Se os dados são o petróleo do século XXI, as escolas têm verdadeiras fortunas sob sua responsabilidade – afinal, guardam informações sensíveis de crianças e adolescentes. Por isso, é fundamental entender o papel da segurança digital. Em entrevista, a advogada Patricia Peck dá dicas para proteger instituições, alunos e familiares.
“O setor educacional é um grande alvo de ataques cibernéticos porque os dados tratados são muito valiosos e é necessário todo um aparato de segurança da informação”, alerta.
Entre outros pontos, ela aborda os riscos das fake news e aponta caminhos para que as instituições de ensino se protejam e trabalhem o assunto junto aos alunos, formando cidadãos críticos em um mundo onde a informação está cada vez mais difusa. Além disso, Peck traz dicas importantes sobre a proteção de dados, riscos jurídicos e protocolos a serem seguidos.
Como as instituições de ensino costumam lidar com o ambiente digital? Estamos muito longe do ideal?
A tecnologia se tornou uma ferramenta eficaz na educação, o que fez com que o ambiente escolar migrasse também para um ambiente digital. Os espaços de aprendizagem, em diferentes níveis de ensino, têm sido transformados pela tecnologia e as escolas ainda estão se adaptando a essa realidade. Muitos dilemas persistem.
Desde as ferramentas tecnológicas educacionais até o uso de redes sociais na escola ainda são motivo de dúvidas entre profissionais da educação, pais e alunos. Estamos em um momento de adaptação e entendimento da nova rotina. Principalmente no que diz respeito à necessidade de uma abordagem mais colaborativa entre família e escola para orientar sobre o uso ético, seguro, saudável dos recursos digitais por jovens alunos.
Qual é o comportamento ideal?
Precisamos entender que o ambiente virtual reflete o ambiente físico, ou seja, as mesmas regras de comportamento e de conduta se aplicam em ambos os espaços. Em uma aula virtual, por exemplo, devemos manter as disposições da sala de aula, com respeito às regras institucionais. Esse é um bom tema para se tratar com os alunos, inclusive: aprenderem que o comportamento na internet gera impacto em suas vidas e que vai muito além da sala de aula.
Como desenvolver senso crítico nos alunos, especialmente na educação básica?
Vivemos uma certa precocidade no acesso às mídias e ao celular. Isso faz com que tudo em excesso possa de algum modo acarretar riscos ou desvios. Por isso, o ideal é que desde pelo menos o primeiro ano do Ensino Fundamental, na faixa de 6 anos de idade, já se comece a orientar sobre como fazer uma senha segura, como evitar a superexposição na internet, que não se deve participar de plataformas que não sejam para a idade mínima recomendada e que é fundamental usar dispositivos com recursos de segurança e algum controle parental.
Estas recomendações, se partirem da escola, vão alcançar jovens e famílias. E ajudam a desenvolver o senso crítico logo de início, para saber fazer melhores escolhas, que vão desde escolher sobre conteúdos e conexões, por onde navegar, afinal “diga-me com quem navegas que eu te direi quem és”.
Qual o peso das fake news no coletivo e como a Educação pode ajudar nesse processo, estabelecendo uma relação saudável da sociedade com o ambiente virtual?
O maior efeito da sociedade da desinformação é a perda da confiança no conteúdo e nas fontes. Hoje temos que ensinar o jovem como checar os fatos e verificar melhor a credibilidade de uma informação. Ou seja, a sociedade da aparência, da mentira, da falta de transparência, da distorção, com certeza, afeta o modelo mental sobre ética – e, com isso, afeta o comportamento não apenas na infância, mas pode afetar de forma profunda o caráter para a transformação nos futuros adultos.
As fake news estão muito ligadas ao contexto político nos últimos anos. Mas há muitos outros casos que já levaram, direta ou indiretamente, até mesmo à perda de vidas humanas. Como explicar isso para a sociedade e combater as fake news em toda a extensão do problema?
Combater as fake news em toda a extensão do problema é um ponto muito difícil e complexo de se resolver. O conteúdo se espalha rápido e, na internet, todo mundo está sujeito a ser enganado por ele. Independentemente do contexto da desinformação, sempre haverá impacto social de alguma forma.
