Entre números, cores e formas: os desafios do ensino da matemática
Projeto de instituição da Serra Gaúcha une arte e cálculos para facilitar a aprendizagem
Na lista de disciplinas da Educação Básica, a matemática não costuma ocupar um lugar de muito destaque na preferência dos estudantes. Uma pesquisa apresentada em 2018, durante o 16º Simpósio Brasileiro de Educação Química por alunos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), apontou que 55,2% das alunas e 52,1% dos alunos entrevistados indicavam a matemática como uma das matérias menos atraentes dentro dos currículos escolares.
Esse pouco apreço pelo estudo dos números e fórmulas também se revela nos resultados avaliativos da aprendizagem dos estudantes. A TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study) é uma avaliação internacional que mede o desempenho de estudantes em matemática e ciências nos 4º e 8º anos do Ensino Fundamental. Organizada pela International Association for the Evaluation of Educational Achievement (IEA), em 2023 a pesquisa revelou que 51% dos estudantes brasileiros do 4º ano não alcançaram o nível básico de compreensão em matemática. Já no 8º ano, essa proporção aumentou para 62%.
Com números preocupantes, muitas escolas têm buscado alternativas para inovar na sala de aula e tornar a tão temida matemática mais atraente e até divertida. Para a professora da Escola Politécnica da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e pesquisadora Lucia Giraffa, conectar o ensino da matemática com situações reais e problemas que fazem parte do cotidiano dos estudantes é uma ótima estratégia, já que coloca a disciplina como uma ferramenta concreta para resolver questões que vão muito além dos números.
Ela ressalta que, infelizmente, o Brasil ainda tem um ensino muito centrado em fórmulas, memorização e exercícios descontextualizados. Para Lucia, as escolas precisam, antes de tudo, trabalhar a construção de conceitos e o desenvolvimento de uma mentalidade matemática. “O caminho para a inovação passa, sobretudo, por uma inovação metodológica: alterar a forma como organizamos nossas aulas, conectando os
conteúdos com a realidade dos alunos, fazendo da matemática algo vivo, útil e significativo”, orienta a pesquisadora.
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Lucia também destaca que muitas pessoas ainda confundem inovação com o uso de artefatos tecnológicos, como tablets e softwares. No entanto, a professora explica que isso é um equívoco e que o desenvolvimento do pensamento matemático pode ser estimulado com técnicas e processos analógicos. Mais importante que o recurso utilizado, é a preparação dos educadores para apresentar suas propostas e conquistar o engajamento dos alunos. “É claro que as tecnologias podem potencializar o ensino da matemática, tornando-o mais visual, interativo e acessível. Mas, para isso, é preciso planejamento, intencionalidade e articulação com os objetivos pedagógicos. Elas são recursos que, quando bem utilizados, enriquecem o processo, mas não o substituem”, pontua.
Arte, criatividade e números
Na busca por encantar os estudantes com o mundos dos números e fórmulas, o Colégio Nossa Senhora de Lourdes, localizado na cidade de Farroupilha, resolveu colocar a matemática em destaque no calendário e envolver toda a comunidade escolar. O Dia Internacional da Matemática (IDM) é celebrado anualmente em 14 de março, uma data escolhida por sua relação com o número π (pi). A data foi oficializada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) em 2019, com o objetivo de dar destaque à importância e ao impacto social da matemática.
A cada ano, o IDM adota um tema para guiar atividades a serem desenvolvidas por instituições de ensino. Inspirados por esta iniciativa, a escola da Serra Gaúcha passou a dedicar, a partir de 2020, o mês de março inteiro para a matemática, desenvolvendo propostas com turmas que vão da Educação Infantil até o último ano do Ensino Médio. Neste ano, o tema escolhido pelo IDM foi Matemática, Artes e Criatividade. O resultado dos trabalhos desenvolvidos na instituição foram reunidos em uma exposição composta por releituras de obras de arte criadas por artistas que utilizam conceitos matemáticos, dobraduras e figuras em 3D.
“Ao montar uma dobradura ou um origami, os alunos se deparam com conceitos de retas paralelas e retas perpendiculares. Utilizando essa proposta, eles fizeram maravilhosas pinturas com inspiração na artista plástica farroupilhense Marinês Busetti. Nas obras desenvolvidas, foram trabalhados os conceitos de simetria, translação e rotação de figuras”, lembra a professora Rafaela Fabro. Ela desenvolveu o projeto junto com os colegas Caroline Lisiak e Ramiro Michelon.
Alunos do Colégio Nossa Senhora de Lourdes, em Farroupilha, realizaram releituras de obras de arte inspiradas na matemática. Crédito: Divulgação/ Colégio Nossa Senhora de Lourdes
Rafaela explica que os trabalhos foram elaborados levando em conta o conteúdo estudado por cada turma. O maternal e a educação infantil, por exemplo, trabalharam com figuras geométricas planas e também atividades envolvendo fractais e perspectivas. Já os estudantes do Ensino Médio produziram biscoitos no formato do número Pi e realizaram cálculos de custo com ingredientes. “O projeto é uma forma de mostrar aos alunos o lado divertido e encantador da matemática, despertando no aluno esse olhar a disciplina a aprendizagem se desenvolve de forma mais satisfatória, vista que aprendemos melhor quando gostamos de algo”, avalia a professora.
A proximidade com problemas do cotidiano também é uma estratégia que torna as aulas de matemática mais instigantes. Para trabalhar questões numéricas com o 5º e 6º ano, Rafaela utilizou o número de CPF dos alunos e também os códigos de barra presentes em alguns produtos e o famoso Teorema de Pitágoras ajudou os estudantes a calcularem a inclinação dos sapatos de salto alto. “A matemática nos ajuda a entender o porquê não podemos comprar uma televisão de 80 polegadas se a distância entre o sofá e a parede da sala for de dois metros. São situações que não estão nos livros didáticos, mas que cabe ao professor pesquisar e trazer para a sala de aula e mostrar a aplicabilidade da matemática”, aponta.
Os resultados dessas iniciativas já podem ser observados na melhoria dos índices dos alunos na disciplina de matemática. Na nota do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), o Colégio Nossa Senhora de Lourdes apresenta média de 639,4 , número superior à média nacional e também à média das escolas privadas, que é 609. Para Rafaela, isso mostra que a escola está no caminho certo no desenvolvimento das práticas de ensino e aprendizagem.
“Somente através de estudos, prática e mudanças, são possíveis aulas mais atraentes e prazerosas, fazendo que num futuro breve, se tenha uma educação matemática de mais qualidade nesse país”, finaliza.
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