Mikaela Övén defende empatia como base da educação de crianças
Para a pesquisadora sueca, estabelecer vínculo e ter empatia e respeito é a chave para a criação saudável de jovens
Com alcance mundial, Mikaela Övén é daquelas pesquisadoras que contribui para o bem-estar dos lares mesmo a milhares de quilômetros de distância. Palestrante e formadora especializada em Parentalidade Consciente e Mindfulness, é por meio de workshops e sessões individuais que ela ajuda famílias e educadores a enfrentarem os desafios da criação com mais empatia, compaixão e equilíbrio, unindo o conhecimento em desenvolvimento infantil e as práticas de mindfulness.
Sueca, mãe de três filhos, a pesquisadora estudou Ciências Comportamentais na Universidade de Lund (Suécia) e licenciou-se em Recursos Humanos, com especialização em Desenvolvimento de Competências pela Universidade de Malmö (Suécia). Fundou a Academia de Parentalidade Consciente e é autora dos livros Educar com Mindfulness, Educar com Mindfulness na Adolescência, Heartfulness, Caderno da Família Feliz e Inspiração para uma Vida Mágica.
Em conversa com o Educação em Pauta, Mikaela, que reside com a família em Portugal desde 2001, aborda a importância de habilidades como respeito e empatia para o bem-estar social e emocional. Na entrevista, ela também defende que, para estimular a autoestima e as habilidades socioemocionais, os pais devem mudar o paradigma da parentalidade para a relação, focando em interações saudáveis, baseadas em valores como igualdade, autenticidade, respeito e responsabilidade pessoal. Confira a entrevista completa.
Qual a importância do desenvolvimento de habilidades como respeito e empatia?
Respeito e empatia não são apenas “boas maneiras”. São competências fundamentais para a vida em sociedade, mas raramente refletimos sobre como as ensinamos. Respeito e empatia são como músculos emocionais: precisam ser treinados, cultivados e, sobretudo, vistos em ação, para depois poderem ser praticados. As crianças aprendem a respeitar sendo respeitadas. E desenvolvem empatia quando sentem que alguém tem empatia por elas e se sentem vistas, ouvidas e compreendidas. Aliás, ensinar respeito gritando “Respeita-me!” tem a mesma eficácia que ensinar alimentação saudável com uma caixa de donuts na mão.
Essas habilidades estão profundamente ligadas à regulação emocional, à saúde mental e à construção de relações seguras. São parte do alicerce do desenvolvimento humano, e não um “extra” opcional. Além disso, são fundamentais para criarmos um mundo com mais respeito, compreensão e valores iguais. E isso parece-me estar muito em falta neste momento.
Como lidar com desafios como dificuldades para dormir, choro ao comer e uso de telas?
A verdade é que não existe uma fórmula mágica ou uma estratégia universal. Porque não existe uma criança universal. Cada criança tem necessidades específicas, e o verdadeiro trabalho é descobrir quais são.
Dormir pode ser difícil por excesso de estímulo, medo da separação, ou simplesmente porque o corpo ainda não aprendeu a desligar. O choro nas refeições pode sinalizar estresse, necessidade de controle ou até hipersensibilidade sensorial. E as telas são apenas o sintoma de outra carência: tempo de qualidade, tédio não tolerado ou até cansaço extremo. As telas, muitas vezes, são utilizadas para satisfazer as necessidades dos pais de tranquilidade, paz e sossego, por exemplo, e como são uma estratégia eficaz, mas não saudável, nutrem também as necessidades da criança, e isso se transforma em um problema.
Em vez de focarmos apenas em corrigir o comportamento, precisamos compreender o que está por trás dele. A pergunta-chave é: o que a criança precisa neste momento e como posso ajudá-la a satisfazer essa necessidade de forma segura, respeitosa e saudável para todos?
Só depois é que escolhemos estratégias ajustadas à idade, necessidades e contexto da criança. E, claro, ajustadas também à nossa realidade como adultos.
Como a forma como os adultos se relacionam com as crianças define a forma como elas se relacionam consigo mesmas?
A forma como nos relacionamos com as crianças nasce diretamente da forma como nos relacionamos conosco. Se vivemos em exigência constante, crítica interna e estresse não gerido, isso transborda para os nossos gestos, palavras e silêncios. E as crianças aprendem sobretudo pelo que sentem na relação, não só pelo que ouvem.
Um adulto que responde com irritação quando a criança se desregula está, normalmente, também desregulado, apenas mais treinado para disfarçar.
