Formação em Inteligência Artificial está em plena expansão no Brasil
Com a evolução do uso da tecnologia por parte dos brasileiros e os investimentos focado nesta área, a oferta por capacitação em IA apresenta consolidação pelo país
Por mais que existam evidências de que a Inteligência Artificial (IA) já é utilizada há várias décadas, o seu rápido avanço, nos últimos anos, fez com que sua presença esteja, cada vez mais, no dia a dia das pessoas. Tanto empresas e indústrias, setores da comunicação, da medicina, da saúde, da educação, entre outros, utilizam da tecnologia para colaborar em suas atividades diárias.
No caso do Brasil, o ativista digital e tecnocrata Juliano Kimura analisa que a tecnologia ainda está em um estágio de sensibilização e adoção, o que torna o conhecimento sobre a mesma algo relativamente recente. Para exemplificar, ele cita que a IA Generativa (ramo focado na criação de conteúdos novos) aconteceu somente a partir de abril de 2023.
Ele também refere que, há pouco mais de um ano, o ChatGPT tem sido utilizado de maneira mais consistente pelos brasileiros. “Novos modelos de IA e infinitas novas versões e recursos nascem semana a semana. Somente o ChatGPT, por exemplo, teve a evolução das suas versões 3, 4 e, agora, a omni 1”, sustenta.
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O próprio ChatGPT, ao ser questionado sobre a presença e o uso da inteligência artificial no país, responde: “… está em uma fase de crescimento e desenvolvimento. Aqui estão alguns aspectos importantes como: adoção setorial, startups em alta, investimento e financiamento, educação e capacitação, políticas e regulação, colaboração e pesquisa […] Esses fatores indicam que a IA no Brasil está se expandindo rapidamente e se tornando uma parte importante do desenvolvimento tecnológico e econômico do país”.
Diante de tudo isso, a tecnologia surtiu efeitos na área do ensino. De acordo com o Relatório de Habilidades Globais 2024, divulgado pela plataforma de aprendizagem online Coursera, o país é o mais qualificado para cursos de Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) na América Latina e no Caribe. Ainda de acordo com o estudo, em 2023, foram registradas mais de 160 mil matrículas de alunos em cursos com temas que abordam IA.
Na esteira desta expansão está o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA) 2024-2028. Envolvido nesta iniciativa, o Ministério da Educação (MEC) anunciou que os investimentos serão na ordem de R$ 817 milhões. Entre as ações, estão previstos incentivos para a criação de cursos e disciplinas de graduação, bolsas de pós-graduação, fomento à pesquisa e ao desenvolvimento, cursos técnicos para professores e servidores, assim como ações de inclusão e acessibilidade em ambientes educacionais que envolvem a IA.
Kimura ressalta que o PBIA será importante, mas os recursos precisam ser bem empregados, pois, caso contrário, o país não se posicionará como referência na área. “É preciso focar em trazer ‘know how’. Temos de aprender com estratégias de outros países, como foi na Coréia do Sul, e levar mais conhecimento para território brasileiro”, sugere.
Outro passo que ele qualifica como importante é a capacitação e desmistificação da IA. Para isso, ele frisa que é necessário colocar a tecnologia em seu lugar, como meio e viabilizador. Logo, o papel dos professores passa a ser fundamental para o uso saudável da tecnologia, para promover um aprendizado mais eficiente aos alunos. “É necessária a criação de uma cultura positiva em volta da IA Generativa, bem como prever e prevenir os malefícios da mesma. Para que aconteça a formação em larga escala de pessoas na área, as chaves são comunidade e colaboração”, aponta.
Cursos de IA em atividade
Pelo país, os cursos de Inteligência Artificial estão se proliferando e consolidando, seja no formato graduação ou tecnólogo. Um exemplo é do Centro Universitário FIAP, que foi umas primeiras instituições de ensino a propor ao MEC a criação do curso de IA. É o que destaca o coordenador acadêmico da Graduação em Inteligência Artificial da instituição, John Paul Hempel Lima, que complementa: “a partir de 2018, todos os cursos da FIAP possuem, pelo menos, uma disciplina de IA”.
