Como ajudar os estudantes a lidarem com a ansiedade
Educadores são importantes para ajudar a manter a concentração e o foco em períodos de provas e diante de eventos desafiadores, como as enchentes
É natural que momentos desafiadores mexam com as emoções e o equilíbrio psicológico de qualquer pessoa. No entanto, é preciso avançar um pouco para compreender algumas questões e, assim, lidar com cada situação. Primeiro, entender se um momento é realmente desafiador e suas eventuais consequências. Depois, estar ciente de que a ansiedade atua, primordialmente, como uma defesa, antes de ser um problema.
Nas instituições de ensino, os períodos mais críticos de ansiedade são as épocas de avaliação. Embora se tenha avançado muito na forma de mensurar o aprendizado, até para acompanhar a formação integral que se deseja oferecer aos estudantes, ainda é comum haver semanas com testes em sequência. Não deixa de ser mais uma preparação para o mundo lá fora. nos últimos dias, um fator a mais também tem contribuído: a enchente que atingiu o Rio Grande do Sul no começo de maio e afetou a rotina dos gaúchos e também das escolas.
Para a ex-diretora global de Educação do Banco Mundial Claudia Costin, a ansiedade pode aparecer em qualquer situação muito esperada por crianças e adolescentes – seja no esporte, no teatro ou na escola. Se bem compreendida, ela pode servir para mobilizar, sem ser disfuncional.
“O erro é um elemento importante no processo de aprendizagem. Por isso, é decisivo que os professores, na formação inicial ou no desenvolvimento profissional, consigam transmitir e mostrar para o aluno que é natural ficar um pouco tenso, que o erro não é uma tragédia”, entende Claudia, que também é presidente do Instituto Singularidades, que atua na formação de professores.
Um dos caminhos para chegar a isso é compartilhar com os alunos momentos em que o próprio professor ficou ansioso, como ao dar as primeiras aulas, sendo novato, o que também faz parte. A partir daí, podem refletir e compartilhar com os estudantes como lidou com a pressão para que não o paralisasse e, aproveitando, explicar como a organização do estudo para as provas pode aplacar essa ansiedade, já que o trabalho de preparação tem um papel muito importante para lidar com isso.
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“Como a ansiedade é algo que faz parte, a gente pode orientar em algumas estratégias para regular essa questão”, concorda a psicóloga escolar do Colégio Farroupilha, Greicy Boness de Araújo, que é mestre e doutora em Psicologia do Desenvolvimento. “Quanto mais souber se organizar, manter um planejamento para os estudos e se preparar previamente, mais vai ajudar a reduzir a ansiedade”, exemplifica.
Manter uma rotina que deixa o estudo sempre em dia, com menor volume a ser vencido, também ajuda. E vai além disso: sono, alimentação e horários, sem esquecer de fazer intervalos, aumenta a produtividade e, consequentemente, a segurança do estudante.
Para poder ajudar os alunos, primeiro é preciso saber que eles têm um problema. Em relação à ansiedade, a manifestação pode vir por meio de relatos diretos e individuais, mas também pela agitação ou dispersão da turma, acima do comum, em momentos de possível tensão. É preciso estar atento a qualquer mudança de comportamento.
Modelo de avaliação
Greicy conta que o Colégio Farroupilha trabalha com várias formas de avaliar, uma vez que existem diferentes maneiras de se expressar e de conhecer o desenvolvimento dos alunos. As provas constituem uma parte da avaliação, mas também há trabalhos, atividades em grupo, pesquisas conjuntas, leituras, produções artísticas e de escrita.
“O professor vai conhecendo o processo de aprendizagem do aluno, justamente porque não dá para ser só pela via da prova, embora mundialmente seja o mais utilizado. Mas eles vão se deparar com provas a vida inteira, em qualquer situação. Então, é um recurso que precisa ser desenvolvido”, resigna-se Greicy. O acompanhamento contínuo faz com que os mais novos já comecem a desenvolver essa habilidade, de modo que chegam mais preparados à adolescência. “Isso não significa que não possa haver momento de ansiedade, porque é normal. O que não pode é prejudicar a rotina do estudante”, ressalta.
Aprendizado para a vida
Quando um estudante para diante da prova e não consegue desenvolvê-la, muitas vezes o educador tende a pensar que ele não se preparou adequadamente. Pode ser verdade, mas também pode ser reflexo da tensão, de uma ansiedade que o torna disfuncional. Ao perceber isso, é preciso acalmá-lo – especialmente se for criança.
