Mauricio de Sousa: uma vida dedicada aos quadrinhos e à educação

Ícone dos gibis no Brasil, em entrevista inédita ao Educação em Pauta, quadrinista conta momentos marcantes da sua carreira e fala da candidatura para a Academia Brasileira de Letras

por: Eduardo Wolff | eduardo@padrinhoconteudo.com
imagem: Claudio Belli / Divulgação

A menina corajosa, temperamental e de personalidade forte, Mônica. O astuto e malandrinho, que troca o “R” pelo “L”, Cebolinha. A comilona e bem humorada, Magali. O menino com a mania de não tomar banho e paixão pela sujeira, Cascão. Todos esses carismáticos personagens, que habitam o Bairro do Limoeiro, já divertiram e ensinaram diversas gerações de crianças e adolescentes. 

Criada em 1959, a Turma da Mônica compõe os mais de 400 personagens criados pelo quadrinista e escritor, Mauricio de Sousa. No mesmo ano, ele fundou a Mauricio de Sousa Produções (MSP), que, além dos quadrinhos, produz séries, filmes, aplicativos e games. 

A relação do cartunista com a educação é muito forte, tanto é que preside o Instituto Mauricio de Sousa, que foca em projetos de desenvolvimento humano. Além disso, foi homenageado pela Cátedra Unesco de Leitura PUC Rio devido ao estímulo à leitura e à alfabetização de crianças. 

“Com certeza, os quadrinhos ajudam no estímulo à leitura e, por consequência, à alfabetização de milhões de brasileirinhos nestes mais de 60 anos de publicações. É meu maior prêmio como autor”

Mauricio de Sousa

Em 2011, tomou posse na Academia Paulista de Letras (APL), tornando-se assim o primeiro quadrinista a ser empossado no mundo, segundo a assessoria da MSP. Em abril de 2023, se candidatou a ocupar um lugar na Academia Brasileira de Letras (ABL), porém não conseguiu ingressar, perdendo a vaga para o filólogo Ricardo Cavaliere.

Para saber mais do que pensa e o que planeja, o Educação em Pauta fez uma entrevista exclusiva com este grande símbolo da arte, como também da educação no Brasil. Confira: 

Educação em Pauta – Por meio do seu trabalho, você foi responsável por estimular a leitura e a alfabetização de milhões de crianças de várias gerações. Como você se sente a respeito disso?

Mauricio de Sousa – Quando estou em algum evento em contato direto com meu público leitor, sempre têm os pais que dizem que aprenderam a ler na infância com a Turma da Mônica e que agora são seus filhos que estão neste processo. Com certeza, os quadrinhos ajudam no estímulo à leitura e, por consequência, à alfabetização de milhões de brasileirinhos nestes mais de 60 anos de publicações. É meu maior prêmio como autor.

Educação em Pauta – Se for possível mensurar, quais foram os retornos que mais te marcaram que uma criança e um adolescente fizeram em relação ao seu trabalho, quais você mencionaria? 

Mauricio de Sousa  – Existem histórias muito lindas, como a de um menininho que sempre me visitava com os pais nas bienais de livro. Vinha sempre vestido de Chico Bento e os pais disseram que ele era autista e que o personagem o ajudou a começar a conversar com os pais. Anos mais tarde, ele, mais crescido, veio vestido normalmente e os pais disseram que agora ele não precisava mais se sentir o personagem para evoluir na comunicação. Não só crianças e jovens, mas leitores que já são avós contam histórias da turminha em suas vidas, e muitas vezes choramos juntos. 

Educação em Pauta – Na Turma da Mônica, alguns personagens têm foco na representatividade. Os desenhos são uma grande ferramenta para desenvolver o pensamento crítico nos mais jovens?

Mauricio de Sousa –  Procuramos passar em nossas histórias a diversão e também ideias de empatia, solidariedade, viver com as diferenças de cada um e buscar a felicidade. Com nossos personagens como Dorinha, uma menina muito elegante, como sua inspiradora, a educadora Dorina Nowill, cega; o Luca, um garotinho apaixonado por esporte e que usa cadeira de rodas; a Tati, muito meiga e que tem síndrome de Down, como sua inspiradora, a autora teatral Tathi Piancastelli, e, mais recentemente, a Sueli, a mais nova integrante da turminha, que é surda e se comunica em Libras (Língua Brasileira de Sinais). Queremos buscar passar os conceitos de inclusão social e como isso pode acontecer desde criança.