A verdade é que se não cuidarmos da nossa saúde mental e emocional, vamos usar a relação com a criança para tentar tapar os nossos próprios buracos. A parentalidade consciente começa com um olhar honesto para dentro.
É aqui que entra a autoestima ou, como costumo chamar, o sistema imunitário social. A autoestima protege a criança das críticas injustas, das comparações e da vergonha tóxica. Mas ela não nasce de elogios vazios. Forma-se na experiência repetida de ser vista, aceita e respeitada, mesmo quando erra. Ou seja, quando a criança sente que é amada não por aquilo que faz, mas por quem é.
Presença verdadeira, aquela que olha nos olhos, que pousa o celular, que escuta sem pressa, é um dos maiores construtores de autoestima.
No Educar com Mindfulness, desenvolvo muito esta ideia: educar não é moldar a criança para caber num padrão. É criar as condições internas (em nós) e externas (na relação) para que ela floresça na sua essência.
O que significa a frase “As crianças não testam limites, procuram conexão”?
Essa frase é quase um mantra para mim. Muitas vezes os adultos dizem “ela só está testando os meus limites”. Mas a verdade é que o comportamento desafiador raramente é um ataque pessoal, mas, sim, um pedido de ajuda disfarçado. É como se a criança dissesse: “Está mesmo aqui comigo? Mesmo quando estou no meu pior momento?”
Em vez de ver manipulação, podemos ver vulnerabilidade. Em vez de “testes”, podemos ver a procura de segurança. A criança não quer ultrapassar os nossos limites: quer garantir que o nosso amor não desapareça quando ela está a perder o controle.
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Como transformar “erros” em oportunidades de conexão?
Antes de mais, é bom normalizar: errar faz parte da infância. E da parentalidade também! A pergunta importante não é “como evitar erros?”, mas “o que fazemos quando eles acontecem?”.
Cada erro pode ser uma porta fechada ou uma ponte de ligação. Depende do que colocamos ali: julgamento ou curiosidade, castigo ou diálogo, rótulos ou escuta.
O segredo está nas nossas intenções como pais e mães. Quando a criança derruba um copo, responde mal ou magoa alguém, o que queremos mesmo? Que ela tenha medo de repetir? Que se arrependa? Que nos respeite? Ou queremos que ela compreenda o impacto das suas ações, aprenda algo novo, e se sinta suficientemente segura para tentar fazer melhor da próxima vez?
Quando a nossa intenção é educar com consciência, abrimos espaço para o diálogo e promovemos a sensação de ser compreendido para cultivar a vontade de compreender o outro e fazer diferente.
Transformar o erro numa oportunidade de conexão não é ser permissivo. É ser presente, oferecer segurança e ser afetuoso. É dizer: “Parece-me que não foi uma boa escolha, mas estou aqui para te ajudar a encontrar outra”. É mostrar à criança que os erros não afastam o amor, mas nos aproximam da aprendizagem e da relação. No fundo, é lembrar que estamos criando seres humanos, não robôs perfeitos. E isso dá trabalho, mas também dá sentido.
Como os pais podem estimular a autoestima e desenvolver habilidades socioemocionais nos filhos?
Acima de tudo, mudar o paradigma da parentalidade de educação para a relação e focar em todas aquelas coisas que promovem relações saudáveis, em vez de um comportamento exemplar. Praticar uma parentalidade com os valores da parentalidade consciente como base, igualdade de valores, autenticidade, respeito pela integridade e responsabilidade pessoal.
Autoestima não nasce de elogios exagerados ou de vitórias fáceis. Cresce no terreno fértil da aceitação, da confiança, da presença, do reconhecimento e do amor incondicional.
Os pais desenvolvem a autoestima dos filhos quando os veem com olhos de amor realista: reconhecem os seus pontos fortes, acolhem os desafios e continuam a ver valor mesmo nos dias difíceis.
As habilidades socioemocionais se desenvolvem na relação e não em folhas de exercícios ou aplicações educativas. Brincar, conversar, resolver conflitos com empatia, fazer perguntas em vez de dar sermões, tudo isso é treino emocional e acontece no dia a dia em cada interação com a criança. E se os pais não souberem falar sobre as suas emoções, a criança não consegue aprender.Há uma pergunta-chave que os pais podem repetir todos os dias: “O que esta situação pede de mim como adulto?” Assim pode começar o verdadeiro desenvolvimento emocional de toda a família.
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