Educação digital nas escolas: um novo marco legal

Lei n. 14.533/2023, que tem como objetivo garantir a educação digital a crianças, jovens e adultos da Educação Básica e do Ensino Superior, já entrou em vigor. Para especialistas, é preciso investir na qualificação e formação de professores e gestores

imagem: AdobeStock

Jacir J. Venturi é vice-presidente do Conselho Estadual de Educação, foi Coordenador na Universidade Positivo, professor da UFPR e PUCPR e diretor de escolas públicas e privadas 
Dra. Dâmares Ferreira é graduada em Direito pela UEM, possui mestrado e doutorado em Direito pela PUC/SP e atua na área educacional

Aplicável a todas as escolas públicas e privadas do país, entrou em vigor a Lei 14.533, de 11/01/23, sancionada pelo Presidente Lula e aprovada pelo Congresso Nacional no ano passado. A nova lei, denominada de Política Nacional de Educação Digital (PNED), alterou o art. 4º da LDB e tem o nobilíssimo propósito de garantir a educação digital a crianças, jovens e adultos, em todas as instituições de Educação Básica e de Ensino Superior, para que desenvolvam competências digitais, com ênfase ao letramento digital e informacional, ao pensamento computacional, à cultura digital, aos direitos digitais, à aprendizagem de computação, de programação, de robótica, entre outras.

A PNED dependerá de regulamentação pelos órgãos normativos dos sistemas estaduais e municipais de ensino, tendo como escopo a implementação de ações que atendam a quatro eixos: Inclusão Digital, Educação Digital Escolar, Capacitação e Especialização Digital, e Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) em Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs). Para cada eixo, a PNED estabeleceu um conjunto de estratégias e objetivos a serem alcançados pelos governos, sistemas de ensino e pelas escolas.

Para fins de mensuração do cumprimento de cada um desses eixos, o governo federal definirá um sistema de medição a ser operacionalizado pelo INEP, com a previsão de metas, avaliação e indicadores. As principais fontes financeiras para a implementação da nova política, no setor público, serão as dotações orçamentárias dos 3 entes federados e os valores que forem depositados no Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) e no Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel). Dessa maneira, há recursos adicionais para aprimorar as infraestruturas de TI e as conexões de internet nos prédios escolares.

Após 20 anos, a Lei n. 14.533/2023 alinhou a educação brasileira à Declaração de Princípios de Genebra, publicada pela ONU em 2003. Com o estabelecimento da PNED, o Estado brasileiro reconheceu, ainda que com irrecuperável atraso, a necessidade de preencher a distância existente entre as competências digitais dos jovens e adultos brasileiros e as exigências da cada vez mais célere transformação digital, pervasiva e presente em todos os setores da vida, no exercício da cidadania e no mundo do trabalho. Muitos são os países que já adotaram planos de ação para a educação digital, como por exemplo a União Europeia, que já no ano de 2013 lançou o DigComp (Quadro Europeu de Referência para a Competência Digital), um guia para legisladores, educadores e indivíduos na compreensão e desenvolvimento das competências digitais no continente, passando por atualizações a cada dois anos. Ademais, no início de 2021 a UE também lançou a “Década Digital”, estabelecendo um percurso para a transformação digital dos países membros até 2030: 80% da população deverá possuir competência digital básica.

Destaca-se, ainda, que a Lei 14533/2023 foi sancionada e publicada com três vetos do governo federal, um dos quais não permitiu a inclusão do § 11º, no art. 26 da LDB, que atribuía à educação digital a natureza de componente curricular para o Ensino Fundamental e para o Ensino Médio. Atualmente, a BNCC trata a educação digital de maneira transversal, permeando-a em todos os componentes curriculares. Muitos países adotam esse modelo transversal, mas há países que, além da transversalidade, optam pelo modelo de componente curricular e com carga horária específica. O fundamento do veto federal considerou que novos componentes curriculares só poderão ser criados se aprovados pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e homologados pelo Ministério da Educação.

Se mantido o veto, o vigor da transformação digital (em todas as áreas da vida humana), a relevância e a necessidade premente de se dotar crianças e jovens de competências digitais sugerem ao CNE a análise detida sobre a conveniência de aprovar a educação digital como um componente curricular autônomo, com simultâneo estímulo à transversalidade. Certamente não há solução mágica nem perfeita, mas todos os esforços devem ser envidados para buscar o melhor caminho possível para que crianças e jovens tenham preparação adequada para enfrentar não apenas os desafios já postos, mas também os vindouros, numa era de céleres transformações disruptivas.

Se algumas de nossas escolas já estão navegando na Educação 4.0 – alinhada às demandas e tecnologias da Indústria 4.0, como inteligência artificial, robótica, programação, espaços maker, gamificação do ensino –, no outro extremo temos escolas cuja única “revolução” se limita a passar do quadro de giz para a lousa branca – que em tom jocoso se diz Educação 2.0. Por sua extensão e complexidade, é muito difícil acompanhar tantas transformações sem o estímulo da escola. E mais arrasadora será a disparidade com o exponencial desenvolvimento da Inteligência Artificial, que hoje já não é mais um bebê nem ficção, mas sim uma realidade, com muitos novos – e às vezes assustadores – marcos na iminência de serem alcançados.

Evidentemente, transformar essa realidade das escolas demanda uma política consistente de curto, médio e longo prazo, uma intensa capacitação de professores e gestores – estes muitas vezes ironicamente vítimas da mesma falta de preparo digital agora incumbidos de solucionar –, bem como investimentos significativos para que, durante o percurso escolar, todos os alunos desenvolvam a fluência digital, uma das mais importantes e básicas competências do mundo contemporâneo. Há aspectos que poderão ser planejados sem o reforço na infraestrutura de hardware e software, mas pouco se fará sem o reforço na formação das pessoas que fazem a escola e a educação. E, de uma vez por todas, precisamos de uma mudança cultural que nos permita a humildade de reconhecer que o que deu certo até aqui – se é que deu – não é nem de perto suficiente para preparar esta geração para o futuro que a espera logo ali.

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