Por que a educação financeira ajuda a formar cidadãos mais conscientes

Com ações lúdicas e apoio familiar, colégios ampliam o debate sobre escolhas responsáveis e equilíbrio nas relações com o dinheiro

por: Jean Peixoto | jean@padrinhoconteudo.com
imagem: Gemini

Cansado de trabalhar arduamente como escriba sem conseguir sair da escassez, Arkad buscou a orientação de Algamish, um rico emprestador de dinheiro, que lhe ensinou os princípios da acumulação de riqueza. Com os ensinamentos recebidos, Arkad acumulou a maior fortuna do império, tornando-se o homem mais rico de toda a Babilônia. A história, publicada originalmente em 1926 pelo escritor norte-americano George S. Clason, narra a trajetória de sucesso de um personagem fictício que viveu há 4 mil anos. No entanto, as lições compartilhadas na obra são consideradas tão atemporais e efetivas que ainda hoje são utilizadas como base para o ensino da educação financeira para jovens e adultos.

Às vésperas de completar 100 anos, o livro “O Homem Mais Rico da Babilônia” foi objeto de uma dinâmica realizada em abril com alunos do colégio La Salle São João, de Porto Alegre. A atividade faz parte do projeto Educação Financeira para a vida, que visa a desenvolver a consciência dos jovens para o uso sustentável dos seus recursos financeiros. Na ocasião, os estudantes foram convidados a se dividir em grupos e participaram de um jogo de perguntas e respostas acerca das parábolas contidas no livro, culminando em uma troca de conhecimentos lúdica e interdisciplinar.

“Estamos no quarto ano do projeto. Trabalhamos esses conceitos durante o ano todo em sala de aula. O objetivo é conscientizar os estudantes sobre a importância da educação financeira nesta fase em que eles estão se desenvolvendo. Com os alunos do sexto ano, por exemplo, começamos de uma forma mais lúdica, mostrando para eles alguns objetivos importantes, que é preciso fazer reservas de emergência e outras questões básicas. Vale salientar que a educação financeira não trata somente de dinheiro, é uma conscientização das nossas atitudes do dia a dia também”, explica a professora Fabiana Moreno das Neves, que é uma das organizadoras do projeto Educação Financeira para a vida.

A iniciativa do La Salle São João faz parte de um esforço coletivo que vem ganhando força, inclusive política, nos últimos anos. No Rio Grande do Sul, por exemplo, desde junho de 2022, a Lei 15.860 prevê a inclusão da educação financeira nas propostas pedagógicas dos estabelecimentos de Ensino Fundamental e Médio, públicos e privados, do Estado.

Estudantes do colégio La Salle São João participam de atividades lúdicas para aprender sobre educação financeira | Foto: La Salle São João / Divulgação

Já no Senado Federal tramita o Projeto de Lei 1.510/2025 que pretende tornar a Educação Financeira matéria obrigatória nos currículos da educação básica em todo o território nacional. Na justificativa da matéria, o proponente do PL, senador Nelsinho Trad (PSD-MS) aponta para a “necessidade urgente de preparar os estudantes para os desafios da vida econômica contemporânea, promovendo a formação de cidadãos mais conscientes, autônomos e responsáveis na gestão de seus recursos”.

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Endividamento da população

Uma das razões para Executivo e Legislativo acompanharem o tema com olhar tão atento é o crescente índice de endividamento da população brasileira, o que compromete não apenas a saúde financeira individual, mas também a estabilidade econômica e social do país. A Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), divulgada no início de julho, apontou que a proporção de famílias com contas a vencer cresceu de 78,2% em maio para 78,4% em junho – o quinto mês consecutivo em elevação.

O estudo considera como dívidas as contas a vencer nas modalidades: cartão de crédito, cheque especial, carnê de loja, crédito consignado, empréstimo pessoal, cheque pré-datado e prestações de carro e casa. Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), também houve ligeira piora na percepção do endividamento, com um aumento na fatia de pessoas que se consideram “muito endividadas”, passando de 15,5% em maio para 15,9% em junho. Além disso, um estudo divulgado pela Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL) apontou que praticamente metade (47%) dos jovens com idades entre 18 e 24 anos, nascidos dentro da chamada Geração Z e considerados os primeiros nativos digitais, não realizam o controle das finanças pessoais.

Para combater esses indicadores, o Ministério da Educação (MEC) tem realizado diversas ações para fortalecer o aprendizado da educação financeira cada vez mais cedo. O objetivo é inserir nos sistemas de ensino de todo o Brasil propostas pedagógicas ancoradas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e relacionadas ao uso responsável e crítico de recursos financeiros, a partir de ações no âmbito da Estratégia Nacional de Educação Financeira (Enef).

Para a professora e coordenadora do programa de extensão Educação Financeira para Todos e para Toda Vida da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Wendy Beatriz Witt Haddad Carraro, a educação financeira é uma ferramenta fundamental para combater a acumulação de dívidas.

“Endividamento é ter um valor que a gente vai pagar lá na frente e a gente precisa ter um planejamento para garantir esse pagamento. Quando eu resolvo fazer uma dívida, eu tenho que ter um planejamento para garantir que uma parte do meu orçamento vai ser usada para quitar essa dívida, e evitar uma inadimplência – que é o não pagamento. Então, a educação financeira na infância e especialmente na fase adulta é fundamental para esse entendimento sobre o que é o orçamento”, sublinha a pesquisadora.

