Interação deve ser a marca da educação na pós-modernidade

Considerado um dos maiores especialistas em pós-modernidade, o sociólogo Michel Maffesoli concedeu entrevista exclusiva para o Educação em Pauta

por: Eduardo Wolff | eduardo@padrinhoconteudo.com
imagem: Giordano Schmitz Toldo / PUCRS

Conhecido por analisar o mundo contemporâneo de um modo muito particular e criador do conceito “Tribo Urbana”, o sociólogo francês Michel Maffesoli é um dos maiores especialistas em pós-modernidade no mundo. Os seus estudos são dedicados à compreensão do imaginário contemporâneo a partir da filosofia fenomenológica e da sociologia compreensiva. Ao todo, são mais de 30 livros que definem os paradigmas da pós-modernidade.

Em sua passagem pelo Brasil, em especial Porto Alegre, participou do webinar Universidade, Identidade e Pós-Modernidade, promovido pela Rede Internacional Marista de Educação Superior (RIMES). O evento ocorreu no prédio Living 360°, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com a participação de estudantes que estiveram in loco e puderam tirar dúvidas com o sociólogo.

Tão logo foi finalizado o webinar, Maffesoli, portando a sua tradicional gravata-borboleta, atendeu a reportagem do Educação em Pauta com muita atenção e muito bom-humor. Apesar da suavidade da fala, o que foi abordado são reflexões importantes sobre a sociedade e as instituições de ensino. 

Para a tradução das respostas proferidas em francês, houve o suporte do mediador do webinar e coordenador do Programa de Pós‑Graduação em Comunicação Social da PUCRS, o professor e jornalista Juremir Machado da Silva.  

Educação em Pauta – Estabelecer redes de amigos com base em interesses comuns, esse é o conceito que o senhor criou de “Tribo Urbana”. Algo recorrente nos dias de hoje acontece com as redes sociais, que, de certa forma, cria “bolhas de interações”, ou seja, só curtimos e seguimos aquilo que gostamos, porém perdemos pontos de vista diferentes. Como esse seu conceito se aplica diante dessa situação?

Michel Maffesoli – No sentido etimológico do termo, fazemos parte de alguma tribo. No entanto, quando referi no meu livro (O Tempo das Tribos) sobre as “selvas de pedras”, que são as megalópoles, passamos de uma tribo para outra e não ficamos presos somente a uma. São as identificações em decorrência dos nossos gostos religiosos, musicais, sexuais ou esportivos. Evidentemente, essas identificações são ajudadas pelas redes sociais. 

Na internet, encontramos tribos que servem ao nosso gosto, com essa nuance que temos a possibilidade de pular de uma tribo para outra. O pensamento oficial considera que estamos isolados, mas, olhando empiricamente, as pessoas querem fazer parte de semelhantes.

Quando recebo visitas em minha casa para beber um vinho comigo, um dia podem estar meus colegas de ciência política, em outro, amigos de Estrasburgo. Esses grupos não se conhecem e fazem com que eu participe de várias tribos. Ou seja, as pessoas estão livres para se caracolar de um lado para outro.

Educação em Pauta – Com a pandemia, como tem se comportado o imaginário contemporâneo da sociedade?

Michel Maffesoli – Posso falar da minha visão sobre a França, a qual eu conheço. Houve um descolamento entre o discurso social e a realidade concreta. Com o confinamento não podia sair de casa, mas todas as noites havia encontros para um “aperitivo” (social) e isso era exatamente ao contrário do que se pregava. 

Não quero generalizar, essa foi a realidade que vivi, no entanto era válido para Paris, onde moro, como também para o pequeno vilarejo onde nasci e tenho uma casa, que se chama Graissessac, no sul do país. Nesse vilarejo, houve o confinamento, mas, ainda assim, todas as noites, em pequenos grupos, nos reunimos para beber alguma coisa. É por isso que referi o descolamento entre discurso oficial e a pura realidade. É evidente, houve um grande perigo de contaminação, mas, apesar disso, as coisas aconteceram e as pessoas corriam esses riscos.

Educação em Pauta – Após esse momento pandêmico, existem mais ou menos fenômenos da consciência na humanidade?

