Inclusão escolar: entre o abstrato e o concreto

Especialista defende que o poder público, sociedade, famílias e instituições devem compartilhar os ônus e as responsabilidades da inclusão nas escolas

imagem: Freepik

Jorge Lutz Müller

Coordenador da assessoria jurídica do Sinepe/RS e advogado

O tema da inclusão escolar é muito amplo e não se restringe às pessoas ou alunos com deficiência. A tendência é fazê-lo abarcar, cada vez mais, outras áreas de vulnerabilidade social, como, por exemplo, a de pessoas de baixa renda, de pessoas psicossocialmente desajustadas, de pessoas historicamente discriminadas, etc. Daí porque o seu enfoque deve ampliar-se, no sentido de compartilhar ônus e responsabilidades entre Poder Público, sociedade, comunidades locais, famílias e instituições escolares. E para que isso se faça é preciso políticas públicas que aproximem União, Estados, Municípios e entidades privadas, escolares e outras, fazendo-os desenvolver “sinergias educacionais” convergentes. 

Num cenário deste porte, não adianta o Poder Público simplesmente transferir o custeio da inclusão para as escolas privadas e com isso “lavar as mãos”, limitando-se a acionar suas instâncias fiscalizatórias e repressivas para exigir o pleno cumprimento daquilo que muitas vezes se mostra impraticável. Legislação “generosa” é de ser aplaudida, desde que haja meios para sustentar sua adequada implementação.

E aqui entra em cena um aspecto que não pode ser sumariamente rechaçado: a legislação inclusiva, que sabemos ser substancialmente correta, há de ser interpretada com a devida atenção às circunstâncias que condicionam sua aplicação. Até para que não se torne afetação normativa “para inglês ver”. A Lei Brasileira de Inclusão/LBI (Lei nº 13.146/2015), bem como as demais que lhe seguem na esteira, precisa ser entendida como lei ordinária e não como regra constitucional. Ela pretendeu ser uma espécie de regulação da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência assinada pelo Brasil, esta, sim, ratificada pelo país com status de emenda constitucional. Ao fazê-lo, porém, extradulou os marcos da Convenção. E a apreciação que dela fez o STF passou ao largo desta distinção (exceção feita aos votos dos Ministros Marco Aurélio e Gilmar Mendes). Mas é importante ressaltar: ao decidir pela constitucionalidade da LBI, o STF não excluiu a eventualidade de questionamentos específicos concernentes àquelas situações em que a aplicação “nua e crua” da LBI possa lesionar direitos com igual resguardo constitucional. 

O tema é vasto e é importante pontuar que:

  1. A LBI não afasta a pertinência do critério constitucional da ‘preferencialidade’ do atendimento na rede regular de ensino (CF/88, art. 208,III), o que, por óbvio, não exclui a possibilidade de justificado encaminhamento a escola especial;
  1. A Convenção Internacional estipula que o sistema educacional deve ser inclusivo, o que não significa dizer que toda escola, como pretende a LBI – mesmo a mais humilde escola do interior da Amazônia – deva (e possa!) ser plenamente inclusiva;
  1. A Convenção propõe que ela seja ela implementada em conformidade com os sistemas jurídico e administrativo do País signatário;
  1. A Convenção homenageia os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade (as adaptações exigíveis precisam ser razoáveis), porém a LBI, quando interpretada de forma estrita e literal, aproxima-se mais de uma “política da fé” do que de uma política de sadio ceticismo, como diria Oakeshott. 

Há uma diferença entre superar barreiras – “as verdadeiras deficiências de nossa sociedade”, como as denominou o Min. Edson Fachin em seu voto – e pretender legalmente extingui-las de modo sumariamente impositivo. Como ponderou Gilmar Mendes, no mesmo julgamento acerca da constitucionalidade da LBI, “a essência do substantive due process of law reside na necessidade de proteger os direitos e as liberdades das pessoas contra qualquer modalidade de legislação ou de regulamentação que se revele opressiva ou destituída do necessário coeficiente de razoabilidade”

Em outras palavras: a decisão do STF apreciou a matéria em sua dimensão mais ampla, porém com olhos acadêmicos. As observações oriundas do “chão da escola” foram rejeitadas em virtude do viés mercantil atribuído às alegações feitas na ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) ajuizada pela CONFENEN. 

A despeito disso, eventuais afrontas ao texto constitucional que se verificarem em concreto, acompanhadas de prova consistente, poderão ser objeto de questionamento administrativo e/ou judicial por parte das escolas, tendo presente as garantias constitucionais do direito de petição (CF/88, art. 5º, XXXIV, ‘a’) e de apreciação judicial de lesão ou ameaça de direito (CF/88, art. 5º, XXXV). Em última análise, a aplicação da LBI não pode levar a escola à ruína ou torná-la insustentável. 

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