LGPD nas escolas garante dados protegidos e ensino de qualidade

Rede da serra gaúcha usa dados de estudantes para aprimorar métodos educacionais; especialista indica maneiras de proteção

por: Jean Peixoto | jean@padrinhoconteudo.com
imagem: Freepik

Da leitura biométrica na portaria do prédio ao reconhecimento facial para acessar o smartphone, o uso de dados está cada vez mais presente no nosso cotidiano. No entanto, embora esses recursos tecnológicos otimizem uma série de processos diários, é preciso que respeitem os limites impostos pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).

Segundo levantamento do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), a proporção de empresas brasileiras que mantêm armazenados dados biométricos de funcionários ou clientes, como impressões digitais e reconhecimento facial, aumentou de 24%, em 2021, para 30%, em 2023.

Mas não são apenas as empresas que vêm implementando isso em suas rotinas. Uma tendência que vem ganhando força no Brasil é o uso de dados nas instituições de ensino.

Exemplo que vem da serra gaúcha

A Caminho Rede de Ensino, de Caxias do Sul, na serra gaúcha, já adotou o uso de dados como ferramenta para o aprimoramento do ensino. A diretora-presidente Maristela Tomasi Chiappin explica que a instituição utiliza o recurso para otimizar a Avaliação Diagnóstica, realizada no início de cada ano letivo.

A análise tem como objetivo mensurar o conhecimento adquirido pelos estudantes no decorrer das séries/anos anteriores e acompanhar a evolução deles nas diferentes áreas do conhecimento. Com isso, o professor entende qual o nível de conhecimento individual e da turma, gerando insights para a constante melhoria das aulas.

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A avaliação é aplicada em estudantes do 1º até o 3º ano do Ensino Fundamental. Nesses casos, o professor elabora uma avaliação por escrito de acordo com a faixa etária para também fazer um levantamento do conhecimento dos estudantes e criar um plano de ação para a turma.

Na Educação Infantil, as testagens com desenhos e exercícios permitem realizar o diagnóstico dos pequenos e desenvolver habilidades e competências necessárias nessa etapa. Essa Avaliação Diagnóstica é uma ferramenta online do SAS Educação – plataforma educacional adotada pela Caminho.

Desenhos e exercícios permitem realizar o diagnóstico na Educação Infantil | Crédito: Divulgação Caminho Rede de Ensino

“Essas informações ficam disponíveis para acesso somente do professor, que compartilha com sua coordenação pedagógica. Já os resultados individuais das Avaliações Diagnósticas online realizadas com estudantes do 4º ano do Ensino Fundamental ao 2º ano do Ensino Médio ficam disponíveis no Portal do Aluno, acessando com senha e login do estudante. As coordenações pedagógicas realizam análises tanto individuais como por turma e série, permitindo uma visão macro do seu segmento, facilitando o desenvolvimento de estratégias junto a equipe docente e a estruturação de um plano de ação adequado ao contexto de cada turma/série”, explica.

Conforme a diretora, no segundo e terceiro trimestres é aplicada a Provinha SAS para estudantes de 4º e 5º anos, que consiste em uma avaliação de Matemática e outra de Língua Portuguesa. Os professores desenvolvem a avaliação multidisciplinar que contempla os demais componentes curriculares. Essas avaliações geram dados individuais e coletivos para a atuação profissional dos docentes.

Correção de provas e análise de desempenho

Do 6º ano do Ensino Fundamental até o 2º ano do Ensino Médio, são realizadas as Avaliações Sistemáticas que consolidam, em uma única prova, questões de todos os componentes curriculares. Essas avaliações são corrigidas de forma online mediante cartão resposta. De acordo com os acertos e erros, são identificadas e analisadas as competências e habilidades dos estudantes, estruturando assim um Relatório de Desempenho Individualizado. A partir disso, são sugeridas videoaulas, exercícios, mapas mentais, dentre outras estratégias para consolidar os conteúdos e garantir a aprendizagem e o desenvolvimento dos estudantes.

Os estudantes do 3º ano do Ensino Médio participam de seis Simulados SAS ENEM no decorrer do ano, que consistem em provas semelhantes ao Exame Nacional do Ensino Médio tanto na forma de aplicação, como na complexidade das questões e métodos de correção. As últimas edições do ano são oportunizadas para estudantes de 1º e 2º anos do Ensino Médio, de forma a analisar os seus desempenhos e possibilitar o treino dos estudantes no que tange aos aspectos cognitivos e também socioemocionais.

Gamificação em ação

Outra estratégia adotada pela Caminho, em parceria com o SAS, é a utilização de gamificação para tornar a jornada de aprendizagem ainda mais eficaz, personalizada e integrada. A Liga das Corujinhas para Educação Infantil, a Educacross para turmas do 1º ao 3º ano do Ensino Fundamental, e a Eureka, do 4º ao 9º ano do Ensino Fundamental, por meio de jogos, desafios e atividades lúdicas, também geram dados para os professores e permitem uma análise do rendimento acadêmico dos estudantes. Com eles, são medidos dados de tempo de resposta, percentual de acertos e quantidade de tentativas.

De acordo com o desempenho, as questões vão tornando-se mais complexas, destacando a evolução do estudante. Para os estudantes do 6º ao 9º ano, o foco é voltado exclusivamente ao aprendizado da matemática, no desenvolvimento do raciocínio lógico e na resolução de problemas, habilidades cada vez mais necessárias para as profissões do presente e do futuro.