Dependemos de políticas públicas, legislação, forças de segurança pública, ou seja, dependemos de um trabalho conjunto de várias frentes, inclusive o setor educacional. A escola precisa criar no estudante esse senso crítico, que permita duvidar se algo parece bom demais para ser verdade ou é absurdo demais, se há fonte confiável ou embasamento. É um local de aprendizado não só para o aluno, mas para os educadores, a família, os funcionários etc. Todos podem – e devem – atuar para combater a desinformação.
Qual o potencial do deep fake e da inteligência artificial – e que efeitos eles podem ter na sociedade nos próximos anos?
Quanto ao deep fake, uma forma de ferramenta de IA que permite fazer a manipulação de som, imagem e textos, pode ter um uso catastrófico na sociedade. Muitos sistemas de IA são projetados para certas tarefas e acabam sendo “desvirtuados” da função original e utilizados para fins maliciosos. Infelizmente, como tem acontecido com o deep fake que acabou ficando conhecido mais pelo potencial de utilização em fraude, crimes, pedofilia.
A inteligência artificial em si é benéfica para a sociedade, e o Brasil é um dos países que mais investem nela em todos os setores econômicos. Futuramente, estaremos cada vez mais envoltos com a IA e sua utilização cotidiana para tarefas diárias, trabalho, serviços públicos, em todo lugar.
Como as instituições de ensino podem estabelecer uma relação segura com esses recursos, no sentido de se protegerem judicialmente?
O Brasil ainda não regulamentou a IA e ainda tramita a proposta legislativa do assunto. Juridicamente falando, há outras leis que podem ajudar a blindar a escola nesse contexto, como o Direito Civil, a LGPD e o Marco Civil da Internet.
Assim, é indicado que a instituição de ensino tenha políticas, contratos, códigos alinhados com a legislação vigente, bem como pratique internamente as regras de compliance, forneça treinamentos aos colaboradores, medidas básicas para se adaptar ao contexto de educação digital.
O ensino caminha para uma abordagem cada vez mais tecnológica. Qual a relevância do ensino da ética para que os profissionais do futuro reflitam criticamente sobre os impactos das novas tecnologias na sociedade?
Como a sociedade está cada vez mais tecnológica, os conceitos sociais se modificaram para o novo contexto. A ética sempre foi um reflexo da sociedade e, com a tecnologia, passou a abranger o mundo digital.
Os valores e princípios que antes eram relativos à vida em ambiente físico se adaptaram para uma abordagem que abrange o ambiente digital. E para o futuro teremos profissionais com perspectivas diferentes, profissões acabarão e outras serão criadas em meio à tecnologia. Nesse sentido, o ensino da ética digital é importante na formação do indivíduo, para que no futuro ele esteja contextualizado do seu papel na sociedade da informação.
Quais os principais riscos das instituições de ensino em relação à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)? Como elas podem se precaver desses riscos?
Quanto à proteção de dados pessoais, as escolas devem ter atenção ao fato de tratarem dados pessoais de crianças e adolescentes, bem como dados sensíveis, o que torna o tratamento de alto risco, pela lei.
O setor educacional é um grande alvo de ataques cibernéticos porque os dados tratados são muito valiosos e é necessário todo um aparato de segurança da informação, medidas técnicas e organizacionais para mitigar os riscos. A adequação à LGPD é fundamental e manter a governança do projeto, com acompanhamento, atualização, ações periódicas e treinamentos é uma forma de se precaver dos riscos.
Além de garantir a segurança das informações, cabe também aos gestores a tarefa de capacitar o corpo docente para conduzir o uso e o aprendizado por meio da tecnologia, em sala de aula. Como preparar esses professores?
A parte de treinamento é uma obrigatoriedade na LGPD. É uma medida organizacional. A instituição só conseguirá manter uma boa governança se seus colaboradores, de todos os setores, estiverem capacitados. Isso se aplica aos professores, que devem ser treinados para a realidade de seu trabalho de acordo com as diretrizes da LGPD.
Qual o tamanho do problema? Por qual tipo de situações elas podem ser responsabilizadas?
O problema é grande, obviamente. A LGPD prevê sanções administrativas que podem ser aplicadas pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) às instituições em casos apurados de violações. Também há possibilidade de penalidades virem de órgãos fiscalizadores, como o Procon, ou ocorrerem ações judiciais. A responsabilidade do agente de tratamento está prevista no artigo 42 da LGPD e, com isso, a instituição pode ser responsabilizada em casos de violações, vazamentos, ou seja, situações que contrariem a legislação.
TAGS