Michel Maffesoli – Curiosamente, o que foi favorecido e estimulado foi o compartilhar, a ideia de “co”, o co-working, relacionado ao trabalho, por exemplo. Claro que havia um perigo presente, no entanto, mais uma vez foi preciso se entreajudar, pegar na mão do outro. Tomamos consciência que é preciso auxiliar uns aos outros. Isso pode até parecer bobo, mas isso acabou se desenvolvendo, a entreajuda. 

Educação em Pauta – O senhor tem uma frase: “não é mais o futuro que importa, e sim o presente”. Com a pandemia, esse propósito foi reforçado?

Michel Maffesoli – Acredito que não tem a ver com a força do presente, era algo que vinha de antes. Não pense que quero negar a pandemia, mas a mutação do presentismo é anterior e isso vai continuar. Essa é uma tendência que vai durar e que não foi afetada exclusivamente pela pandemia.

Educação em Pauta – Entrando mais na parte do ensino, uma época de mudanças velozes e concepções múltiplas do que é a educação, qual é o papel das instituições de ensino na pós-modernidade? 

Michel Maffesoli – O eterno problema da transmissão durante a modernidade, a ideia era educar para transmitir. A base da educação moderna era impor de fora para alguém. Para mim, a educação está sendo substituída pela iniciação. Você pode falar de acompanhamento, de coaching, se quiser deixar de lado a palavra educação. Não dá mais para impor de fora. É um processo de interação entre professor e alunos, e a internet faz parte disso. 

O Wikipedia é bom para isso, é algo coletivo. Antes tinha a verticalidade da Encyclopaedia Universalis. Agora, é um processo de interação e isso é uma mutação importante e profunda. Não dá mais para tentar impor algo educativo de maneira abstrata, tem que ser concreta.

Educação em Pauta – Em especial os educadores, que são responsáveis por contribuir para o senso crítico dos seus alunos, quais têm sido os seus desafios na pós-modernidade?

Michel Maffesoli – Tem dois pontos. O primeiro é que, para mim, estamos chegando ao fim da crítica. É preciso ir para outra coisa, o que chamo de “radicalidade”, que é no sentido de retornar às raízes, às tradições, aos fundamentos. Essa é uma mutação que considero muito importante e foi uma grande ideia desenvolvida por Jean Baudrillard (sociólogo e filósofo francês). Ele foi o primeiro, de maneira corajosa, a tratar essa radicalidade, essa volta às primeiras coisas. 

Outro ponto é que, agora, a consequência disso é que o educador não pode mais se contentar em pensar, em ter o poder, mas tem que ter autoridade. A autoridade é que faz crescer as ideias, ou seja, têm que se fazer respeitar. Quando o educador está diante de uma criança, tem que saber que algo existe ali, não um vazio completo, é preciso uma interação. Uma das ideias da educação era inculcar e esse modelo acabou. É ter essa ideia de acompanhamento, de sobressair. 

Com a ajuda da internet, os jovens estão conectados, procurando conteúdo, não existe um vazio. Eles têm uma forma de cultura e vai ser necessário negociar em relação a isso. Não dá mais para tentar impor de cima a famosa “verticalidade”, de que um sabe e outro não. Essa é uma grande transformação que está acontecendo e, claro, que não será fácil de se adaptar.

Educação em Pauta – E as novas gerações, em particular os alunos, como podem aproveitar o ensino para se preparar para essas transformações do mundo?

Michel Maffesoli – Antes de tudo, as instituições de ensino vão precisar respeitar mais esses jovens. Sou completamente fascinado pela vitalidade dessas novas gerações. Por exemplo, as pessoas da minha idade não tiveram problemas para comprar um apartamento ou arranjar um trabalho. Nos dias de hoje é ao contrário e, apesar disso, a juventude quer viver. Mesmo com essas enormes dificuldades, que a minha geração não teve, esses jovens gostam de viver. 

A principal preparação que as instituições devem ter é o respeito pela vitalidade, essa vontade de viver dos jovens, mas, claro, com um acompanhamento em relação a isso. É sempre necessário considerar que as novas gerações possuem essa força.

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