Os reflexos e as soluções no aprendizado das crianças na pandemia

Apesar das defasagens nos estudos, educadores e especialistas apontam estratégias para auxiliar os alunos do Ensino Fundamental

por: Eduardo Wolff | eduardo@padrinhoconteudo.com
imagem: Deposit Photo

Até o final de 2021, as crianças mais novas saíram mais e retornaram menos da escola do que as mais velhas. Esse é um dos dados da pesquisa “Retorno para Escola, Jornada e Pandemia”, desenvolvida pela FGV Social. A perda de matrículas na pandemia para faixa de cinco a nove anos revela uma volta aos níveis de 2006. Por conta disso, as instituições precisam recorrer a estratégias para contornar esse problema.

Antes do que está sendo feito, vale contextualizar a situação:

>> O tempo para escola médio para o grupo de seis a 15 anos, em setembro de 2020, foi de duas horas e 23 minutos por dia útil, cinco minutos inferior à média da faixa de 15 a 17 anos.

>> No Rio Grande do Sul, o período médio de escola na pandemia para estudantes entre seis e 15 anos de idade é de duas horas e 14 minutos por dia, posicionando o Estado em 14° lugar no ranking nacional. 

>> Nas idades de 15 a 17 anos, são oito minutos a mais na comparação com a faixa anterior, por dia útil de estudo, incluindo os que não estão matriculados (com o tempo zerado). Nas duas faixas etárias, o tempo médio de escola ficou na metade do ranking nacional. 

>> De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), a jornada escolar no Brasil corresponde a 4 horas por dia, índice considerado baixo em comparação com outros países. 

>> Mais de 70% das escolas das redes estaduais, federal e privada adotaram aulas em tempo real pela internet, televisão ou rádio, no entanto nas redes municipais esse percentual cai para 31,9%, conforme indica o Censo Escolar de 2021. Mesmo com o esforço e a disponibilidade de aulas e recursos diversos, o engajamento dos estudantes foi limitado, ou seja, poucos dias por semana e horas por dia.

Em uma pesquisa de mestrado na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) da neuropsicóloga Bruna Scheffer, 50 crianças de oito a 12 anos foram avaliadas em tarefas neuropsicológicas com o resultado nos mesmos testes em 100 crianças da mesma faixa etária, até 2019. O levantamento apurou as funções cerebrais e cognitivas em atividades como escrita de palavras e compreensão de texto ou compreensão leitora. Entre 2021 e início de 2022, as crianças demonstraram ser até duas vezes mais lentas para executar uma série de tarefas cognitivas, apresentando prejuízo em sua performance na escrita e na compreensão de histórias. Pais e crianças passaram a ler e a escrever com menos frequência.

Quais foram as defasagens de ensino? 

Para o doutor em Educação, fundador da Meta Aprendizagem e co-fundador da Moonshot Educação, Paulo Tomazinho, as defasagens podem ser classificadas em pelo menos duas categorias: de ensino e educacional. 

“Embora muitas pessoas confundam, educação é um conceito muito mais amplo que escolarização ou ensino-aprendizagem. O ser humano e as crianças em especial são capazes de se educarem sozinhas pelo convívio social, aprendem com os outros e pelos outros, valores que formam sistemas de crenças que moldam e justificam seus comportamentos perante outras crianças, família e grupos sociais”, contextualiza. 

Paulo Tomazinho, doutor em Educação, fundador da Meta Aprendizagem e co-fundador da Moonshot Educação

A defasagem educacional promovida pela pandemia é caracterizada por um atraso ou não desenvolvimento de habilidades socioemocionais ligadas às interações sociais e criação de vínculos, que são fundamentais para toda criança. “De outro lado, temos as defasagens de ensino-aprendizagem, por exemplo, o não desenvolvimento ou desenvolvimento incompleto de habilidades de leitura e escrita, que são indispensáveis para a construção de outras aprendiazgem”, comenta. 