No entanto, por meio de uma pesquisa de mercado, o FIAP percebeu a necessidade de criar um curso exclusivo para formar profissionais com conhecimentos mais profundos. “Assim, em 2020, recebemos a autorização do MEC para ofertar esta graduação e, desde então, temos diversas turmas em andamento e muitos alunos formados”, contextualiza.
De acordo com Lima, o principal desafio, ao iniciar o curso, foi a exigência de computadores modernos, com placas GPU (responsável pelo processamento de gráficos e imagens) e alta capacidade de memória, entre outros requisitos técnicos.
Outra barreira a ser ultrapassada foi tornar a capacitação conhecida no mercado. “Muitas vezes, há vagas para analista de dados, business intelligence, etc. O profissional de IA pode atuar também nestas frentes e, com o mercado ciente de que existe um profissional com esta graduação, mais vagas específicas aparecerão”, constata.
O curso da FIAP prepara os estudantes para compreender, utilizar e projetar sistemas de IA Generativa, como o ChatGPT, Dall-e, Google Gemini, entre outros recursos. “Poderá liderar equipes de implantação e desenvolvimento de soluções utilizando todas as vertentes da IA, tais como machine learning, deep learning, chatbot, processamento de linguagem natural e reinforcement learning”, projeta.
Outro caso de formação em franco desenvolvimento é o da Uniasselvi, que criou a Graduação Inteligência Artificial e Machine Learning em fevereiro de 2024. Conforme a coordenadora da graduação da universidade, Greisse Moser, a motivação para sua concepção se deve pela percepção da instituição de uma lacuna crucial no mercado de trabalho.
A Uniasselvi também promoveu pesquisas de mercado e identificou a crescente demanda por profissionais capazes de desenvolver e aplicar soluções de IA e Machine Learning (ML) em diversos setores, desde a saúde, finanças até a indústria e o varejo. “Temos o compromisso em formar profissionais capazes de impulsionar a inovação e a competitividade das empresas. Os alunos terão a oportunidade de aprender as últimas tendências da área e desenvolver projetos práticos”, pontua.
Entre os desafios enfrentados, Greisse aponta a definição do currículo, que precisou ser dinâmico para acompanhar a rápida evolução da área e encontrar o equilíbrio ideal entre teoria e prática, já que tanto a IA e o ML exigem uma abordagem multidisciplinar, integrando conhecimentos de matemática, estatística, programação e ciência da computação. “Outro empecilho foi a aquisição e retenção de docentes qualificados e atualizados nas últimas tendências da área, o que exige um investimento contínuo em formação”, aponta.
Greisse adiciona que a infraestrutura ideal para um curso de IA e ML inclui laboratórios de informática, biblioteca virtual especializada e plataformas de ensino a distância. Também são necessárias ferramentas modernas em nuvem para codificação e processamento avançado de redes neurais, que permitem a implementação e execução de algoritmos de última geração.
Ela ressalta que o curso visa formar profissionais não apenas para aplicar algoritmos, mas também para desenvolver soluções inovadoras em níveis mais profundos da tecnologia. “Os egressos estarão aptos a criar e implementar soluções modernas em inteligência artificial e aprendizado de máquina, promovendo inovações em diversos setores, como tecnologia da informação, finanças, saúde, indústria, varejo e administração pública”, conta.
Já a Universidade Federal de Goiás (UFG) começou o Bacharelado em Inteligência Artificial no primeiro semestre de 2019. Conforme lembra o coordenador do curso UFG, Anderson da Silva Soares, já havia discussões em torno da criação do curso desde 2017. “Fazíamos muitos projetos de pesquisa e inovação para empresas que destinam recursos humanos de inteligência artificial”, recorda.
Como essa demanda era atendida pelo mestrado e doutorado da universidade, existiam restrições para suprir estes pedidos. Logo, Soares conta que a decisão foi de constituir a graduação com o intuito de promover uma maior capacidade de formação de pessoas. “O curso foi projetado para formar um perfil mais empreendedor, com a capacidade do aluno em visualizar problemas e propor soluções com o uso de tecnologia”, relata.
