Sua escola está preparada para a próxima catástrofe climática?
Neste artigo, o jornalista Eduardo Borba destaca que discutir a COP30 exige refletir sobre a preparação das escolas para futuras catástrofes
Eduardo Borba é jornalista graduado pela PUCRS, pai, integrante de ações para promover a Diversidade, Equidade e Inclusão, como a Odabá – Associação de Afroempreendedorismo e a Comissão Antirracista do Colégio João XXIII. Autor de publicações e artigos voltados à Educação, colabora com conteúdos e aulas online para o Sinepe-RS. Mestre em Comunicação Social, é especialista em Direitos Humanos, Responsabilidade Social e Cidadania Global.
Sua escola está preparada para a próxima catástrofe climática? Seus educadores estão abordando esse assunto em sala de aula? Quantos diretores, coordenadores ou professores foram ou estão sendo capacitados em Educação para Redução de Riscos e Desastres? Os componentes curriculares estão acompanhando o movimento pós-enchente de 2024 no RS? Sua escola já teve contato com as atividades ou os materiais produzidos pelo Cemaden?
Ah, são tantas perguntas…
Esse é o bordão da Luna, protagonista do seriado de TV infantil brasileiro que adoro, “O Show da Luna!”. Sempre que posso, assisto ao lado do meu filho, que completa 9 anos neste mês. Acredito que muitas pessoas educadoras ouviram, ao menos uma vez, a trilha: “Esse é o show da Luna, tudo que é pergunta a Luna faz…”.
Para quem não lembra ou ainda não conhece, Luna é uma menina curiosa, personagem criada há mais de dez anos pelo estúdio de animação Pinguim Content para trazer, entre outras mensagens, a valorização da curiosidade infantil como fonte de aprendizado para a pessoa adulta. E mais: é uma menina que adora ciência! Poderíamos fazer uma roda de conversa apenas sobre esse seriado e sua mensagem que positiva a mulher como cientista, mas esse foi só o gancho para nosso assunto central.
A catástrofe climática que vivemos no Rio Grande do Sul em 2024 ainda é uma ferida dolorida. Dói lembrar das imagens, dói recordar as consequências trágicas, sejam em vidas perdidas, desaparecimentos, deslocamentos internos ou perdas materiais. Impossível não ter um sentimento de angústia ao evocar essas memórias em quem vive ou esteve por aqui, para prestar alguma forma de auxílio. Porém, quem atua na Educação, conhece o seu compromisso em construir conhecimento para lidar com futuras crises e desastres. E eles virão, lamentavelmente. É algo cada vez mais recorrente em nosso cotidiano.
“Desastres não são naturais. São uma construção social”. Ouvi atentamente essas palavras de uma cientista brasileira, a antropóloga Rachel Trajber, pesquisadora Nível A pelo CNPq, durante uma palestra feita em Porto Alegre. Como coordenadora do Cemaden Educação (falarei logo mais a respeito), ela esteve na aula inaugural da formação de dezenas de gestoras e gestores da educação pública. Abordou temas como riscos, ameaças, vulnerabilidade, capacidade adaptativa e mitigação.
Saber se sua escola está preparada para lidar com o próximo evento climático extremo, seja ele inundação, vendaval ou estiagem, fenômenos mais comuns em nosso Estado, não é uma provocação simples. Tem muita intencionalidade. Porém, não pode ser entendido como uma cobrança e, sim, como um despertar de consciência para guiar processos que vão do planejamento da equipe de gestão às crianças e jovens, passando necessariamente pelo projeto político pedagógico e pelas famílias.
Para falar de catástrofe climática em sala de aula é necessário acessar muitos recursos, mas o indispensável é a assimilação dessa realidade por meio de formação permanente. No último dia 4 de outubro, a Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) deu início ao curso “Justiça Climática e planos de proteção e resiliência climática nas redes escolares e escolas”. No programa, abordagens sobre fundamentos das mudanças climáticas; sustentabilidade, justiça climática e territorialidade; gestão de riscos, saúde mental e protocolos de resiliência.
Quantos profissionais da sua instituição de ensino estão entre as 340 pessoas inscritas?
Lá venho eu com o meu lado Luna, fazendo perguntas.
Existe uma sigla pouco popularizada nos veículos de comunicação ou de influenciadores. Ela também não está presente na Base Nacional Comum Curricular. No entanto, mais do que nunca, precisa ser (re)conhecida: ERRD – Educação para Redução de Riscos e Desastres. Esse conceito está intimamente ligado à forma como precisamos nos familiarizar, desde a mais tenra idade, às abordagens pedagógicas sobre crises climáticas.
Autoridade no assunto, o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), instituição de pesquisa vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), conta com o programa Cemaden Educação. Criado em 2014, atua junto às comunidades escolares e em parceria com diversas instituições, sendo reconhecido pela convenção da ONU sobre o clima. Seu idealizador é o climatologista Carlos Nobre, brasileiro contemplado com o Prêmio Nobel da Paz, em 2007, por sua participação no Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC).
Os 340 participantes da formação da UFRGS, que mencionei, irão se juntar às mais de 10 mil pessoas que o Cemaden Educação desenvolveu, nos últimos 11 anos, para transformar em comportamento responsável e conteúdo acessível tudo o que aprenderem. Mas se sua escola não está nessa turma, a boa notícia é que existe material gratuito, atualizado e de altíssima qualidade para ser estudado e aplicado.