Educação em Pauta – O Instituto Mauricio de Sousa realiza projetos, campanhas e ações sociais que estimulam o desenvolvimento humano. De que forma as escolas podem se aproximar destas iniciativas? 

Mauricio de Sousa – Criamos o Instituto Mauricio de Sousa para acompanharmos sempre a evolução da educação e o cuidado com as campanhas educativas que sempre precisam de muita pesquisa e acompanhamento de educadores com grande conhecimento de cada assunto. A revista que criamos para passar os conceitos do Estatuto da Criança e do Adolescente para as crianças já tem mais de 30 milhões de exemplares distribuídos gratuitamente em escolas, por exemplo. 

Educação em Pauta – Recentemente, você se candidatou a ocupar um lugar na Academia Brasileira de Letras (ABL). Como foi esse processo de participar? Pretende tentar novamente ingressar na entidade? E qual a sua visão em relação à ABL?

Mauricio de Sousa – Eu já estou em uma academia que é a Academia Paulista de Letras (APL). Sou o primeiro quadrinista a estar em uma academia literária, com muita honra. Gosto tanto deste convívio com os acadêmicos e queria ampliar essa convivência com a ABL. Minha proposta é fazer essa ligação dos autores com as crianças e jovens, porque sem novos leitores não haveria novos autores. Acho que a ABL pode muito mais conquistar esses leitores, mas não estou pensando neste momento se voltaria a participar de uma nova campanha. Penso em trabalhar ainda mais ativamente com a APL por enquanto.

Educação em Pauta – A Turma da Mônica possui jogos digitais, seriados, filmes, aplicativos e games. Esse alinhamento entre educação e entretenimento é uma tendência?

Mauricio de Sousa – Não sou eu quem diz isso, mas os educadores em geral. Muitos professores nos mandam cartas sobre como acham importante a utilização da linguagem dos quadrinhos na sala de aula.

Educação em Pauta – Muitas crianças e jovens estão acostumados às redes sociais, com vídeos com conteúdos rápidos. Quais dicas você daria a um educador para tornar uma aula mais lúdica e atrativa utilizando as ilustrações?

Mauricio de Sousa – Uma professora de minha infância observava que eu gostava de desenhar nos cantos do caderno, e um dia me disse: “Que tal você fazer a lição de casa sempre ilustrando pra ficar mais bonita?”. Assim, ela me deu um grande impulso para aprender com a minha maior diversão, que era desenhar. E veja aonde cheguei! Acho que isso explica o quanto é importante fazer a criança se sentir feliz aprendendo.

Educação em Pauta – O que você acredita que é essencial transmitir conhecimento aos seus alunos?

Mauricio de Sousa – Toda criança gosta de desenhar e de ler quadrinhos. O desenho vem da observação e da prática. É um exercício de concentração ótimo para todo o processo de aprendizagem. Acredito que um professor de desenho deve ensinar a criança a se divertir desenhando.

Educação em Pauta – Nos últimos anos, suas produções têm tido foco nos adolescentes, com o gibi da Turma da Mônica Jovem e a série Mônica & Cebolinha. Essas também são maneiras eficazes de educá-los?

Mauricio de Sousa – Nossas revistas são prioritariamente voltadas para divertir, mas funcionam como ferramenta para que os educadores possam utilizá-las como auxílio para suas disciplinas. A Turma da Mônica Jovem veio para conversar com um público que já está se interessando por temas mais avançados e possibilita, às vezes, tratarmos de assuntos que podem ser aproveitados em sala de aula, a critério dos educadores. Eu aprendi a ler com os quadrinhos quando tinha de 4 para 5 anos de idade e sei que, quando jovem, já lia um livro por dia. Os quadrinhos são estímulos à leitura e isso continua acontecendo até hoje.

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