O mundo digital vai ser o centro da visão da escola, diz especialista britânico

Consultor educacional Adrian Ingham fala sobre os desafios da gestão escolar na (e no pós) pandemia e traz dicas aos gestores

por: Igor Morandi

Virtualmente, Adrian Ingham nos recebe com um sorriso estampado no rosto. Afinal, o papo do dia é educação, e ele é professor por formação e já foi diretor de escola. Atualmente presta consultorias na área, inclusive para o Brasil, por meio do Conselho Britânico. Poliglota, o idioma escolhido da vez foi o Português, para falar com os associados Sinepe/RS sobre um tema bastante importante, especialmente neste momento de transição para o pós-pandemia: gestão escolar. Não sem deixar de abordar a situação da sua terra de origem, a Grã-Bretanha.

Adrian destaca que as instituições deveriam formar parcerias e que deve haver mais investimento para que tendências de educação sejam implementadas.

“Até quando um governo não tiver educação como prioridade, será difícil chegar ao nível de outros países.“

Confira os principais trechos da entrevista:

O que mudou na gestão de escolas com a chegada da pandemia? Conte sobre a realidade britânica.

A pessoa que teve maior dificuldade, para mim, foi o diretor de escola. Ele precisa gerir uma equipe que está passando por um período muito difícil. No caso da Inglaterra, existe uma avaliação externa dos inspetores, porque um diretor de escola com resultados baixos pode ser demitido. Isso acontece. Por isso tem muita pressão, é uma esfera de tensão e apreensão. Os políticos tentam apoiar, estão gastando bastante dinheiro, mas sabem também que ao fim alguém precisa pagar. Por exemplo: o governo ofereceu dinheiro para apoiar alunos que estão com dificuldade com, em teoria, aulas extras. O problema é que faltam professores para fazer esse trabalho. Nossos professores passam, mais ou menos, das 8h às 17h nos colégios, e ministrar outras aulas depois não é possível. Por isso, as escolas estão buscando professores que não tenham trabalho fixo. 

Nossos diretores de escola têm responsabilidade pelo prédio, para melhorá-lo e mudá-lo. O orçamento das instituições é muito alto em comparação às escolas públicas do Brasil, mas se aproxima das privadas. Por isso, estão acostumados a tomar decisões sobre mudanças. Mas as questões mais difíceis foram segurança, saúde e higienização das instituições. Nosso governo é um dos mais liberais do mundo no sentido de que estava delegando às escolas a decisão de usar ou não máscara. 

O aspecto sanitário foi uma necessidade contínua. Nós somos como os japoneses, que envolvem os alunos na limpeza da sala de aula, mas houve uma mudança. Contratamos um especialista para isso, que fazia inspeções nas escolas a cada semestre. A entrada nas instituições era segmentada. Tinha a entrada para os mais jovens e a entrada para os adultos. 

Foi muito complicado, a concentração mental do diretor mudou. Nós sempre falamos que o foco do diretor deveria ser no ensino e na aprendizagem, mas foi difícil. Os inspetores insistiram nisso, mas com outras coisas tremendamente importantes, foi difícil. 

O meu grupo (de profissionais de diversas escolas) tem um chefe executivo, que precisa fiscalizar e fazer a prestação de contas. Ele continuou lembrando os diretores que o papel fundamental deles é ensinar e encorajar os alunos, mantendo a qualidade do ensino.  

Um grande problema da aprendizagem à distância foi entender o quanto o aluno estava fazendo. Eu apoiei minha neta quando ela estava com dificuldade. Isso significa que os alunos estavam participando, mas até que ponto? Em uma aula presencial entende-se que o aluno presta atenção 80% do tempo, mas on-line o estudante pode desligar o vídeo ou estar presente só no início da aula.

Isso foi muito difícil, mas nós tivemos a regra de contatar a família caso o professor percebesse algum problema. Esse foi um trabalho extra, a escola estava monitorando.  

O que muda e o que fica na gestão escolar pós-pandemia?

Acho que o mundo digital vai ser o centro da visão da escola. Não será algo extra, fará parte de cada momento da instituição. Acho que é um ganho, porque ninguém tem medo, hoje em dia, dessas ferramentas; estamos utilizando todas essas coisas. Atualmente, estamos utilizando ferramentas do século XIX, e a sala de aula não mudou

Mas aqui sempre se tem dinheiro para fazer isso. Obter meios tecnológicos e de aprendizagem em cada escola, em cada sala de aula. 

Outra questão é que durante esse período houve protestos do Black Lives Matter e outras coisas que foram muito importantes. Precisamos ter mais foco na diversidade no currículo, nas aulas, nos funcionários da escola.   

Por exemplo, eu estou envolvido em um colégio com 80% a 90% de alunos da Índia ou Paquistão, porém o número de professores desses países é muito baixo. Precisamos entender que a escola é um espectro da comunidade.

