Escolas buscam estratégias para limitar celular em viagens

Soluções de comunicação e acordos com famílias podem reduzir a dependência dos aparelhos em atividades externas

por: Pedro Pereira | pedro@padrinhoconteudo.com
imagem: IA / Gemini

A proibição do uso de smartphones nas escolas trouxe uma série de questões, muitas delas já bastante tratadas aqui no Educação em Pauta. Um dos aspectos que ainda desafia algumas instituições e famílias é a comunicação com os estudantes durante viagens escolares ou atividades externas. A receita para equacionar esse ponto conta com um ingrediente simples, mas muitas vezes complexo de se colocar em prática: o diálogo.

O caminho é estabelecer uma relação de confiança entre a escola e a família. Esse entendimento deve ser abrangente, começando pelo óbvio cuidado com a segurança dos estudantes e passando pelas soluções pedagógicas pensadas como alternativa ao uso dos dispositivos móveis. Ter uma dinâmica bem estabelecida e, principalmente, eficiente faz com que tudo flua normalmente.

Criado antes mesmo da proibição oficial dos celulares nas escolas, o Movimento Desconecta aposta na união entre família e escola para orientar melhor o desenvolvimento das crianças e adolescentes. O grupo preconiza que a entrega de um smartphone a um adolescente deve ocorrer somente depois dos 14 anos, e o uso de redes sociais, ser liberado apenas depois dos 16. Além disso, estimula a criação de grupos de responsáveis que atuam em conjunto com as instituições de ensino.

“O que propomos é um grande combinado entre as famílias para adiar a entrega do primeiro celular e o acesso a redes sociais. Agimos dentro das comunidades escolares, fornecendo material e ajuda em atividades”, explica a cofundadora do Movimento, Fernanda Machado, que é fonoaudióloga especializada no atendimento de crianças.

A dinâmica prevê que cada escola eleja um representante das famílias que seja voluntário para tocar as iniciativas. É essa pessoa quem recebe um guia com passo a passo, modelo de mensagem e toda a estrutura do Desconecta.

O acordo firmado entre as famílias acaba minando um dos argumentos mais recorrentes para se entregar o celular a um adolescente: a clássica frase “todos os meus amigos têm”. Mas é mais do que isso. A troca de informações sobre os malefícios do uso precoce e a contribuição de toda a comunidade escolar para que não haja gargalos na comunicação – que, sim, é uma grande vantagem dos dispositivos móveis – e a adoção de alternativas eficazes para atividades pedagógicas fazem com que a proibição do celular seja cumprida (praticamente) sem sofrimento.

No Colégio Marista Rosário, de Porto Alegre, o uso do celular fora da sala de aula nunca havia sido proibido até a criação da nova legislação, mas o regimento já alertava que o ideal era que não fosse utilizado. A instituição defende o diálogo e sempre apostou nele para conduzir essa questão.

A vice-diretora educacional, Vivian Bitello Monteiro, conta que até o quinto ano é mais tranquilo, até pela presença maior das famílias. “A partir do sexto ano, a gente notava que eles começavam a trazer, faziam algumas ações inadequadas, havia falta de maturidade em relação ao uso”, recorda.

Por isso, conversas com os estudantes para frear o uso em todas as dependências da escola já haviam iniciado. Nas aulas, os professores dão preferência a equipamentos da própria instituição, como tablets e notebooks. A lei deu embasamento para coroar esse processo.

Distância não é desculpa

Mas faltava um estágio: as viagens. É por meio do celular que os estudantes costumam mandar notícias aos familiares. Não raro, um passeio escolar é a primeira vez que se afastam ”sozinhos”, o que causa certa aflição nos responsáveis.

Segundo Vivian, o Colégio Rosário adota uma estratégia para que os estudantes possam aproveitar a experiência de forma mais imersiva e, ao mesmo tempo, as famílias não sejam privadas nem mesmo de acompanhar as atividades. A equipe contrata uma agência que ofereça registros fotográficos, compartilhados por meio de um grupo ou uma lista de transmissão no WhatsApp com os pais.

“O estudante leva o seu aparelho, mas a gente pede, nas reuniões, que os pais falem o mínimo possível, que eles não utilizem. Os educadores que acompanham as turmas também pedem recorrentemente para que não usem”, conta a vice-diretora.

Recentemente, um grupo de quinto e sexto anos do Ensino Fundamental viajou até a região das Missões, no oeste gaúcho. O deslocamento de seis horas de ônibus contou com jogos para entretenimento geral. Enquanto isso, os telefones ficaram em uma caixinha – sob o acordo de que à noite haveria um horário para contatar a família e, depois, seriam novamente desligados. Em caso de necessidade, a própria escola entraria em contato com os responsáveis.

Vivian conta que muitos estavam viajando pela primeira vez. Esse acolhimento também é importante para que eles se sintam seguros longe do celular: os professores explicaram que estariam junto, que veriam filmes, entre outras alternativas.

