Quando a rematrícula vira estratégia e não só calendário
Levantamento mostra que antecipar o processo reduz inadimplência e aumenta a taxa de permanência dos alunos
De acordo com um levantamento da plataforma financeira e de gestão educacional Isaac, cerca de 80% dos alunos com potencial de rematrícula permanecem na escola no ano seguinte. Esse índice tende a ser ainda maior nas instituições que antecipam o processo: 82% entre as que iniciaram em outubro de 2024, caindo para 80% em novembro e 77% em dezembro.
O dado mostra uma tendência de abertura cada vez mais precoce do período de matrículas, uma estratégia que tem trazido resultados positivos. Além de favorecer a permanência dos alunos, ela contribui para a previsibilidade orçamentária, fortalecendo o caixa da instituição para o ano seguinte.
Quanto antes conversar com a família sobre o assunto, mais tempo a instituição tem para resolver eventuais situações, como a insatisfação com algum aspecto da relação, com a proposta pedagógica ou mesmo alguma dificuldade financeira, por exemplo. “Se em setembro a família aponta um problema pedagógico, a escola tem quatro meses para reverter. Se falar apenas em dezembro, não tem mais tempo”, aponta o diretor de Sucesso do Cliente da Isaac, Lucas Faleiros.
Outra vantagem de adiantar é priorizar o tempo da equipe. É natural que em novembro e dezembro se intensifique o esforço em captação. Para isso, o ideal é que as rematrículas já estejam praticamente resolvidas, permitindo que os colaboradores se voltem à busca por novos alunos.
A antecipação também pode ser definidora da escolha das famílias. É comum, especialmente na Educação Infantil, que a busca por uma instituição inicie já no primeiro semestre. Assim, quem inicia antes o período larga na frente.
Muitas escolas, contudo, têm receio de divulgar preços com antecedência para não dar margem à concorrência para um movimento de diferenciação. Por outro lado, se demorar demais, a família pode escolher justamente a instituição que possibilitou um planejamento antecipado.
Quanto mais cedo a escola engaja a família nesse processo, menor o risco de dívidas se transformarem em bola de neve. “Se está devendo desde o começo do ano, mas começa a conversar em setembro, são nove meses para resolver, a possibilidade de negociar é maior”, destaca Faleiros.
Segundo ele, escolas que se antecipam não só conseguem resultado melhor (o percentual de retenção chega a ser 12% maior), mas também têm volume menor de inadimplência, pois a família começa a priorizar o pagamento ou pensar em formas de resolver. O estudo do Isaac apontou que alunos que se matriculam mais cedo têm 10 vezes menos chances de ficarem inadimplentes do que os que o fazem no final do ciclo.
Daqueles matriculados em outubro de 2024, 15% foram classificados como de alto risco de inadimplência. No mês seguinte, esse número subiu para 17%, alcançando o ápice em fevereiro de 2025, com 41% de matriculados sendo considerados de alto risco. Conclui-se que o período de matrículas não fala só sobre a previsibilidade da escola: revela também o perfil dos responsáveis financeiros.
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Escolher um colégio é algo que se faz poucas vezes na vida. Por isso, essa decisão demanda grande envolvimento. As famílias vão sendo paulatinamente impactadas ao longo de meses, às vezes anos, motivo pelo qual a estratégia de comunicação não pode ficar restrita ao momento da matrícula.
“A gente tem janelas de entrada das matrículas, mas o esforço de comunicação acontece o ano inteiro. Isso é estratégico porque a decisão não se dá apenas na hora em que a pessoa enxerga o anúncio, mas ao longo de muitos meses”, explica o professor e coordenador de Marketing da PUCRS, Tiago Rigo.
Em relação à fidelização, o gestor deve estar atento a diversos fatores para evitar surpresas inconvenientes na hora das rematrículas. Pesquisas sobre grau de satisfação, índices de aproveitamento, propostas que engajem os alunos, aspectos que levem além do conteúdo tradicional, educação socioemocional e letramento digital são algumas ferramentas que ajudam a cativar o estudante.
Já para envolver a família, uma política de comunicação constante e eficiente é fundamental. Eventos que integrem a comunidade escolar também são bem-vindos. “É um processo de retenção ao longo do ano; criar inúmeras interações propositais para a família saber da estratégia pedagógica, concordando que é o que almeja para o filho”, aponta Faleiros. Ele destaca que essa relação próxima facilita, também, a equacionar eventuais pendências financeiras.