Consumo consciente

A professora Wendy Beatriz Witt Haddad Carraro também defende que ensinar educação financeira às crianças desde a educação básica contribui para o desenvolvimento de uma consciência de consumo mais equilibrada. Segundo ela, essa mudança de percepção impacta não apenas na decisão de comprar somente itens que realmente sejam necessários, mas também reforça a ideia de preservação de recursos, sejam eles financeiros, energéticos, hídricos, biológicos, incentivando até mesmo o desenvolvimento de uma alimentação mais saudável.

“À medida que essa criança vai crescendo, ela vai desenvolvendo uma relação de consumo bem mais saudável, aprendendo a diferenciar o que é desejo do que é necessidade, e isso é fundamental. Isso vai fazer com que ela também decida de uma forma consciente, no futuro, o que ela vai querer para a sua vida. Trabalhar educação financeira com as crianças ajuda a formar cidadãos mais críticos, mais responsáveis, e mais preparados para lidar com desafios econômicos”, salienta.

A pesquisadora acrescenta que, além de aprender sobre taxa de juros e inflação, com a alfabetização financeira os jovens tendem a se tornar adultos mais astutos e menos suscetíveis a cair em golpes, por exemplo.

Formação de docentes

Um dos desafios para avançar com o ensino sobre finanças é a formação de professores qualificados. A pesquisadora da UFRGS pontua que o ensino da educação financeira não se restringe a replicar fórmulas predefinidas em livros didáticos, como é possível ser feito em algumas disciplinas. Segundo ela, é preciso compreender as nuances e realidades diferentes dos estudantes para que o discurso possa ser adaptado e assimilado adequadamente.

“Por exemplo, eu fui em uma escola pública e em uma privada, na mesma semana. Falamos sobre o frio e o consumo de energia elétrica, que também é um recurso. Eu perguntei a eles o que eles faziam para se aquecer com a queda da temperatura. Na escola privada, eles deram respostas como ar-condicionado, aquecedor e lareira. Quando eu fui na pública, eles responderam: ‘a gente dorme tudo juntinho, a gente dorme na cama da mãe, agarrado no cobertor’. São realidades muito diferentes”, comenta a professora.

Além disso, a acadêmica frisa que é preciso preparar o professor para tratar sobre o tema pois, muitas vezes, o profissional também está fragilizado com relação às próprias finanças. Ela acrescenta que, até mesmo entre economistas e contabilistas, há aqueles que conseguem gerir finanças no âmbito profissional, mas não obtêm o mesmo êxito com as contas pessoais, algo que também ocorre com professores de matemática – a quem geralmente é delegada a função do ensino da educação financeira nas escolas.

Aprendizado que começa em casa

Apesar do esforço coordenado entre entes federativos e instituições de ensino para fortalecer a cultura da educação financeira nas escolas, o aprendizado precisa começar em casa. Especialistas apontam que integrar os pequenos à cultura financeira familiar – ainda que seja ajudando a organizar a lista de compras do supermercado – estimula o interesse e a consciência para o tema.

“O ideal é nunca esconder da criança a situação real. Às vezes, a criança pode até colaborar trazendo algumas ideias, sendo parceira. Em uma escola privada onde eu perguntei se alguém tinha renda, a maioria dos alunos levantou a mão e disse que tinha mesada. Mas uma aluna contou que estava vendendo doces para ajudar a mãe com a renda da casa para que ela não precisasse trabalhar tanto. Outra disse que trabalhava com redes sociais. Outro aluno disse que ajudava a mãe a vender cheeseburguer. Toda criança que se envolve com isso já está desenvolvendo uma consciência financeira”, sublinha a professora.

Livros para quem quer aprender sobre educação financeira

PARA ADULTOS

“Os Segredos da Mente Milionária” – T. Harv Eker
Um clássico da mentalidade financeira, esse livro explora como nossas crenças influenciam nossa relação com o dinheiro e oferece estratégias práticas para mudar hábitos e alcançar independência financeira.


“Me Poupe!” – Nathalia Arcuri
Escrito pela fundadora do maior canal de finanças do YouTube no Brasil, o livro traz dicas objetivas sobre economia doméstica, investimentos e como sair do vermelho com uma linguagem leve e divertida.


PARA ADOLESCENTES

“Pai Rico, Pai Pobre para Jovens” – Robert T. Kiyosaki
Adaptação do best-seller para o público jovem, o livro mostra a importância da educação financeira desde cedo, com conceitos sobre ativos, passivos, empreendedorismo e pensamento crítico sobre dinheiro.



“Vivendo Sem Mesada: Jovens no Controle de Suas Finanças” – Eliane Costa
A obra busca ensinar educação financeira de forma acessível e prática para jovens, abordando temas como organização financeira, como evitar dívidas e planejar o futuro. 


PARA CRIANÇAS

“O Menino do Dinheiro” – Reinaldo Domingos
Uma introdução lúdica à educação financeira para crianças a partir dos 6 anos. Conta a história de um menino que aprende, com a ajuda de um personagem mágico, a guardar, investir e doar dinheiro com sabedoria.


“Meu Dinheiro, Suas Finanças” – Neide Duarte (Coleção Itaú de Livros Infantis)
Um livro infantil com ilustrações e linguagem acessível, que ensina conceitos como poupança, troco e valor do dinheiro, incentivando o diálogo entre pais e filhos sobre finanças.

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