Em 2025, a Nova Escola lançou dois e-books: “Introdução à Educação para a Redução de Riscos e Desastres (ERRD): O papel do gestor escolar”; e “Educação para a Redução de Riscos e Desastres: qual é o papel do professor?”. Ambas estão disponíveis para download na midiateca do Cemaden Educação.
Além disso, ao acessar o site, recomendo que conheça a campanha “Aprender para Prevenir”, que se renova anualmente, desde 2016, para apoiar instituições de ensino a lidar com o tema. As atividades estão vinculadas à promoção do Dia Internacional para a Redução do Risco de Desastres, uma data criada pela Unesco e recordada a cada 13 de outubro.
O Unicef e a Unesco definem ERRD como “um processo pelo qual os sujeitos de aprendizagem são motivados a construir uma compreensão das causas e consequências dos riscos de desastres, de modo a torná-los aptos a atuarem proativamente na prevenção, na mitigação, na emergência e a se tornarem resilientes aos desastres”.
Extrapolando essas aspas, a prática se traduz em ações educativas que vão além de promover a coleta seletiva de lixo ou plantar mudas de árvores no jardim ou no entorno da escola. Envolve o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, lidar com traumas, saber compreender e interpretar a previsão do tempo e os alertas emitidos pela Defesa Civil, bem como ter o discernimento sobre quem acionar ou para onde recorrer caso se confirmem as projeções mais severas.
De acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), as competências socioemocionais são habilidades que envolvem o autoconhecimento, a autogestão, a consciência social, as habilidades de relacionamento e a tomada de decisão responsável. Elas estão presentes de forma transversal nas 10 competências gerais da BNCC, promovendo o desenvolvimento integral dos estudantes.
Entre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável vinculados à Agenda 2030 da ONU, está o de Nº 4: Assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos. Esses objetivos macro são desdobrados em outros específicos, e seu cumprimento é monitorado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Um dos desdobramentos propõe “garantir que até 2030 todos os alunos adquiram conhecimentos e habilidades necessárias para promover o desenvolvimento sustentável, inclusive, entre outros, por meio da educação para o desenvolvimento sustentável e estilos de vida sustentáveis (…), valorização da diversidade cultural e da contribuição da cultura para o desenvolvimento sustentável”.
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Voltando ao meu “momento Luna”, questiono:
O ODS 4 faz parte das abordagens pedagógicas de sua escola?
Os 18 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e sua visão interdisciplinar são conhecidos pelos estudantes da rede de ensino ou do colégio em que você atua?
Quando falamos em termos como ERRD, outros conceitos vêm a reboque, como gestão de riscos, saúde mental, resiliência e justiça climática. Infelizmente, muitas ações preventivas vêm somente após as crises. Não basta erguer um muro mais alto ou pintar paredes com cores vivas para “esquecer” as marcas de uma inundação. É fundamental os estudantes compreenderem, também, o que é exercer incidência na política ou Advocacy e o poder transformador dessa atitude.
Ops! Será que estou mudando de assunto? Não, continuamos na mesma página. Acompanhe o raciocínio.
Pelo menos 80 mil pessoas foram afetadas pelo terremoto de magnitude 7,3 que atingiu Vanuatu, na Oceania, em 17 de dezembro de 2024. Composto por ilhas no Oceano Pacífico, o país com 330 mil habitantes teve, pelo menos, 12,5 mil crianças forçadas a começar o novo ano letivo em centros de aprendizagem temporários, como consequência do sismo, conforme levantamento da ONG Save The Children. O que o Governo de Vanuatu fez a respeito?
No dia 23 de julho, a Corte Internacional de Justiça, principal tribunal das Nações Unidas, declarou que os Estados têm obrigação legal de combater a crise climática. Segundo a Corte, não agir pode ser considerado um ato ilícito, abrindo caminho para que os países mais afetados busquem reparações legais. A decisão significa que cumprir tratados climáticos se torna um dever jurídico; países industrializados devem liderar ações climáticas; emissões que afetam outros países têm implicações legais.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), Advocacy é simplesmente o processo de influenciar pessoas para criar mudanças (OMS, 2006:16). Conforme o Unicef, Advocacy é o processo deliberado, baseado em evidências, para direta e indiretamente influenciar os tomadores de decisão, as partes interessadas e outros públicos relevantes para que apoiem e implementem ações que contribuam para o cumprimento dos direitos das crianças e das mulheres (UNICEF, 2010:3).
O entendimento dos impactos de uma catástrofe relacionada às mudanças climáticas protagonizadas por países industrializados levou o governo de uma pequena, mas corajosa nação, a conquistar um feito histórico perante a Corte da ONU. É um exemplo para todos os demais países. Nossos estudantes precisam saber que as consequências do que viveram no Rio Grande do Sul podem se transformar em influência política, qualificação da legislação e, por seu protagonismo, implicar em mudanças de escala mundial.
Para concluir, está chegando a COP30 – 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, entre os dias 10 e 21 de novembro de 2025, em Belém, do Pará. Trago, então, a última pergunta:
Faz sentido debatermos esse evento mundial, em nosso país, sem olhar para as questões trazidas acima?
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