A importância do planejamento para prevenção de riscos e gestão de crises

Especialista fala sobre a necessidade de investimento das instituições para agir com mais efetividade em situações como as recentes enchentes no Estado

por: Bianca Zasso | bianca@padrinhoconteudo.com
imagem: Freepik

Em 2020, o mundo viu a pandemia de Covid-19 mudar hábitos, rotinas e planos. Em 2023, os ataques a escolas nos Estados de São Paulo e Santa Catarina causaram mortes e pânico entre professores, alunos e pais. Agora, ainda em 2023 e, mais recentemente, em 2024, o Rio Grande do Sul vive uma catástrofe climática sem precedentes e com consequências que ainda não se apresentaram por completo. Três situações distintas, mas que compartilham um ponto: fizeram com que as instituições de ensino tivessem que lidar com situações inéditas em um curto espaço de tempo e que exigem decisões efetivas e rápidas. A importância de se ter um planejamento para a prevenção de riscos e gestão de crise dentro das escolas tem se tornado um assunto cada vez mais presente entre gestores, que buscam as melhores formas para estarem preparados para situações que vão muito além das destruições causadas pelas chuvas. 

Doutora em comunicação e professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Rosângela Florczak aponta que a prevenção de riscos e a gestão de crise devem ser uma prioridade de planejamento estratégico da gestão de uma organização educacional. A maneira como a sociedade gaúcha agiu durante as enchentes é um espelho da importância de se estar preparado para situações desafiadoras. “É preciso para ontem que a sociedade se reorganize nesse tema. E se tem um player que é definitivo para a construção de consciência e de cultura, é a escola. Enquanto a escola não assumir essa frente, primeiro para si e depois para a sociedade, não vai acontecer a mudança. Hoje, dentro do plano estratégico de uma escola, ter um sistema de gestão de risco e prevenção das crises é fundamental”, orienta Rosângela. 

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De acordo com a professora, são inúmeros os exemplos pelo mundo e traçar um planejamento para situações de crise não é algo complicado e existe uma metodologia para se colocar isso em prática dentro das instituições. “Gestão de crise é a união perfeita entre gestão e comunicação. Se eu faço uma excelente gestão, eu preciso da comunicação para dar visibilidade. Porém, não é possível resolver uma crise apenas com a comunicação. A comunicação que se faz na crise é sempre do mais próximo para o mais distante. Primeiro eu comunico as pessoas envolvidas, depois a comunidade mais próxima e, finalmente, se precisar, a rede social e a imprensa”, orienta Rosângela, que já colaborou com algumas escolas para a construção desses planejamentos. 

Um deles é o Colégio Evangélico Alberto Torres (CEAT), no município de Lajeado, no Vale do Taquari, uma das regiões mais afetadas pelas enchentes do mês de maio. Por conta do planejamento, a instituição conseguiu proteger seu patrimônio e, principalmente, a integridade física de seus estudantes, professores e funcionários mesmo diante de um cenário assustador e único para a cidade. “Em 2019, vivemos uma crise no colégio e, a partir disso, avançamos o nosso trabalho interno de estruturação do nosso planejamento de prevenção de risco e de gestão de crise. No caso das enchentes, por ser algo vivenciado com frequência na nossa região, nós já temos um planejamento próprio, com cotas de inundação. Havíamos começado a revisar nosso plano após o mês de setembro de 2023, quando fomos atingidos pelas chuvas. Agora em maio, por conta do nosso planejamento, conseguimos reduzir alguns danos. Conseguimos voltar às aulas em 10 dias, sendo que chegamos a ter 12 metros de água dentro da escola”, relembra Rodrigo Ulrich, diretor geral do CEAT. 

Apesar de conseguir lidar com uma situação complicada com certa tranquilidade, uma instituição com planejamento de riscos e de gestão de crise não está imune a problemas. Resolver questões complexas no calor da hora, onde as emoções podem se encontrar à flor da pele e complicar algumas decisões, também é um ponto a ser levado em consideração pelos gestores no momento de gerir a crise. “Alguns protocolos amenizam as nossas ações, diminuem consideravelmente os danos e também valorizam a imagem da escola. Conseguimos dar respostas ágeis e eficazes”, explica Rodrigo. 

