Escolas investem em arquitetura para fazer dos ambientes parte do aprendizado

Instituições de ensino gaúchas vêm passando por reformulação na estrutura física para contribuir na aprendizagem por meio do ambiente

por: Vitória Leitzke | vitoria@padrinhoconteudo.com
imagem: Gemini

Apesar de ser algo que só é notado na fase adulta, o ambiente em que estamos influência desde o início da nossa vida. Se um local de trabalho legal, arejado e iluminado dá mais ânimo, assim como um quarto de bebê com cores claras, luz baixa e silêncio auxilia no hábito do sono, a escola também tem na sua arquitetura um impacto.

A ideia de “arquitetura como terceiro educador” vem da pedagogia Reggio Emilia e defende que o ambiente físico de uma escola é tão importante para o desenvolvimento da criança quanto a figura do professor (o primeiro educador) e dos pais (o segundo educador). Espaços projetados para serem flexíveis, colaborativos e inspiradores estimulam a curiosidade, a autonomia e a interação, transformando a escola em um laboratório de descobertas.

A discussão sobre o ambiente físico como “terceiro educador” ganha profundidade ao olharmos para os aspectos técnicos e conceituais que transformam um simples prédio escolar em uma ferramenta de ensino. O professor Nicolas Palermo, da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), detalha os pilares de um design escolar intencional.

“Alguns estudiosos falam em arquitetura didática, que seria aquela na qual se pode ler de maneira clara e visual quais as diretrizes com as quais foi pensada. Também seria possível falar em arquitetura docente, que de maneira mais neutra e ampla qualifica edifícios ou projetos dedicados ao ensino”, explica.

Em relação ao custo-benefício de grandes reformas ou novos projetos, Palermo afirma que, embora a inovação arquitetônica seja um diferencial competitivo para escolas e universidades no mercado, o foco principal é pedagógico. “Além de procurar destaque no mercado, esses investimentos visam efetivamente melhorar as condições de aprendizagem e trabalho para alunos, docentes e colaboradores”, finaliza.

“Higienização” dos ambientes

O ponto de partida é o bem-estar físico, que impacta a concentração. Palermo destaca a importância de elementos básicos para “higienizar” os ambientes.

“Primeiramente, é necessário que os espaços de ensino tenham boa iluminação natural e ventilação cruzada – aquela proveniente de duas janelas colocadas em paredes opostas. Ambos higienizam os ambientes de sala de aula. A insolação, se bem controlada, oferece a luminosidade perfeita para o trabalho dos alunos”, comenta.

Além da funcionalidade, o fator estético e o tato são fundamentais para a criação de um ambiente acolhedor. “A qualidade espacial virá de planos opacos (paredes, pisos e tetos) tratados devidamente com acabamentos como a madeira ou cores que tragam sensação de aconchego“, explica. Esses elementos, segundo ele, são capazes de instigar a criatividade, dando ao mesmo tempo certa sensação de tranquilidade.

Flexibilidade e autonomia

O mobiliário e a organização interna da sala são os instrumentos mais diretos para fomentar a colaboração. O professor enfatiza a necessidade de flexibilidade.

“O mobiliário deve ser flexível, isto é, permitir que se possa adotar diferentes configurações. Por exemplo: mesas que podem ser colocadas separadas para que todos os alunos se sentem separados ao prestar um exame, mas que também permitem ser agrupadas, formando grandes tampos para desenvolvimento de trabalhos coletivos”, ressalta.

Essa capacidade de reconfiguração estimula a integração e a troca de saberes. Paralelamente, a organização de materiais deve reforçar a autonomia. “Estantes e prateleiras que oferecem livre acesso a livros e materiais pedagógicos estimulam nos alunos a determinação e a autonomia para que resolvam problemas ou desafios propostos em aula”, sugere Palermo.

Neurociência e natureza

Embora a relação entre cores, luz e estado emocional seja estudada por arquitetos desde o início do século 20, seus benefícios ao corpo e à mente são hoje confirmados pela neurociência. A conexão com o exterior é igualmente crucial.

“A presença de vegetação em pátios ou jardins externos contíguos aos espaços docentes (e visíveis desde estes) é bastante importante. É fundamental que os alunos tenham acesso direto a árvores, canteiros e hortas. Além de proporcionar bem-estar, ajudam a estreitar a relação com o meio-ambiente“, destaca.