“Quando se tem regras e alinhamento pedagógico, não tem problema. Claro que um ou outro usava, às vezes, dizia que era a mãe… Eu pedia para avisar que estava tudo bem e desligar. Este ano funcionou muito bem, nenhum problema foi registrado em viagens pedagógicas e culturais”, enaltece.

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União entre família e escola

No começo de 2024, Maria Luísa Schneider ingressou no Ensino Fundamental do Colégio Rosário e a mãe, Elisa Torelly, não sabia muito bem como funcionava (e como deveria funcionar) o uso de smartphones pelos estudantes da mesma faixa etária da filha. Ao pesquisar sobre o assunto, entendeu a importância do diálogo e pensou em unir as principais escolas de Porto Alegre como pontapé inicial para que elas concomitantemente adotassem a restrição do uso de aparelhos eletrônicos no ambiente escolar.

Depois de ter conversado com algumas mães de outras comunidades escolares e dentro do próprio colégio, acabou conhecendo o então recém-fundado Movimento Desconecta. “Vi que tinha tudo o que a gente precisava, eu nem teria tanto tempo para construir tudo que elas construíram. Criaram material gráfico, identidade visual e pauta de princípios”, comenta Elisa, que hoje integra o grupo de trabalho de Políticas Públicas do Movimento e é uma das lideranças do projeto junto à comunidade escolar do Rosário. Além de Maria Luísa, ela também é mãe de Caetano, quatro anos, que frequenta a Escola Caracol, de Educação Infantil.

O acordo entre as famílias trata-se literalmente do que o nome sugere. Uma vez feita a parceria com uma instituição de ensino, basta acessar o site do Movimento Desconecta e assinar um termo. A adesão integral trata do compromisso de adiar a entrega do primeiro smartphone ao filho até, pelo menos, os 14 anos, e o acesso às redes sociais, até os 16 anos. Já o acordo parcial traz apenas a parte das redes sociais.

Diálogo também funciona em casa

Os pais de Maria Clara Noll, do segundo ano do Ensino Fundamental, sempre se preocuparam com o uso de telas e redes sociais. A atenção ao assunto crescia conforme ela se aproximava da idade escolar – e seu interesse pelo celular aumentava. Ao ingressar no primeiro ano, o pai, o servidor público Guilherme Noll, intensificou os estudos e teve contato com a ideia embrionária de criar um núcleo do Movimento Desconecta no Colégio Rosário, ao que aderiu prontamente.

“Já percebíamos uma contaminação do celular tirando a atenção das crianças, a interatividade entre elas, especialmente na questão do relacionamento. Sempre fomos contra”, relata Guilherme. Mesmo separados, ele e a mãe de Maria Clara, Laura Raupp, mantêm o diálogo com a filha e o monitoramento constante do uso das telas. Eles também procuram conversar com os pais dos amigos dela, para saber como lidam com essa questão, já que as crianças passam bastante tempo juntas.

Como nunca teve acesso – a não ser um aparelho antigo, que servia apenas para ouvir música e, depois de estragado, nunca ganhou um sucessor –, a pequena sequer sente falta, embora reconheça que seria útil para algumas coisas. “Eu não sinto falta porque prefiro ver TV e gosto muito de ler, mas o fato de meus amigos terem me faz ter vontade de ter também, para ouvir música e poder me comunicar com eles”, admite.

Maria Clara ainda não viajou com a escola para atividades que durassem mais de um dia, então a família não passou pela experiência de ter a comunicação limitada. Mas, como Guilherme é um dos líderes do Movimento Desconecta na instituição da filha e atuante também na Associação de Pais e Mestres, já debate essa questão junto à direção e a outras famílias.

Segundo ele, o problema maior muitas vezes está nos próprios pais. “Na viagem que a Maria fez, passou o dia fora e a grande maioria dos pais estavam ansiosos, colocando tag nos filhos, querendo saber que horas voltariam… Sendo que estavam absolutamente sob o cuidado da escola”, comenta. “E estávamos com a professora, estava tudo bem”, completa a filha.

É da força do diálogo e a partir da confiança mútua que nasce a solução. Segundo os pais que integram o Movimento Desconecta, o Colégio Rosário sempre se mostrou aberto para iniciativas que ajudassem a manter as crianças e os adolescentes longe das telas. Além de utilizar os próprios canais de comunicação para engajar as famílias, o colégio foi o primeiro do Sul a promover um acordo coletivo de adesão ao compromisso proposto pelo projeto.

“Nosso movimento tira um pouco o peso da escola. Não queremos que ela resolva tudo, por isso assumimos nossa parte como pais. Até porque a instituição proíbe durante o horário escolar, mas e depois? Para as famílias, vale o mesmo princípio. O que vamos colocar no lugar da tela?”, reflete a cofundadora Fernanda Machado.

Um provérbio africano diz que é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança. Pois se é assim, que se estabeleça uma rede de comunicação integrada a fim de garantir que os estudantes tenham acesso aos celulares apenas quando for indispensável – e sempre sob supervisão. Eles aprendem pelo exemplo, como no caso de Maria Clara. Se ficar bem combinado, pode significar o fim do “mas só eu não tenho”.

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