Como levar a Agenda 2030 da ONU para a sala de aula
Documento prevê 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, ODS, que se relacionam em todos os aspectos
Os países que compõem a Organização das Nações Unidas (ONU) adotaram, em 2015, um programa que prevê uma série de ações sustentáveis. Chamado de Agenda 2030, o documento que detalha esse planejamento traz 17 ‘Objetivos de Desenvolvimento Sustentável’, conhecidos como ODS, alinhados principalmente a aspectos sociais, ambientais e econômicos. Uma iniciativa que surgiu diante da situação emergencial do planeta, que pede socorro, e diz respeito a toda a humanidade. Por tudo isso, é fundamental que seja trabalhada no âmbito educacional.
O conceito de sustentabilidade é relativamente novo. Cunhado na década de 1980, a rapidez com que ganhou a atenção da sociedade é, por si só, um alerta. Por volta de 1950, a população mundial era de 2,5 bilhões de pessoas. A estimativa da ONU é que se chegue a 2050 com 8,9 bilhões. Esse aumento populacional e seus impactos na vida humana levaram as nações a lançarem um olhar mais cuidadoso em relação ao ambiental, ao econômico e ao social.
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O professor e vice-diretor do Colégio Anglo, Arthur Barcellos Bernd, comenta que a Agenda 2030 é resultado de esforços consideráveis das lideranças globais, desenvolvido depois de muitos debates, mas que ainda não apresenta tanta eficácia, já que muitas metas estão longe de serem atingidas – já que faltam cinco anos para que sejam revisitadas e projetadas novamente. “Nesse sentido, a gente tem que entender dois processos: um que corresponde às grandes estruturas e outro que diz respeito ao cotidiano prático”, entende.
Para Bernd, que é especialista em Sustentabilidade e em ESG (conceito que combina o desenvolvimento social, ambiental e de governança), a escolha individual e a mudança estrutural andam lado a lado. As cidades e nações precisam se mexer, ao mesmo tempo que um depende do outro. Por isso a ONU, enquanto órgão multilateral, é importante para a definição de objetivos universais, em um esforço coordenado.
Agenda 2030 na escola
Diversos estudos apontam que a Geração Z (nascida entre a segunda metade da década de 1990 e o fim dos anos 2000) está mais preocupada com a sustentabilidade. Isso se explica, em parte, porque quando eles chegaram ao mundo esse tema já era bastante comentado, enquanto as gerações anteriores viram o termo surgir, mas nem sempre ganhar a devida importância. É natural, para os mais jovens, que o conceito esteja em pauta.
“A Geração Z é mais consciente do ponto de vista ecológico. O que falta, muitas vezes, é saber como agir. Eles já têm a consciência de poupar água, energia, já não têm aquele desejo forte do veículo próprio, entendem as vantagens do uso compartilhado e racional”, observa Bernd. A escola, enquanto ambiente formal, tem alguns papéis importantes no desenvolvimento desse comportamento. Para isso, dispõe de três grandes ferramentas: a infraestrutura, o institucional e o pedagógico.
Aplicando na prática
O engenheiro do Grupo SG Saulo Chielle explica que o trabalho deve começar pela identificação do que é mais premente na comunidade onde se vai desenvolver o projeto pedagógico. Cada lugar tem suas particularidades e, para que funcione, o programa precisa fazer sentido para as pessoas.
Para Chielle, a ideia de desenvolvimento sustentável soa quase como uma redundância, pois não há desenvolvimento se não houver sustentabilidade. Ele busca o histórico de desenvolvimento da humanidade para embasar essa percepção: o modelo adotado no século XX foi de crescer por meio de escala, para que as pessoas tivessem acesso a bens e serviços.
No entanto, esse modelo se esgotou conforme a população aumentou consideravelmente, de modo que, no século XXI, a única forma de pensar em continuar se desenvolvendo é observando o cuidado com os recursos – que são finitos.
“Se as instituições de ensino querem formar cidadãos que contribuam para a sociedade, devem estar alinhadas ao modelo de desenvolvimento”, argumenta. Em uma palestra no TEDx (confira abaixo), há alguns anos, o engenheiro já revelava o sonho de que a palavra sustentabilidade fosse suprimida, ficando apenas a ideia de desenvolvimento.