Isso não está diretamente ligado à pandemia, mas ela gerou um momento de reflexão sobre o que estamos fazendo. E acho que no país como um todo estamos passando por um período de reflexão sobre o fato de que ele é multicultural.  

Como o Brasil pode se aproximar da gestão escolar de nações desenvolvidas?

O fato é que o dinheiro disponível para as escolas públicas do Brasil é bastante baixo. Para mim é algo muito preocupante. Até quando um governo não tiver educação como prioridade, será difícil chegar ao nível de outros países. 

Existem exemplos no Brasil de ferramentas, tecnologias e maneiras de trabalhar ao nível mundial. Mas até que ponto isso é acessível para alunos que estão em escolas rurais, por exemplo?

De qualquer forma, existe grande sucesso em várias partes do Brasil, de gestão, de investimento, com resultados muito bons. 

Então acho que seja essencial investimento a nível nacional tanto pelo governo federal, como estaduais e municipais. Senão, será muito difícil. 

Além disso, outra tendência seria os setores privado e público formarem parcerias. Uma vez eu fiz um curso de liderança ministrado por uma escola privada em que escolas públicas participaram. Sem dúvida é algo fantástico, sobretudo nas escolas públicas onde o diretor e os professores buscam por melhorias, motivados pela possibilidade de melhorar sua situação.

Quais os maiores desafios da administração daqui para frente?

As escolas de cada país são comparadas entre si, os gestores precisam evidenciar melhorias nas instituições. Na Grã-Bretanha, Estados Unidos, Austrália existe preocupação com a posição no Ranking Internacional do Pisa. O Brasil tem resultados inaceitáveis. Eu não sei até que ponto este poderia ser um mecanismo para convencer os políticos a investir na educação.

Aqui, em matemática, ciências e inglês, estamos na posição 10, 15, às vezes 20 do ranking de 120 países. E isso para nossos políticos não é aceitável. Eles são motivados. Eu vejo que é um desafio contínuo.

E a avaliação dos diretores faz com que eles possam ser demitidos, caso não cumpram seu papel. Do ponto de vista profissional não é algo bom, pois coloca muita pressão neles. Mas a esperança é que a educação crie possibilidades de sair deste período de negativismo, desespero, preocupações. A educação deveria ser o portal: vamos lá! Vamos melhorar, encontrar o mundo das artes, das ciências, celebrar as coisas que vão bem.

Claro que a pandemia impedia pensar nisso, afinal tínhamos um perigo constante, de morte inclusive. Ao passar para uma situação mais tranquila, mais normal, o foco deve ser na celebração das coisas boas que estamos fazendo para os alunos.

No processo de transição para o pós-pandemia, como os gestores brasileiros podem se preparar?

É difícil falar por não estar no Brasil. Infelizmente, faz dois anos que não vou. Mas acho que a colaboração entre escolas é essencial para elevar um pouco o espírito, o otimismo. Porque o papel do diretor pode ser algo muito isolado, sozinho, o que é difícil em um momento como esse. 

Não precisa muito para criar laços entre as escolas, estimular a troca de ideias e de soluções a situações difíceis. Se somos profissionais, precisamos dividir com os outros os nossos resultados, os ganhos e as coisas que não vão bem. Cada um tem coisas que não vão bem. “Por favor, pode me ajudar, porque eu não sei?” acho que é a coisa mais simples, porém muito eficaz. 

Essa parceria poderia incluir escolas privadas e públicas. Mas uma pessoa que estimule isso é necessária, um catalisador. Seria interessante experimentar isso, sobretudo, em escolas com mais dificuldade, com gestores desesperados. Mas se eles se isolam, é difícil.   

Qual é o perfil do bom profissional de gestão em educação no pós-pandemia?

Deve ter foco nas pessoas da escola, na aprendizagem, é otimista, criativo, positivo, tem visão para a escola, tem ideias sobre como chegar à visão – não é somente algo vago, não é só no papel. É uma pessoa que entende que os professores não podem ser sempre perfeitos, o professor bom também precisa de ajuda. 

É um profissional que deve estar próximo dos alunos, conhecê-los, entender se as coisas não vão bem e o porquê. Oferecer sempre soluções ou compreender o que outras pessoas podem oferecer. 

É uma pessoa que precisa saber que não trabalha em uma ilha sozinha, e sim coligada com outras. Se você tem um bom professor de matemática e eu um bom tutor de inglês, vamos trocar, porque eu preciso melhorar a matemática e você, talvez, o inglês.

Além disso, deve entender quando precisa mudar. Não apenas continuar. Desde sempre fazemos assim. Por que precisamos mudar? Porque existe uma barreira enorme entre nós e o próximo passo. Deve aceitar falhas, que a situação mudou, e encontrar soluções.

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