por aquele conteúdo, teve de revisá-lo e o assina”, defende Osório.

O aluno é quem escolhe a ferramenta e, portanto, é o responsável pelo resultado final do trabalho. A grande mensagem para os professores, segundo o especialista, é que se chegar na aula, mandar pesquisar o conteúdo no ChatGPT e der as costas, será o fim do mundo. O mais indicado é acompanhar os alunos e questionar os resultados trazidos, ensinando a buscar as boas referências.

Trazer para as atividades em sala de aula, em vez de banir o uso, é uma das tentativas do professor de computação da Escola Politécnica da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Michael da Costa Móra. “Além de explicar o raciocínio crítico, a ideia é fazer atividades diferentes. Uma colega construiu prompts em que o ChatGPT tinha de explicar alguns conteúdos e várias respostas saíram tortas. Então, ela levou isso para analisar com os alunos e os pediu para buscar explicações melhores, desenvolvendo análise crítica do que é gerado. Outra atividade pede para que os estudantes criem um texto a partir de uma semente que o ChatGPT oferece, apenas um tópico”, exemplifica.

Ainda que a ferramenta mais popular de IA generativa traga respostas equivocadas em muitos casos, ela também é bastante útil quando bem empregada. Em atividades complexas de programação, segundo Michael, o ChatGPT é capaz de oferecer explicações instantâneas sobre determinados comandos. “É muito mais para interação, debate, quase um assistente, do que alguém que me dá respostas. Se a gente consegue trazer clareza para essa mentalidade, aumenta a produtividade e começa a ser muito interessante”, sustenta. 

Tendências

LLM: uma sigla ainda pouco conhecida, mas que está por trás das principais novidades em IA. Deriva da expressão Large Language Model (Grande Modelo de Linguagem, em inglês) e se refere a um modelo de aprendizado de máquina (machine learning, outro termo cada vez mais presente). Esse código é “treinado” para aprender a partir de robustas bases de dados e entregar respostas que se assemelham, em forma e conteúdo, ao que um humano traria – e de forma instantânea.

Assim são os chatbots (robôs de conversação, utilizados em plataformas de atendimento automatizado, por exemplo) e o próprio ChatGPT. Isto está posto. O grande desafio, agora, é mostrar aos estudantes como lidar com essa nova geração de ferramentas da forma mais correta e produtiva possível.

“Quando, por exemplo, se passa um trabalho, o estudante pega o enunciado e pede a resposta para a IA. Copia, cola e entrega. O efeito pedagógico disso é nenhum – além dos riscos. A gente está acostumado com busca do Google, que geralmente volta com uma resposta. A IA generativa não é de recuperar informação, mas de generalização: ela gera um texto que tenha probabilidade de estar relacionado com a busca, mas muitas vezes vem errado. Se pedir a lista de prêmios Nobel do Brasil, ela vai gerar uma relação de 10 ou 12 nomes, mas não existe nenhum”, contextualiza Michael.

No entanto, ele ressalta que isso não quer dizer que a IA deva ser desprezada. Essas ferramentas agregam muito valor em tarefas como checagem de resultados, debates sobre textos gerados, estímulo ao raciocínio crítico. O professor pode, por exemplo, pedir para os alunos reunirem os diferentes resultados encontrados para discutir e analisar essas respostas, encontrando o que faz sentido e tem fundamentação na verdade e o que é falso ou confuso.

“A discussão sobre proibir ou não o uso é inócua. Quando surgiu o Google, todo mundo dizia que procurar a resposta na internet tiraria o raciocínio crítico e não foi assim. Volta o conceito de formação integral para a conversa. Seja o nível de educação que for, tem de ser integral. Não só uma formação técnica, mas também ensinar ética, comportamento”, defende Michael.

Deepnude

Assunto que vem tirando o sono de pais e educadores, o deepnude consiste na utilização de IA generativa para criar imagens de colegas de classe ou de escola – geralmente adolescentes – com apelo sexual. “Nós, profissionais de educação, já temos uma dificuldade enorme mesmo sem essas ferramentas, em pontos como decidir o que é bullying, como punir, educar quem é alvo e quem não é”, alerta Michael.

A solução, se é que existe algo definitivo, recai novamente sobre o conceito de formação integral. Educar para que os jovens façam o uso mais ético possível dessas ferramentas, em uma lição mais elementar do que a técnica propriamente dita. “Um passo atrás, o que fazia era disseminar fotos editadas. Agora, vídeos realistas. O problema ainda é o mesmo, mas se potencializa. A questão é como mostrar que isso não se faz, como lidar com essa situação toda”, afirma.

“Esse assunto é muito grave e inquietante”, continua o professor Osório. “Ocorre com celebridades, mas ocorre também nas escolas, infelizmente”. Ele sugere que a questão seja abordada, primeiramente, deixando evidente para as crianças e adolescentes que o que parece uma brincadeira pode ser muito grave e até considerado crime, implicando em punições severas – judiciais e da própria escola.

“Estamos falando aqui, novamente, de responsabilidade, de ética e de uso adequado das ferramentas de Inteligência Artificial. Os alunos devem saber que é possível ‘rastrear’ a origem das imagens, podendo chegar ao responsável pela criação, mas também aos seus ‘cúmplices’ que participaram da difusão e divulgação das imagens. Os alunos devem saber que vão responder pelos seus atos. Isso tem que ser ensinado às crianças, faz parte da educação, saber conviver em sociedade, conhecer as regras, saber sobre a responsabilidade dos seus atos, e saber que pode ser punido severamente por atos assim”, acredita Osório.

As possibilidades de aplicação e as responsabilidades consequentemente envolvidas são infinitas, uma vez que novas plataformas e funcionalidades são criadas diariamente. Resta às instituições promover a formação continuada do corpo docente, a fim de se familiarizar com a ferramenta, usar da maneira correta, desenvolver o senso crítico dos estudantes e agregar como mais um suporte na formação integral desses alunos. “Não dá para usar sem estudar formas de fazer prompts que deem resultados diferentes. O professor tem de estar familiarizado com isso. A formação e a atualização vão ter de incluir esses elementos, cada vez mais. Um manancial de ferramentas específicas surge todo dia”, conclui Michael.

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