O reflexo mais imediato se dá na própria avaliação, que pode sequer ser concluída. Greicy conta que a equipe do Colégio Farroupilha tenta ajudar para que o estudante se reorganize, até mesmo com técnicas de respiração. “Depois, avaliamos o que aconteceu, se foi falta de preparação, privação de sono ou se está relacionado a algum excesso de expectativa. Identificando o problema, passamos a definir estratégias”, explica.
Dar a real dimensão do desafio que o estudante tem à sua frente também ajuda muito – não apenas para que consiga superá-lo, mas também para não criar traumas que vão dar sinais mais adiante. Claudia Costin lembra da Síndrome do Impostor, que acomete principalmente mulheres, que têm a sensação de que não estão preparadas para determinadas tarefas e que não é legítimo ocuparem o lugar onde estão.
Costin traz como exemplo a advogada norte-americana Michelle Obama, que também é ex-primeira-dama dos Estados Unidos. “Ela conta, em sua autobiografia, que nos primeiros trabalhos sentia que todo mundo a considerava incompetente, mas, no fundo, como mulher negra que recebeu tantas mensagens de que não seria competente, era ela quem achava isso. Essa situação também traz uma grande ansiedade quando a pessoa tem que mostrar um trabalho, mas, no fundo, acha que não é perfeita para aquilo”, comenta.
Eventos extremos
Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) apontaram, ainda em 2017, que o Brasil é líder mundial em prevalência de transtorno de ansiedade. No ano passado, um levantamento conduzido pela Vital Strategies – organização global de saúde pública – e pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) revelou que 26,8% dos brasileiros receberam diagnóstico médico de ansiedade. Entre os jovens, o dado é ainda mais preocupante: 31,6% da população entre 18 e 24 anos já tem o quadro confirmado.
O Rio Grande do Sul conta, desde o mês de maio, com um ingrediente que vem contribuindo para elevar estes índices. Greicy observa que os desastres causados pelas chuvas intensas trouxeram impactos variados na população, atingindo milhares de pessoas no âmbito material e um número exponencialmente maior pelo lado emocional, exacerbando sentimentos de tristeza, medo, insegurança, impotência, raiva ou a sensação de que deveriam estar ajudando mais aqueles que foram diretamente afetados.
Com a suspensão das atividades por alguns dias, a abordagem no retorno exige muita sensibilidade por parte dos educadores e gestores – pois a catástrofe atingiu estudantes e colaboradores, além de algumas instituições, propriamente ditas. Greicy conta que foi preciso considerar o impacto gerado pela situação para planejar a retomada. As escolas reorganizaram seus calendários, buscaram alternativas de aprendizagem para quem não poderia estar presente, conciliando o atendimento a quem estava impossibilitado de retornar às atividades e também quem poderia fazê-lo.
“Essa volta é fundamental para as crianças e adolescentes, pois a escola é um espaço de encontro, de aprendizagens, e o contato com os pares e com os professores é também uma oportunidade de dar sentido ao que foi vivido de forma intensa neste período”, defende Greicy.
Além disso, ela frisa que a escola é um espaço para conversar sobre o que aconteceu, compartilhar percepções, sentimentos, assim como entender do ponto de vista científico os eventos ocorridos, estabelecendo relações com as diferentes áreas do conhecimento.
“Do ponto de vista individual, a acolhida, seja de profissionais, seja de estudantes precisa promover a escuta num ambiente seguro e acolhedor, com espaço de diálogo e de conversa, para permitir a expressão de sentimentos e o entendimento dos eventos”, defende a psicóloga. Outra medida adotada pelo Colégio Farroupilha é incentivar o autocuidado, que envolve o respeito ao tempo de cada um na elaboração da situação de perda, o reconhecimento dos próprios limites e a busca de atividades significativas, que possam auxiliar no resgate do sentido.
Fora isso, é preciso continuar alerta quanto às necessidades individuais que podem surgir no campo da ansiedade e do humor, direcionando suporte específico quando necessário. No âmbito coletivo, os professores orientam os estudantes a abrirem espaço para a discussão nas diferentes áreas do conhecimento, o que amplia o entendimento sobre essas questões e também promove a reflexão sobre o estabelecimento de uma cultura de enfrentamento das enchentes.
Com atenção ao problema e diálogo para resolvê-lo, a tendência é que ele não prejudique o desenvolvimento dos alunos. De quebra, ainda pode ser mais uma excelente oportunidade para estreitar a relação entre professor e estudante, em um ambiente aberto ao diálogo.
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