Além dos protocolos, o CEAT também trabalha com um comitê de crises, que é montado de acordo com cada situação e conta com profissionais de diferentes áreas na elaboração de iniciativas para a resolução de problemas do cotidiano escolar e também em casos extremos, como no caso das chuvas, que extrapolam o ambiente escolar e impactam em diferentes frentes dentro da instituição. Para o diretor, não existe uma receita pronta para gerir as crises, mas estar preparado e seguir firme nos propósitos da escola é essencial para se obter bons resultados. “Você observar um cenário de possível crise e olhar para como a sua identidade institucional se posiciona, dá uma condição tremenda para agir com segurança. Não tira a tensão nem diminui os problemas, mas dá a chance de você agir com mais coerência com os princípios e valores da escola”, avalia Rodrigo. 

Acolhimento

A escola como um espaço pedagógico e aberto para buscar ajuda profissional em situações de crise é uma realidade também no Colégio Marista Rosário, em Porto Alegre. Durante o auge da catástrofe climática na capital, eles abriram suas portas para receber quem não tinha condições de voltar para casa e movimentou mais de uma centena de voluntários para garantir alimentação, roupas e produtos de higiene. Porém, essa é apenas uma das camadas da gestão de crise dentro da escola. “Em uma grande instituição, como é o nosso caso, convivemos diariamente com fatos críticos, seja da porta para dentro ou para fora. Eles sempre impactaram as escolas, do trânsito até a legislação. Muitas vezes, a gestão age quando a crise ocorre, o que é, ao meu ver, a pior forma de agir”, avalia Maurício Coloniezzi Erthal, vice-diretor Administrativo do Colégio Rosário, que destaca que ter um plano de gestão de crises nunca abrange integralmente problemas que podem surgir para uma gestão escolar. 

O planejamento estratégico da instituição começou a ser desenhado em 2012, onde um dos principais objetivos era o cuidado com a imagem e o relacionamento. Uma das tarefas propostas por este início de percurso foi a criação de projetos. Um deles, teve como resultado a confecção de um manual de prevenção e gestão de crise de imagem. “Foi um documento que começou a ser estudado em 2013 e foi editado em 2015. Nestes dois anos, muitas coisas aconteceram. O manual não é uma indicação estanque, mas um ponto de partida. O nosso modelo de gestão não é agarrado na regra, mas baseia-se no contexto”, relembra Maurício. 

O manual nasceu em um momento em que o Colégio Rosário não estava lidando com nenhuma crise em específico e, para o diretor, isso foi crucial para a estruturação das orientações. Para além do manual e de outras experiências de crise já vivenciadas pela instituição, ele destaca a importância dos porta-vozes dentro da equipe da escola. “Não é preciso necessariamente ser o diretor da escola. É preciso buscar o profissional que se adeque ao contexto da crise. Por exemplo, para falar sobre lanches saudáveis, o nutricionista da escola é a pessoa indicada. É nessa ideia de poder olhar para um potencial porta-voz e exercer a sua formação, primeiramente para o público interno e também externo”, relata. 

Apesar da preparação e da série de diretrizes que ajudam a equipe de gestão no trabalho diante das crises, as enchentes de maio de 2024 reforçaram a importância do cuidado com a saúde mental não apenas de quem foi afetado diretamente, mas de quem está atuando para ajudar estas pessoas. “Temos uma preocupação com o cuidado e sabemos que as pessoas cansam, adoecem e não conseguem, muitas vezes, finalizar um ciclo de trabalho proposto. Por isso, o processo e a experiência acumulada nos dão de legado a confiança em quem fica depois da gente quando não podemos mais colaborar. Só conseguimos dar conta pois temos um pessoal formado e capacitado, tecnicamente responsável para dar sequência ao nosso trabalho. Chegamos mais seguros na crise, mas é preciso uma sensibilidade da gestão de que a técnica e o processo não resolvem o fato crítico. Por isso, é preciso observar o contexto para encontrar uma saída”, orienta Maurício.

Coordenar um abrigo com mais de 200 pessoas circulando diariamente, foi o último desafio do vice-diretor, que ficou responsável pela unidade localizada na  Associação de Pais e Mestres do Colégio Marista Rosário (APAMECOR). Nessa situação, ele ressalta a importância do planejamento para lidar com opiniões técnicas que, de alguma forma, pudessem causar problemas dentro do abrigo. “O que foi construído dentro do espaço era uma espécie de condomínio sem paredes, com cada um vivendo do seu modo ao lado de outras pessoas. A potencialidade da crise ali dentro foi enorme. Ter um planejamento fez com que fosse possível chegarmos mais seguros dentro dessa crise e pudéssemos agir de forma mais efetiva”, finaliza. 

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