As lições do ensino privado gaúcho em 2024

Marcado por um fato traumático no Rio Grande do Sul, representantes do Sinepe/RS e instituições de ensino comentam seus desafios e planos para o próximo ano

por: Eduardo Wolff | eduardo@padrinhoconteuo.com
imagem: Freepik

Com o encerramento de mais um ano, chega o momento de avaliar o que foi realizado e planejar o que está por vir. Na área da educação, 2024 foi marcado por transformações significativas, que incluíram reformas estruturais e a ampliação do uso de tecnologias. A reportagem do Educação em Pauta reuniu depoimentos de representantes do Sinepe/RS e de instituições de ensino privado gaúcho para relembrar os principais acontecimentos do ano.

O presidente do Sinepe/RS, Oswaldo Dalpiaz, destaca a implementação da Política Nacional de Ensino Médio, instituída em 31 de julho, como um dos principais marcos de 2024. Para ele, o ano foi atípico, especialmente devido à apreensão das escolas sobre as diretrizes que seriam propostas pelo Governo Federal. “O esclarecimento só veio em outubro, com a interpretação do Conselho Nacional”, relata.

Leia também:
>> Como a Inteligência Artificial (IA) vai mudar o trabalho do professor
>> O que podemos aprender com o ‘brain rot’, a palavra do ano

Outro foco do ano foi a educação inclusiva, com iniciativas voltadas ao atendimento de qualidade para estudantes com necessidades especiais. No campo da inclusão social, também houve avanços na implantação da educação antirracista. “As escolas realizaram inúmeras atividades para combater o racismo. Esse é um processo desafiador e necessário”, ressalta Dalpiaz.

As enchentes de março também marcaram o ano no Rio Grande do Sul, causando impactos em diversas escolas. “Foi necessária uma postura proativa, com calendários e atividades diferenciadas para recuperação dos dias letivos”, pontua.

A formação continuada de professores foi outro tema central. Dalpiaz percebeu que seminários, congressos e encontros formativos debateram constantemente a necessidade de metodologias ativas e de encantamento dos alunos em um mundo digital permeado pela inteligência artificial.

O avanço tecnológico também foi destaque em 2024. Segundo Dalpiaz, as escolas ampliaram o tempo dedicado à computação, com a criação de laboratórios e a integração de linguagens e cultura digital nos currículos. O uso de celulares em sala de aula, apontado como um potencial desafio à aprendizagem, foi tema de diálogo entre escolas e famílias. “Muitas instituições têm relatos positivos por terem tratado o tema com os pais antes de limitar o uso”, comenta.

No ensino técnico, houve um crescimento da procura por cursos profissionalizantes, que oferecem aos estudantes ferramentas de sustentabilidade financeira.  “Além de aprender, ao trabalhar, pode garantir seu sustento, como também da sua família”, comenta o presidente do Sinepe/RS. No entanto, Dalpiaz alerta para a concorrência desleal com instituições de outros Estados que oferecem cursos com menos exigências e condições facilitadas de pagamento. “São cursos com menos exigências e facilidades nos pagamentos e isso tem nos preocupado muito”, sinaliza.

Já no Ensino Superior, o cenário foi de crise. As instituições enfrentaram o aumento de custos e a ausência de políticas públicas de financiamento estudantil. Dalpiaz observa que os cursos presenciais perderam atratividade para a modalidade EAD, que concentra a maior parte das matrículas. “As instituições que priorizam a presencialidade enfrentam desafios financeiros significativos”, alerta.

Ele cita também que a maioria das instituições de Ensino Superior, associadas ao Sindicato, são comunitárias e estão sofrendo com o avanço de grandes grupos que oferecem cursos mais baratos. “Por exemplo, muitas vezes, um professor, que está em São Paulo, atende cinco a sete mil alunos, com a mesma aula que acontece em todo o país. O Ensino Superior possui custos de laboratórios, capacitação de professores, organização do espaço, tudo isso tem elevado muitos os custos. Logo, as universidades ou as faculdades comunitárias estão tendo muita dificuldade”, alerta.

E como foi o ano para algumas instituições de ensino?

A delegada regional Centro do Sinepe/RS, Maria Angela Baldi, lembra que a enchente de maio causou impactos profundos nas comunidades escolares, principalmente na região Central do Estado. Além das perdas materiais e da necessidade de reorganizar os calendários letivos, emergiu o desafio pedagógico de garantir a continuidade do processo de ensino e aprendizagem em um cenário de instabilidade. “Mesmo diante de tamanha complexidade e tristeza, os colégios têm superado as dificuldades e se reorganizado, contando com um suporte solidário e colaborativo”, diz Maria Angela, que também é diretora do Colégio Marista Santa Maria.

Outro tema do ano apontado foi a integração das inovações tecnológicas, incluindo o uso da inteligência artificial na educação. “Embora essas ferramentas ampliem as possibilidades metodológicas, a sua implementação exige formação continuada dos educadores e debates éticos sobre seu uso”, comenta. 

No campo socioemocional, o bem-estar de estudantes, educadores e famílias tornou-se tema central no planejamento pedagógico, na visão de Maria Angela. “As escolas tiveram que ampliar seus projetos acerca da saúde mental e implementar ações concretas, promovendo um ambiente cada vez mais acolhedor e seguro para todos”, conta.

