Facilitar o aprendizado nem sempre garante maior eficácia

No segundo artigo da série Ciência e Aprendizagem, André Hedlund, especialista em Psicologia da Educação, fala sobre como usar as estratégias para otimizar a carga cognitiva e melhorar os resultados de aprendizagem

imagem: Pexels

Facilitar o aprendizado nem sempre garante maior eficácia

André Hedlund, mestre em Psicologia da Educação pela Universidade de Bristol, ex-bolsista Chevening, consultor pedagógico, moderador do  British Council. Leciona Bilinguismo e Cognição na PUCPR, é autor de “O Fator Coruja: Reformulando sua Filosofia de Ensino” e “Estudando com a Ciência da Aprendizagem”. Atualmente, André Hedlund é o líder do grupo de interesse em Mente, Cérebro e Educação do BRAZ-TESOL, criador do podcast “Fator Coruja” e fundador do Learning Cosmos.

Pense comigo por um instante. Quantas vezes você, na sua capacidade de professor ou membro da família, já teve o desejo de facilitar o aprendizado de uma criança ou adolescente com o intuito de ajudar? Provavelmente muitas, certo? E se eu dissesse que tornar as coisas mais fáceis nem sempre é a melhor decisão na hora de aprender? No segundo artigo da Série Ciência da Aprendizagem, vamos discutir estratégias baseadas na noção de que aprender precisa ser difícil em várias ocasiões. Se você perdeu o primeiro artigo da série sobre os limites da nossa memória e o conceito de carga cognitiva, aconselho que o leia antes de continuar.

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O papel da dificuldade 

  Pode parecer um contrassenso. No entanto, me arrisco a dizer que quase não existe aprendizado quando tudo é fácil demais. Não precisa acreditar em mim. Confie na pesquisa do professor e pesquisador do Departamento de Psicologia da Universidade da Califórnia (UCLA). O nome dele é Robert Bjork e, juntamente com a sua esposa Elizabeth Bjork, investiga o papel da dificuldade na aprendizagem. Para os Bjorks, aprender de fato e com qualidade exige esforço e, portanto, o que eles chamam de Dificuldades Desejáveis.

Antes de prosseguirmos, vamos pensar na analogia que eu mais utilizo quando falo desse conceito. Imaginemos que uma pessoa faça matrícula na academia do bairro. Na sua primeira sessão de treinamento, ela é acompanhada de um personal trainer, que basicamente ensina tudo, desde o nome dos aparelhos e dos exercícios até a combinação mais eficaz da malhação com os grupos musculares a serem trabalhados, quantidade de séries e repetições e duração do descanso. O que acontece quando a pessoa que está malhando diz que o exercício está “muito fácil” ou que o “peso está muito leve”? 

Se você respondeu que o personal trainer aumenta a intensidade ou ajusta a carga, você acertou. E o objetivo não é torturar ou machucar a pessoa. Pelo contrário. A lógica é fazer com que o treinamento funcione. Isso exige a produção de ácido láctico e evita um processo de microlesões nas fibras musculares causando queimação e dor. Sem isso, não há evolução, afinal de contas: NO PAIN, NO GAIN

No aprendizado escolar, a lógica é a mesma. Aprender, de fato, exige certas dificuldades que, quando presentes no contexto da aprendizagem, ajudam a consolidar a memória de novos conteúdos. Ou seja, são dificuldades desejáveis. No entanto, não é qualquer dificuldade que conta. Para Robert Bjork, uma dificuldade desejável trata-se do nível de desafio e esforço exigido para resolver uma tarefa. Se for muito fácil, o aprendizado não será duradouro nem eficiente.

Dificulte as condições, não o conteúdo

No primeiro artigo da série, citei três estratégias baseadas no conceito de Dificuldades Desejáveis: 1) brain breaks, 2) revisão espaçada e 3) prática de lembrar. Esses “obstáculos do bem” são acrescentados não diretamente no conteúdo que está sendo aprendido, mas, sim, nas condições de estudo. Isso é de extrema importância e quer dizer que em vez de:

SITUAÇÃO 1: avançar o conteúdo para conceitos mais difíceis ou acrescentar detalhes complicados na hora do estudo, 

o ideal é:

SITUAÇÃO 2: testar, variar, intercalar e espaçar o conteúdo, criando assim condições mais desafiadoras, que levam a uma aprendizagem mais eficaz.

Inclusive, essas quatro são as Dificuldades Desejáveis mais citadas no trabalho dos Bjorks e que eu exploro no meu livro “Estudando com a Ciência da Aprendizagem”:

Como ajudar nossos estudantes

Ficou difícil entender? Bem, aí vai um exemplo concreto de uma aula de inglês sobre vocabulário de frutas e legumes:

NA SALA:

  • Antes de dar o conteúdo novo, faça um quiz com uma ferramenta online como Kahoot ou Mentimenter para saber as palavras que os estudantes já conhecem;
  • Logo em seguida, em vez de ficar preso a uma tela ou quadro branco/negro, use frutas e legumes de verdade (ou réplicas) e faça com que os estudantes as toquem e usem em algum mini-projeto;
  • Depois, faça prática de lembrar: peça para que todo mundo feche o material e tente se lembrar de pelo menos três frutas e legumes;
  • Acrescente um brain break com música, uma atividade física curta ou um vídeo de animação engraçado sobre um assunto completamente diferente do conteúdo novo;
  • Coloque os estudantes para responder atividades de maneira individualizada e peça para que eles chequem em pares ou trios as respostas;
  • No fim da aula, peça que cada estudante compartilhe o nome de uma fruta e um legume que aprendeu;
  • Retome esse conteúdo pelo menos 4 vezes ao longo do mês (priorizando a prática de lembrar)

EM CASA:

  • Não passe lição de casa / tema para ser feita no mesmo dia. Peça que os estudantes descansem, durmam e, no dia seguinte, na mesa do café da manhã, tentem lembrar do nome das frutas que eles veem;
  • Durante a semana depois do conteúdo novo, peça que os estudantes revisem (com prática de lembrar) o vocabulário e façam alguma(s) atividade(s) por no máximo 30 minutos e que depois façam uma pausa (brain break) e estudem outra matéria por mais 30 minutos antes de voltar a estudar novamente o vocabulário em inglês;
  • Peça que os estudantes façam a mesma coisa nas 3 semanas seguintes sempre acrescentando um dia para aumentar o espaço entre a última revisão e a próxima;

Apesar da pressão e das exigências tanto de estudantes quanto da família, muitas vezes com as melhores intenções, uma coisa é certa: facilitar nem sempre é garantir que o aprendizado ocorra de forma eficaz. A Ciência da Aprendizagem nos diz que a construção de novas sinapses no cérebro demanda comprometimento, esforço e tempo mesmo que isso vire motivo de frustração e mau comportamento.

No próximo artigo da série, que vai ao ar em 12 de dezembro, vamos discutir precisamente o papel da regulação emocional diante dos enormes desafios enfrentados pelas novas gerações para uma jornada de aprendizagem mais saudável e proveitosa.

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