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Arquitetura como proposta pedagógica

A aplicação prática da arquitetura como “terceiro educador” já é uma realidade em diversas instituições do Rio Grande do Sul, seja na capital ou no interior. Um dos exemplos mais recentes é a inauguração do novo prédio exclusivo para a Educação Infantil do Colégio Farroupilha, em Porto Alegre, prevista para fevereiro de 2026.

A iniciativa do Farroupilha, que celebra seus 140 anos, materializa o conceito discutido pelo professor da UFRGS. O novo edifício de 27 mil metros quadrados foi projetado não apenas para abrigar alunos, mas para atuar como um agente ativo de aprendizagem.

O projeto foi cuidadosamente elaborado com a participação dos professores para promover o desenvolvimento integral das crianças. Buscamos também referências no mundo, como Finlândia e Itália”, explica a diretora-geral do Colégio Farroupilha, Marícia Ferri.

Cada uma das 22 salas de aula terá piso aquecido, uma varanda com deck e um gramado particular. Além disso, espaços lúdicos e provocadores foram criados com propósito pedagógico, como a cozinha de lama, o minianfiteatro e a casa na árvore.

O terraço funcionará como uma grande “praça” de convivência, incluindo um chafariz com água aquecida, ponte de cordas e a minicidade (com restaurante, pet shop e clínica médica) para estimular o desenvolvimento da cidadania e a compreensão do mundo. Em linha com a importância da biofilia, haverá uma horta que receberá os cuidados das próprias crianças, fornecendo alimentos a serem consumidos por elas, estreitando a relação com o meio ambiente e o ciclo alimentar.

Projeção do novo prédio que está sendo construído na capital gaúcha | Colégio Farroupilha/Divulgação

O investimento do Colégio Farroupilha na nova estrutura não se limita ao design pedagógico; ele se estende ao compromisso com a saúde e a sustentabilidade, buscando o alinhamento com padrões internacionais de excelência. Uma das práticas adotadas é a implementação de um dos sistemas de tratamento de efluentes mais avançados, disponibilizando água de reuso de excelente qualidade para irrigação, limpeza e sanitários.

O edifício foi planejado para receber a certificação Leadership in Energy and Environmental Design (LEED), atestando seu design e construção sustentáveis e de baixo impacto ambiental.

Prédio educacional “dos sonhos”

O interior do estado também demonstra a concretização de um design pedagógico intencional. A Escola Santa Mônica, de Pelotas, exemplifica como a construção do zero permite uma arquitetura totalmente alinhada à filosofia de ensino.

O diretor da instituição de ensino, Enio Ferreira, relata que a última unidade, agora com oito anos de funcionamento, partiu da ambição de construir um “prédio educacional dos sonhos” em um espaço de 40 mil metros quadrados. A experiência de modificar prédios antigos deu lugar a um projeto focado em máxima eficiência e conforto, partindo das condições ideais de localização. “O foco era posição solar, posição dos ventos, fazer um prédio com autonomia de totalmente para a sustentabilidade, onde ele tivesse conforto térmico, acústico, conforto de luz”, comenta Ferreira.

O projeto materializou essa visão por meio de uma construção mista, utilizando alvenaria e drywall, com tetos de forro acústico e isolamento termoacústico. A meta era “despontar no aluno a maior tranquilidade” e garantir que o prédio estivesse integrado ao contexto verde de Pelotas, um ambiente propício à aprendizagem.

O grande diferencial dessa unidade está na organização didática do espaço, que é segmentado em “universos” que acompanham o ciclo de desenvolvimento do aluno: 

  • Universo do Descobrimento (Educação Infantil): destinado aos anos iniciais, o bloco é pensado para atrair e confortar a criança que chega à escola. Ele foi construído todo para trazer este ambiente de conforto, atrativo e colorido, realmente para a criança se sentir muito bem.

  • Universo do Conhecimento (Ensino Fundamental e Médio): as salas de aula regulares, onde acontece a maior parte do ciclo de 12 anos, são dedicadas ao aprofundamento do conteúdo.

  • Universo das Habilidades e Competências (Salas Temáticas e Laboratórios): este bloco concentra os espaços práticos e de desenvolvimento de soft skills, reforçando a autonomia e a cultura maker: laboratórios de ciências, laboratórios específicos, espaços de inovação, sala multissensorial e espaços de multiconvivência.


Complementando a arquitetura interna, há um forte investimento nas áreas externas, fundamentais para o desenvolvimento integral e o lazer. Toda a área verde da instituição é utilizada pedagogicamente, contemplando a Horta Pedagógica e a Fazendinha, criando um universo escolar multidisciplinar e integrado.

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