Conforme já citado por Dalpiaz, Maria Angela reforça que a instabilidade e as decisões relacionadas às legislações do Novo Ensino Médio exigiram atenção redobrada. As instituições precisaram se adequar às novas adaptações, ao currículo e aos métodos avaliativos, garantindo que essas mudanças não comprometessem a essência de suas propostas educacionais. “Esse esforço demanda um cuidado nas tomadas de decisão, sempre com o objetivo de preservar a qualidade acadêmica”, aponta.

Já o diretor executivo da Rede Sinodal de Educação, Jonas Rückert, traz a visão das instituições filantrópicas, que destinam parte da sua condição econômica para a reversão dos benefícios fiscais em formas de bolsas de estudo. Por ter um contingente grande de estudantes, isso reflete nos desafios da educação, relacionados à formação contínua dos profissionais e melhorias de processos pedagógicos. 

Com relação à calamidade, Rückert comenta que houve a necessidade de alocar grandes investimentos para recuperar suas condições físicas. “Em algumas das nossas escolas está sendo um grande desafio, porque você não recupera o que a enchente trouxe em duas a seis semanas. Isso realmente é uma questão de tempo”, constata.

Por fim, a diretora do Instituto Rio Branco, Taciana Feldmann, também compartilha dificuldades em decorrência da calamidade no Estado. “A nossa escola vivenciou efeitos diretos desse desastre, com perdas materiais incalculáveis, incluindo 60% do acervo de nossa biblioteca, muitos materiais didáticos, três pianos, equipamentos de som, luz, informática e muitos documentos”, relata.

Contudo, Taciana ressalta que, mesmo em meio aos desafios, este ano se mostrou um período significativo de aprendizagens. “Fortalecemos a essência da nossa comunidade escolar, reafirmando a união e a solidariedade como valores fundamentais que nos impulsionam a seguir em frente”, afirma.

Expectativas para 2025

Os desafios para o próximo ano incluem o fortalecimento da formação continuada de professores, a adaptação ao Novo Ensino Médio e a implementação de ações socioambientais no currículo escolar. Segundo o presidente do Sinepe/RS, o grande desafio da entidade será ajudar as instituições de ensino básico e superior neste processo, bem como entender o futuro da educação.

Após ouvir muitos diretores, principalmente da educação básica, Dalpiaz está otimista em relação ao ensino privado. Os relatos são de avanço na qualidade da aprendizagem, na reestruturação do espaço físico, nas melhorias das relações entre professores e alunos e das avaliações em nível local e nacional. “Isso demonstra que o ensino privado está no bom caminho”, avalia. 

Para a delegada regional Centro do Sindicato, é essencial o reforço na formação continuada de professores e equipes pedagógicas. “Em 2025, se espera aprofundar investimentos em capacitações, com foco em metodologias ativas, desenvolvimento de competências socioemocionais e práticas interdisciplinares”, diz.

As questões socioambientais também demandam atenção especial. Para ela, as escolas têm o compromisso de planejar e implementar ações de sustentabilidade contínuas e de conscientização ambiental. É fundamental integrar essas temáticas de forma eficaz no currículo escolar, promovendo iniciativas que não apenas sensibilizem os estudantes, mas os envolvam ativamente em projetos que abordem o cuidado com o meio ambiente, a “casa comum” e a solidariedade social. “Além disso, as instituições podem equilibrar essas ações com os objetivos pedagógicos, garantindo que os estudantes se tornem agentes de transformação em suas comunidades e no mundo”, complementa.

O diretor executivo da Rede Sinodal de Educação menciona a necessidade de uma legislação que permita continuamente executar o cotidiano escolar, que não inviabilize o processo da gestão da qualidade em sala de aula. Além disso, ele deseja que a economia no país possa dar sinais de robustez para que escolas comunitárias possam também garantir o acesso àqueles que não têm condições de financiar um projeto educacional de qualidade. 

Também está no horizonte seguir desenvolvendo programas na área dos esportes, da música, das artes, do teatro, do canto, da dança e nas mais diferentes manifestações que têm relação também com essa condição de formação desse sujeito multiplural. “É desenvolver o seu senso estético e que possa contribuir de forma diferenciada no seu contexto social no presente, porque sempre fala e olha para o estudante como um sujeito do futuro, mas a gente precisa olhar como um sujeito do presente”, acredita.

A diretora do Instituto Rio Branco sinaliza que as projeções se concentram na esperança de um ano de muitas conquistas e progresso. Para ela, é essencial aproveitar as lições aprendidas e trabalhar para solidificar um ambiente de aprendizagem seguro e acolhedor, em que todos se sintam valorizados. “Ao nos prepararmos para o novo ano, trazemos conosco um espírito renovado de determinação e motivação. É mais uma oportunidade para recomeçar, enfatizando ainda mais nosso compromisso com a educação de qualidade”, aponta.

6  principais temas que terão atenção especial em 2025

  • Formação continuada de professores e equipes pedagógicas
  • Implementação de ações de conscientização ambiental nas escolas
  • Adaptação ao Novo Ensino Médio
  • Consolidação do uso da tecnologia como aliada ao ensino
  • Legislação adequada para o calendário escolar
  • Fortalecimento de parcerias entre famílias e escola

Fontes: Sinepe/RS, Rede Sinodal de Educação e Instituto Rio Branco

TAGS





Assine nossa newsletter

E fique por dentro das novidades