Saberes técnicos e humanos desafiam os gestores escolares
A dualidade entre ser chefe de empresa e líder de uma comunidade exige capacitação constante de quem administra instituições de ensino
A vida do gestor de uma instituição de ensino é um eterno equilíbrio entre cuidar de um negócio, com seus desafios intrínsecos, e administrar um grupo amplo e diverso de pessoas. Ou seria administrar um negócio e cuidar das pessoas? O fato é que tudo isso se confunde – ou melhor, não pode se confundir – o tempo todo. Para dar conta, é preciso acompanhar as tendências tanto em gestão, quanto nas relações humanas.
O mundo corporativo, por si só, já apresenta um cenário complexo, exigindo que se compreenda o perfil das novas gerações, o uso excessivo das tecnologias, com seus pontos positivos e negativos. “Temos um desafio muito grande relacionado às pessoas, no que diz respeito a comprometimento e engajamento”, alerta o professor do curso de Administração da Universidade de Passo Fundo (UPF) Anderson Neckel, que também é consultor de negócios na empresa MoveUX.
O dinamismo do mercado de trabalho é um ponto que merece atenção. Se antigamente as pessoas ficavam muito tempo nas empresas, criavam uma identidade e construíam carreira, hoje buscam oportunidades para empreender. Pode ser dentro da própria corporação, mas se não há espaço para isso, elas não hesitam em buscar novos desafios.
Sendo assim, cabe ao gestor recrutar profissionais de qualidade e mantê-los motivados. Segundo Neckel, o caminho está nas próprias pessoas. “A inteligência artificial veio para ajudar em aspectos operacionais, mas a gente depende sempre das pessoas”, acredita.
A velocidade exponencial com que a tecnologia se desenvolve faz com que as gerações também deem saltos mais rápidos. Essa profusão de novidades exige que o gestor esteja em constante atualização, a fim de estender essa compreensão às demais áreas da instituição de ensino. Neckel defende um pouco de oxigenação para garantir esse fôlego.
“Gestores que estão há cinco, dez anos no cargo, vêm de um acúmulo de atividades, às vezes entram no automático e não conseguem sair do chão, por fazerem muito o operacional. É importante olhar um pouco mais para as tecnologias, para as estratégias e deixar de lado o operacional, ou delegar mais essa parte”, sugere. Segundo ele, o gestor que aprende a delegar se desenvolve muito mais rápido e faz o negócio andar de forma mais dinâmica. “O que puxa tudo para ele patina no desenvolvimento”, sustenta.
Além do aspecto técnico da gestão, o líder de uma instituição de ensino não pode perder de vista as questões humanas. A finalidade da educação, vale lembrar, é a formação integral do sujeito, incluindo a cidadania. Nessa perspectiva, é correto pensar no gestor como tendo uma função importante no incentivo da cultura escolar, promovendo um ensino que valorize as diferentes áreas do conhecimento, sem hierarquizá-las.
Para alcançar esse estágio, é fundamental garantir a participação dos sujeitos que pertencem à comunidade escolar. Aí entra um ingrediente em comum com a gestão dos colaboradores. “A mobilização dos estudantes é um grande desafio. Estudos recentes mostram que o Grêmio Estudantil é um espaço de participação que vem diminuindo nas escolas”, lamenta a doutora e pós-doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Juliana Hass Massena, que atua na linha de pesquisa sobre Política e Gestão de Processos Educacionais.
A participação das famílias é outro desafio no dia a dia dos gestores. Na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, isso não fica tão evidente. Aos poucos, conforme os estudantes crescem, é comum que a presença dos responsáveis vá escasseando. Mas é importante organizar, mediar e fortalecer esse envolvimento, inclusive para que grandes decisões sejam debatidas de forma ampla.
O projeto político-pedagógico é um exemplo. “A participação das famílias não é importante apenas nas festividades, mas é possível pensar, por exemplo, na questão financeira. Quando a escola tem um recurso para gerir, pensar nas prioridades da escola. Não significa que as famílias vão decidir, mas pensar junto. Estudantes, famílias e profissionais”, comenta Juliana.
Anderson Neckel gosta de trazer a perspectiva da inteligência emocional e relacional. “Tivemos um certo caos pós-pandemia. Precisamos olhar para isso, as pessoas estão desenvolvendo ansiedade, até pelo excesso da tecnologia. Dizia-se que a próxima pandemia seria a das emoções, isso envolve as pessoas, os trabalhadores, alunos. Há uma complexidade em relação a isso”, destaca.
Inteligência relacional diz respeito às relações criadas com os pares. Seja internamente, com o time liderado, os colegas de trabalho, seja com o público atendido. Neckel entende que líderes que têm essa habilidade conseguem coordenar de uma forma muito simplificada as pessoas que estão abaixo no organograma.
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Construir um ambiente participativo é um processo de longo prazo. Juliana explica que a participação é pedagógica, em si, porque “quanto mais a pessoa participa, melhor ela participa; e quanto melhor participa, mais ela participa”. Em suma, é uma mudança cultural paulatina e retroalimentada. Uma vez colocado em prática, esse movimento cria sustentação.