O consultor educacional destaca que quanto menor a criança, provavelmente maior será a defasagem. “Mas a grande verdade é que ninguém sabe ao certo o que elas de fato aprenderam durante a pandemia. São muitos ‘gaps’ de aprendizagem que todos, professores, gestores e famílias, vamos ter que primeiro identificar para depois tentarmos fechar esses gaps caso a caso”, frisa.

Já para a pedagoga e coordenadora do Grupo de Pesquisa “Processos Motivacionais em Contextos Educativos” da PUCRS, Bettina Steren dos Santos, enfatiza a interação social como bastante afetada. “As crianças perderam muito o fato de não terem o espaço de convivência com os colegas e os professores. O que acarreta uma dificuldade afetiva e de aprendizagem”, salienta.

As diferenças sociais que as crianças vivem (o contexto familiar) foram relevantes nos estudos. “A realidade de onde vivem, tudo isso afeta a vida delas. As famílias possuem espaço adequado para estudar. Sem dúvida, o desenvolvimento foi diferente. A parte positiva é que as crianças estão aprendendo outras coisas, de maneiras diferentes. A convivência familiar foi algo bastante estimulado”, complementa.

Bettina Steren dos Santos, edagoga e coordenadora do Grupo de Pesquisa “Processos Motivacionais em Contextos Educativos” da PUCRS

Mesmo com todas as dificuldades, Bettina enfatiza o trabalho desempenhado pelos docentes, que fizeram o possível dentro do seu alcance nestes dois anos de pandemia. “Foram produzidos vídeos individualizados para as crianças. Também conheço histórias de professores que fizeram xerox e entregaram nas casas dos alunos”, exemplifica Bettina. 

Como contornar esse cenário?

A metodologia ativa é uma das opções para solucionar o atraso no ensino. “É interessante falar de temas que sejam interesse das crianças, com o intuito de motivá-las no processo de aprendizado e poder ser ensinado por meio de jogos, a gamificação. Outra forma é um maior diálogo entre as famílias e as escolas. Uma conversa mais aberta pode ajudar a contornar essas dificuldades”, destaca a coordenadora da PUCRS.

Para Tomazinho, muito se fala em recuperar o tempo perdido com mais horas de aula, momentos de revisão e reforço. “Particularmente, tenho orientado grupos educacionais e sistemas de ensino a uma abordagem mais essencialista. O essencialismo é uma corrente de pensamento que foca na priorização do essencial, no popular menos e mais, mas menos porém melhor”, diz. 

Para o especialista, a ideia central é priorizar o currículo para trabalhar menos conteúdo, mas de uma forma que transforme o ensino em aprendizagem mais significativa para os alunos. “Talvez, querer ‘recuperar o tempo perdido’ cause uma sobrecarga de informação tão grande na mente dos alunos, que esse excesso de conteúdo não consiga ser minimamente assimilado e aprendido pelos alunos”, complementa.

Colégio investe em acompanhamento individualizado

Além de uma aula dinâmica e bastante consistente, preocupada com a qualidade educacional, o Colégio Marista Champagnat, de Porto Alegre, investiu no acompanhamento individualizado de cada estudante. Especialmente os que apresentavam dificuldades de aprendizagem durante a pandemia. 

“Oferecemos os estudos de recuperação no turno inverso. Realizamos o envio de material extra e disponibilizamos a impressão dos mesmos, caso fosse uma necessidade do estudante”, destaca a vice-diretora Educacional, Shirley Cardoso.

O colégio implantou os sábados letivos, com temas relevantes para as aprendizagens e desempenhos das turmas. “Utilizamos plataformas digitais no auxílio das atividades, tais como Matific e Elefante Letrado, além da utilização do Marista Virtual 3.0, plataforma usada na prática pedagógica para o envio de materiais e atividades, e do Microsoft Teams, de acesso ao chat de comunicação, avisos gerais e transmissão das aulas remotas”, explica.

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