Há quem ofereça a rematrícula por aplicativo, o que facilita para as famílias e permite à instituição trabalhar também com uma previsibilidade. “Muitas escolas já estão falando sobre rematrícula em julho, então, dá tempo de trabalhar caso a caso, olhar individualmente e agir. É muito ruim chegar ao fim do ano e se surpreender com evasão. Isso é sinal de má gestão. Tem muitos dados disponíveis, temos que usar a nosso favor”, entende Rigo.
Já a conquista de novos alunos demanda uma operação melhor estruturada. Trata-se de um dever de casa para os gestores, que devem revisitar permanentemente o processo de recebimento dos interessados.
“O gestor deve olhar para a jornada do cliente, fazendo o caminho que a família vai fazer, ensaiando o que vai ser dito em cada lugar, etapas, documentos, dar luz para um processo que muitas escolas já rodam bem, mas com certeza há muita oportunidade. Dedicar tempo de reunião para revisitar isso”, sugere.
Faleiros observa que as campanhas, antigamente, eram focadas em outdoors, spots de rádio e panfletos. Algumas escolas, com mais capacidade financeira, chegavam a anunciar em televisão. “Hoje, para muitas, isso é 100% digital, baseado em métricas e fatores estatísticos. Tem evoluído para um lugar mais profissionalizado, estruturado e ‘metrificável’, portanto, muito mais racional”, compara.
Nesse contexto, é importante contar com uma equipe especializada ou contratar parceiros que definam a estratégia adequada de valor, posicionamento de marca, projeto pedagógico e tíquete médio. Fazendo bem esse desenho, fica mais fácil aplicar recursos de forma otimizada. Mas fique atento: um prazo estendido de campanha exigirá um orçamento maior.
Quando todos estão satisfeitos, é natural que queiram oferecer isso a outras pessoas. Por isso, as indicações estão entre os principais fatores que levam novos estudantes às instituições. Isso está diretamente relacionado à qualidade do serviço, alto índice de satisfação e bom rendimento em exames como o vestibular. Mas não basta.
É possível pensar em programas de indicação que funcionam por estímulos variados. Recompensas como desconto na mensalidade, atividade extraclasse gratuita ou algum brinde promocional são alguns exemplos que podem incentivar as famílias a levarem outros alunos para a escola.
A tecnologia que facilita a rematrícula é útil, mas o verdadeiro diferencial está na gestão interna. Para o consultor Lucas Faleiros, o CRM – sistema de “Customer Relationship Management” – é indispensável: ele registra cada passo da jornada de potenciais alunos, que pode envolver até 10 interações antes da matrícula. Sem esse controle, oportunidades se perdem.
Softwares financeiros também são valiosos ao automatizar cobranças e reduzir a inadimplência, mas têm caráter operacional. “O coração da escola é ensinar, captar estudantes e se comunicar com as famílias; a cobrança pode ser terceirizada”, resume Faleiros.
O Colégio Marista Santa Maria tem feito o dever de casa. Os contatos chegam sempre via CRM, que atende a rede em nível nacional e direciona para a unidade desejada. Normalmente, as famílias já chegam com a visita agendada. Nesse momento, entra em ação o planejamento.
“Temos uma planilha estruturada com todos os diferenciais de cada nível de ensino e as perguntas básicas, como horários, uniformes, lanches etc. A central de relacionamento acolhe, passa as informações pontuais e encaminha para entrevista e visitação”, explica o diretor do colégio, Alexandre Dias Lopes.
A visita pelos diferentes ambientes do colégio varia de acordo com o nível de ensino em questão. O tour pode incluir laboratórios, biblioteca, ginásio, salas de aula e espaços de convivência, por exemplo. Além disso, é feita uma entrevista pedagógica a fim de entender as necessidades, possibilidades e particularidades de cada aluno.
A antecipação do período de matrículas é outra característica do colégio. Lopes vê como uma tendência dos grandes centros, onde as instituições foram antecipando cada vez mais. Conforme isso aconteceu, as famílias também se ajustaram e hoje procuram entrevistas e visitas cada vez mais cedo.
“No período de férias tem gente que viaja projetando o ano seguinte. Agora, em julho, recebemos uma família do Mato Grosso, outra de Bagé, procurando vaga para 2026 com foco no ingresso no Ensino Superior, já que Santa Maria é um dos maiores centros universitários do Rio Grande do Sul”, contextualiza o diretor.
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