“Uma questão fundamental é garantir os espaços de participação. A família não pode ser chamada à escola apenas por questões de indisciplina ou para discutir a nota. A gente tem uma cultura em que acaba chamando as famílias para a escola nesses momentos mais pontuais e não cria o senso de pertencimento”, observa Juliana.
Pode parecer algo distante, mas movimentos como a escuta coletiva é uma ideia de passo inicial para aumentar o engajamento de professores, pais e alunos nas decisões. Aliás, não apenas estes: o conceito de funcionário, em uma visão mais ampla, é fundamental para encorpar a cultura de uma instituição.
Fala-se muito – ou apenas – do papel de gestores, educadores, famílias e estudantes, mas se menospreza a participação dos demais profissionais. Este é um ponto nevrálgico na gestão escolar, pois as equipes que desempenham funções não pedagógicas (como na limpeza, portaria, segurança ou cozinha) também têm contato permanente com os demais entes. Eles fazem parte do ecossistema – e, portanto, da cultura – da instituição.
“É um grupo de profissionais que também compõe a escola e raramente é chamado a participar das decisões. No entanto, são indispensáveis, A escola não tem um bom funcionamento sem eles”, lembra Juliana. Quanto aos professores, segundo a pesquisadora, é recorrente o problema da falta de tempo e espaço para planejamento coletivo – seja da própria prática pedagógica, seja da escola como um grupo de pessoas que têm algo em comum.
Já que o corporativo não anda dissociado da gestão humana, Neckel lembra que os canais de escuta estão muito interligados com os conceitos de ESG – que reúnem aspectos ambientais, sociais e de governança. “Essa questão está em alta. As empresas precisam promover cursos e treinamentos que sejam mais reflexivos, tirando as pessoas da rotina, criando momentos para trocas. Todo mundo tem problemas que vêm de fora, temos que saber lidar com tudo isso”, preconiza.
Enquanto a escola segue sendo um organismo vivo, que traz um sem-fim de questões humanas, ela não deixa de ser uma empresa que deve ser vista como tal. Nesse aspecto, a tecnologia que servia como ponto de atenção passa a ser uma importante aliada.
A tomada de decisão com base em dados é crucial para a sobrevivência de qualquer negócio. Algumas ferramentas de inteligência artificial ajudam muito nessa questão, sem perder de vista a responsabilidade sobre os dados coletados, algo bastante sensível para instituições de ensino.
Para contextos numéricos, por exemplo, os algoritmos podem ajudar amplamente. “Quanto mais entender o perfil do público-alvo, as informações do mercado e usar a tecnologia para gerar parâmetros, mais fácil será criar uma estratégia sólida”, explica Neckel. Ele completa que existem boas ferramentas que ajudam a olhar para o negócio de forma sistêmica, analisando probabilidades sob a perspectiva de concorrentes, clientes ou fornecedores.
Há diversos caminhos para alcançar a excelência em tantos aspectos. Quanto ao ferramental e tecnológico, cursos rápidos e específicos em determinadas áreas, para quem já tem alguma base de conhecimento, são uma boa pedida. Pode ser uma alternativa interessante para compreender mais depressa um novo conceito, por exemplo. Outra possibilidade são cursos de pós-graduação focados em inovação e criatividade.
Para os gestores que não têm tanto acesso a cursos ou a outras instituições, o YouTube e outras plataformas de conteúdo, como o SINEPE/RS Play disponibilizam lições que, embora costumem ser mais superficiais, ajudam bastante. “A dica é sempre cuidar de onde está buscando as informações, para ter um pouco de segurança. Mas a gente encontra pessoas trabalhando conceitos de gestão nas redes sociais”, sinaliza o professor.
Já no que tange ao relacional e ao inclusivo, Juliana sugere uma formação continuada com olhar amplo, entendendo que a presença de diferentes grupos é um reflexo natural da sociedade e não se trata de uma concessão, mas de um direito. “O diretor tem a função administrativa e financeira, mas tem a pedagógica – que é o principal, porque ele é diretor de uma escola, o cerne é o processo pedagógico”, frisa a pesquisadora.
Por fim, mas não menos importante, aparece a questão da valorização. Segundo Juliana, é daí que vem a principal complexidade no engajamento dos profissionais, especialmente os professores. Primeiro, há um discurso corrente que leva a uma falta de reconhecimento à figura do educador. Depois, a tradução desse tratamento em termos salariais e de carreira acabam pesando bastante.
“São coisas que vão sendo tecidas ao longo do tempo que minam como esse profissional se enxerga. E também o clima escolar, como os sujeitos se sentem na escola. Isso o diretor pode conduzir. Não precisa oferecer profissionais especializados, mas também não pode ser um lugar de adoecimento. Tem que pensar em estratégias para construir uma cultura com senso de pertencimento”, resume a pesquisadora.
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