“O objetivo da escola é desenvolver pessoas, isso se dá por meio de alguns princípios. E quais os princípios que o mundo fala? Sem pobreza, sem fome, com saúde e bem-estar, educação de qualidade, igualdade de gênero, água limpa e saneamento… Tudo isso consta nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. É isso que mede o desenvolvimento. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é isso. O Produto Interno Bruto (PIB) é um indicador de produção econômica, mas não necessariamente de desenvolvimento”, pondera Chielle.
Como exemplo prático, ele cita o projeto que vem sendo desenvolvido junto ao Colégio Farroupilha, de Porto Alegre. A instituição está instalando uma estação de tratamento que produz água de reuso. “Vamos utilizar os métodos mais avançados que existem. Não é só uma questão financeira, mas também um instrumento pedagógico dentro da própria escola”, destaca Chielle.
Com a ferramenta, o colégio consegue mostrar aos estudantes o que está sendo feito, como e por quê. “O gestor tem que entender como os ODS podem se tornar ações práticas, projetos, propostas pedagógicas que vão ser trabalhadas dentro da sala de aula, de ações específicas, e tangibilizar isso”, acredita o engenheiro.
Tecnologias (novas e antigas) são aliadas importantes
Cada instituição tem sua realidade e dispõe de meios diferentes para executar uma política pedagógica permeada pelo conceito de sustentabilidade. Tudo pode começar pela identificação de um profissional engajado, que compre a ideia e desenvolva essa cultura junto aos demais professores e gestores. Essas figuras são o que o empreendedor social e educador ambiental Lucas Fontes, da Green Thinking, chama de lideranças regenerativas, com perfil proativo para desenvolver uma ação.
A partir daí, deve-se buscar um misto das ferramentas que estão à disposição. Diferentes tecnologias podem ser empregadas, como a inteligência artificial, inteligência de dados (que podem ser identificados, geridos, trabalhados de forma a melhorar a consciência ambiental dos estudantes), internet das coisas, tecnologias de mobilidade e cidades inteligentes. Já entre as tecnologias físicas aparecem hardwares e máquinas, como as de reciclagem ou sistemas construtivos ecológicos.
No entanto, tecnologias sociais menos recentes também podem ser aplicadas na sala de aula. “Rodas de escuta eram feitas por povos originários, que já trabalhavam a ancestralidade junto com a espiritualidade. Trata-se de olhar para a força da inteligência coletiva”, lembra Fontes.
Uma dica do educador é trabalhar com personagens lúdicos, que funcionam muito bem. Não por acaso, ele mesmo encarna o Piratelvis, um pirata do bem que trabalha protegendo oceanos, florestas e todos os seres vivos do planeta. O personagem percorre oceanos buscando as ilhas de lixo, limpando e conscientizando as pessoas.
A contação de histórias é um recurso que também tem grande adesão pelos mais jovens. A empresa tem uma série protagonizada pelo Saco Papão, que engole todos os materiais e transforma em uma meleca. O antagonista é o Saco Amigão, que só recolhe materiais recicláveis. A atividade junto às escolas é complementada com uma visita a unidade de triagem e posterior recolhimento de recicláveis, premiando os que mais conseguirem juntar materiais.
Arthur Bernd sugere combinar narrativas com estatísticas, algo que, segundo ele, sempre funciona. “A história gera um certo engajamento, mas a pessoa não tem vivência. Mas ele aumenta muito se, por exemplo, a pessoa entende que o quarto maior custo de Porto Alegre é com limpeza e resíduos, atrás apenas de educação, saúde e previdência. Isso se deve, em boa parte, ao fato de não separar resíduos”, explica.
Muitas vezes, as instituições deixam de implementar ações interessantes simplesmente por acreditarem que é mais difícil do que realmente é. Bernd garante que para ter uma horta e uma composteira, por exemplo, não é preciso que se disponha de uma área muito grande. A separação de resíduos, também. Aliás, aquela quantidade de lixeiras coloridas está até ultrapassada. O entendimento atual é que se deva separar lixo seco, orgânico rejeito (que precisa ir para um aterro) e o orgânico compostável. Isso porque, apenas de plástico, existem 11 tipos diferentes, que precisarão passar por uma triagem de qualquer forma.
Essas novidades só chegam aos educadores e aos projetos pedagógicos por meio de um processo de formação continuada. Por isso é importante que as instituições tenham o desenvolvimento (sustentável) como um dos pilares em seu planejamento, aparecendo de forma transversal e perene.
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