Para ele, pensar no projeto pedagógico foi algo desafiador, pois, por mais que seja um curso de exatas, existem suas particularidades. “A infraestrutura nos desafiou, porque tudo em tecnologia demanda equipamentos. Existe uma atualização tecnológica constante, fora contratação de novos docentes para complementação”, comenta.
Lançado em 2021, o Bacharelado em Ciência de Dados e Inteligência Artificial da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) também foi pensado em anos anteriores. O coordenador do curso da Escola Politécnica da universidade, Daniel Callegari, relata que, desde 2009, iniciativas foram pensadas para que o bacharelado se concretizasse.
Ele lembra que tanto o Projeto Edison, na Comunidade Europeia, e as recomendações da National Science Foundation (NSF), indicavam a necessidade de currículos focados em análise de dados, IA e processamento de grandes volumes de dados. Além disso, no Brasil, estudos da Associação Brasileira de Empresas de Software (Softex) e da Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom) mostravam um déficit projetado de profissionais no setor de TI, o que reforçou a necessidade da PUCRS criar esta graduação.
Entre as adversidades para implantar o curso, Callegari ressalta a exigência de laboratórios bem equipados para o ensino de algoritmos, aprendizado de máquina, redes neurais e processamento paralelo, entre outras tecnologias. “Também houve a necessidade de projetar uma matriz curricular interdisciplinar, que abrangesse as áreas de computação, matemática e estatística, aliadas à ciência de dados e à inteligência artificial”, diz.
A proposta do bacharelado é formar profissionais com uma sólida formação em computação, matemática e estatística, preparados para atuar em diversos setores, segundo o professor e membro da comissão coordenadora do curso, Lucas Kupssinsku. “Queremos que o egresso esteja totalmente preparado para transformar problemas de negócio em soluções de mercado, adaptando-se rapidamente às novas tecnologias. Destacam-se também as parcerias com empresas parceiras, que trazem para a sala de aula desafios reais de mercado”, ressalta.
Cenário atual e próximos desafios
Atualmente, a graduação de Inteligência Artificial do Centro Universitário FIAP está com cerca de 300 alunos. Lima informa que o curso é um dos mais procurados no processo seletivo aberto para o próximo ano.
Pensando à frente, a instituição de ensino pretende expandir tanto os cursos presenciais quanto os cursos online, modalidade em que o estudante tem uma grande flexibilidade de estudos, podendo adequá-lo em sua vida e carreira.
Na Uniasselvi, Greisse comenta que o curso conta com mais de 500 alunos matriculados. “Com o passar do tempo, queremos nos consolidar como referência na área, atraindo ainda mais estudantes e fortalecendo a marca”, projeta.
A universidade planeja criar parcerias com empresas do setor para oferecer aos alunos experiências práticas e oportunidades de networking. Deste modo, os estudantes poderão participar de projetos reais, realizar estágios e conhecer as últimas tendências do mercado.
Na UFG, Soares comenta que todos os anos são recebidos 40 alunos por meio do Sistema de Seleção Unificada (SiSU). Ele analisa que o curso tem oscilado entre segundo ou terceiro de maior nota de corte de todos os da universidade.
Como planos, ele informa que a ideia é realizar uma revisão do curso, sendo avaliados os acertos e as melhorias necessárias. Também será realizado um investimento substancial em equipamentos e infraestrutura, principalmente relacionadas à robótica e aos veículos autônomos.
Já Callegari aponta que o bacharelado da PUCRS está em pleno desenvolvimento, recebendo duas turmas por ano, com 60 vagas oferecidas em cada semestre, totalizando 120 estudantes anualmente. Aliás, a primeira turma se formará no final deste ano. “Todos estes estudantes estão muito bem colocados no mercado de trabalho. A maioria tinha estágio desde o terceiro semestre do curso, o que evidencia o apetite do mercado pelos alunos com o perfil”, afirma.
Para os próximos anos, a universidade pretende ampliar parcerias com o setor empresarial, em especial, com empresas do Parque Tecnológico da PUCRS (Tecnopuc), além de promover iniciativas de internacionalização e intercâmbio.
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