Maristela Tomasi Chiappin pontua que esta metodologia de avaliação e geração de dados faz parte do modelo de educação da Caminho Rede de Ensino, que é replicado pelas unidades franqueadas, Impulso Bento, Impulso Pio X, Impulso Jardim Eldorado, Impulso São Marcos e Impulso Torres.

“A prática foi adotada por apresentar ótimos resultados, gerando dados pedagógicos que permitem a melhoria contínua nas práticas pedagógicas, as correções de rota necessárias no decorrer da jornada da aprendizagem, além de um planejamento mais específico do professor em determinados conteúdos, a elaboração de estratégias para retomada e consolidação dos ensinamentos e uma evolução da turma como um todo”, sublinha.

Transparência e sigilo dos dados

A professora de Direito Digital e LGPD do Programa de Pós-graduação (PPG) de Direito da PUCRS, Regina Linden Ruaro, explica que os dados de crianças e adolescentes devem receber cuidado redobrado e que só podem ser utilizados com o consentimento dos pais ou responsáveis legais.

“O ideal é que a escola envie um documento para que os pais tomem ciência, deixando clara a finalidade, o que vai ser feito especificamente, quais os dados que ela vai coletar. Segundo, que em qualquer momento os pais possam ter acesso a esses dados coletados”, destaca a pesquisadora.

A diretora da Caminho Rede de Ensino sublinha que, na instituição, a política de uso de dados está disponível no contrato que é assinado no momento da efetivação da matrícula do aluno na escola. Além disso, os professores visualizam apenas os dados dos estudantes das turmas com as quais possuem vínculo pedagógico, e exclusivamente do seu componente curricular. Já os coordenadores pedagógicos acessam os dados de estudantes matriculados nas séries do segmento em que atuam (Educação Infantil, Anos Iniciais do Ensino Fundamental, Anos Finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio). O acesso à plataforma em que os dados ficam armazenados também é permitido aos pais, com o mesmo usuário e senha do estudante, permitindo que acompanhem o desempenho dos filhos.

Amparo legal

A pesquisadora Regina Linden Ruaro pontua que, além da LGPD, o uso dos dados de estudantes é regulado ainda pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), pelo Marco Civil da Internet e pela Constituição Federal. Em casos de dados sensíveis, como de alunos portadores de deficiência física ou intelectual, o cuidado com o manejo e o sigilo dessas informações também requer atenção extra.

Em abril, o Ministério Público ajuizou ação pedindo que o Governo do Paraná fosse condenado a pagar R$ 15 milhões de danos morais pelo uso de reconhecimento facial em cerca de 1 milhão de estudantes de escolas estaduais. Desde 2023, a frequência dos alunos passou a ser controlada assim. Na prática, os professores utilizam seus celulares para tirar uma foto da turma e enviar para um aplicativo que identifica e registra quais estudantes estão presentes na sala de aula.

No entendimento do promotor Marcos José Porto Soares, a política adotada infringe diversos aspectos da LGPD por violar o direito à autodeterminação informativa (o direito de cada pessoa em controlar e proteger seus dados pessoais), o direito de consentimento dos pais e responsáveis das crianças e o princípio da finalidade e transparência.

A professora Regina Linden Ruaro pontua que o dado biométrico é considerado um dado sensível e que o seu uso em escolas deve ser considerado como último recurso, somente quando não houver outra alternativa. Ela elenca três pontos fundamentais que devem ser delimitados com clareza pelas instituições de ensino que pretendem adotar o uso de dados biométricos em sua rotina:

  • Finalidade: segurança, otimização de processos, personalização do ensino etc.
  • Adequação: qual tipo de dado está sendo coletado (biométrico, dado sensível etc.); se envolve crianças e adolescentes; se tem consentimento dos pais
  • Necessidade: a coleta de dados é o melhor ou o único meio para essa finalidade?

Proteção de dados

Os riscos de invasões ou vazamentos são os principais temores de quem utiliza dados em sua rotina. Para minimizar esses riscos, a especialista da PUCRS lista alguns cuidados necessários para a proteção de informações pessoais.

“É preciso ter uma política de privacidade e um bom sistema de segurança, de cibersegurança, mas sem esquecer que a lei também abrange bancos de dados físicos, como arquivos em papel. Ela não é só para o que fica no computador digital. Muitas escolas ainda têm os arquivos na forma física”, lembra.

Regina Linden Ruaro ressalta ainda a importância da educação digital, tanto para estudantes quanto para educadores e gestores de instituições de ensino. Ela cita como exemplo o curso de Direito da PUCRS, em que os professores participam de treinamentos e cursos de qualificação constantes referentes à segurança digital.

Não podemos frear a tecnologia. Nós estamos diante da maior revolução que a história da humanidade já teve. Tudo o que nós pensávamos que ia acontecer daqui uns anos já está acontecendo. O paradigma foi quebrado. Isso é muito bom, porque a tecnologia está trazendo avanços na academia, que tem um papel muito importante para refletir sobre temas fundamentais como o uso de dados e da inteligência artificial”, frisa.

Tendo em vista os desafios impostos pela proteção de dados no ambiente escolar, é essencial que instituições de ensino se adaptem às exigências da LGPD, promovendo uma cultura de responsabilidade e transparência no tratamento das informações dos alunos. A utilização segura e ética desses dados não apenas garante o cumprimento da legislação, mas também potencializa a personalização do ensino e a melhoria dos processos pedagógicos. Assim, o equilíbrio entre inovação educacional e respeito à privacidade torna-se um caminho indispensável para uma educação mais eficaz, inclusiva e confiável.

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