Mudanças no Novo Ensino Médio continuam em aberto
Entidades e gestores educacionais analisam reforma do projeto recém-implantado, que causa insegurança. Orientação é que escolas mantenham o projeto pedagógico que está em andamento
Em tramitação no Congresso Nacional, o Projeto de Lei 5230/23 é uma proposição do governo federal que redefine a Política Nacional de Ensino Médio no Brasil e deverá ser apreciada pelos parlamentares ainda em 2023, após aprovação da urgência para votar o projeto pela Câmara dos Deputados. Com isso, o texto deve ser votado no plenário em dezembro. A proposta representa uma alteração ao que ficou conhecido como Novo Ensino Médio, que está em seu terceiro ano de implantação, oficialmente – a maioria das escolas iniciou o processo em 2022, por causa da pandemia.
Entre os pontos sujeitos a mudanças, aparecem carga horária, disciplinas obrigatórias, formação de professores e itinerários formativos, uma das grandes novidades do Novo Ensino Médio. É nesses itinerários que os alunos podem dar ênfase a áreas do conhecimento com as quais tenham maior afinidade e o desejo de trilhar uma carreira.
A vice-presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (FENEP), Amábile Pacios, classifica a revisão como inapropriada neste momento, com apenas dois anos de implantação. Segundo ela, a ideia seria bem-vinda com prazo mais adequado, com tempo para analisar o Novo Ensino Médio em todas as suas nuances.
“Conhecemos o texto apresentado pelo governo e sugerimos algumas emendas, algumas das quais foram acatadas pelo relator. Se o novo texto for aprovado, com essas emendas, o Novo Ensino Médio fica mais próximo do que já estamos fazendo e, portanto, na direção do objetivo central da reforma”, explica Amábile.
Caso as alterações provoquem algum tipo de impacto no que vem sendo feito, ainda assim não haverá motivo para pânico. A adequação poderá ser promovida com tranquilidade, até porque o trâmite envolve posterior regulamentação e o envio das medidas aos conselhos estaduais de educação.
Papel das escolas
Enquanto as entidades promovem o diálogo com parlamentares e lideranças políticas da educação, os gestores acompanham atentamente toda a movimentação, a fim de se adequarem ao que for necessário. A orientação da Fenep, por meio de lives, palestras e seminários, é para que não mudem suas propostas pedagógicas agora, nem mesmo diante de uma eventual aprovação do texto – uma vez que faltariam, ainda, outras etapas.
A posição do Sinepe/RS é para que as escolas continuem trabalhando como estão, capacitando professores e cumprindo a matriz curricular, além de olhar para as habilidades e competências dos alunos e os grandes eixos que mobilizam o Ensino Médio.
“O que as escolas privadas desejavam eram algumas modificações que ajudariam a organização e a realização de atividades mais bem direcionadas. Mas não sei se isso vai acontecer, a gente não sabe qual vai ser a profundidade dessas mudanças”, contesta o presidente do Sindicato do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinepe/RS), Oswaldo Dalpiaz.
Ele conta que a entidade acompanha a discussão com muita angústia e dor, em função do esforço que as escolas privadas fizeram para abraçar o Novo Ensino Médio. A iniciativa foi vista como uma boa alternativa de ajudar os alunos a se entusiasmarem para um estudo diferente, por meio do desenvolvimento de habilidades e competências. Uma mudança agora, define Dalpiaz, seria uma água fria na fervura. “Mexeu-se naquilo que, para a escola privada, estava indo bem”, lamenta.
Foi por isso que o projeto de lei deixou o setor insatisfeito e inseguro. “Criou-se um mal-estar porque se criou uma mágoa. Havia todo um encaminhamento, entusiasmo, os alunos contentes… A prova disso que estou dizendo foram os belíssimos trabalhos apresentados no prêmio que o SINEPE/RS organizou”, ilustra.
“Agora, estamos vivendo um limbo onde aguardamos ansiosamente o que vai ser aprovado no Congresso Nacional. Alguma coisa vai ser aprovada. Agora, se isto virá ao encontro das escolas privadas ou contra elas e o trabalho já realizado, não sabemos. Temos que aguardar um pouco”, conforma-se Dalpiaz.
Mudanças
No Novo Ensino Médio, as escolas devem oferecer 1.800 horas por ano de disciplinas obrigatórias. As outras 1.200 horas ficam dedicadas aos itinerários formativos – que se dividem em matemática, linguagens, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica.
O PL 5320/23 propõe o retorno às 2.400 horas de disciplinas obrigatórias ao longo do ano, quando não houver integração com curso técnico (o chamado quinto itinerário). Quando houver essa combinação, ficam reservadas 2.100 horas para a Formação Geral Básica (FGB) e 800 horas de ensino profissionalizante.
Os itinerários, aliás, também são alvo de mudanças. O texto proposto pelo governo prevê, além da FGB, Percursos de Aprofundamento e Integração de Estudos, que combinam pelo menos três áreas do conhecimento, levando em consideração o contexto de cada lugar e as possibilidades das instituições.
Esse aprofundamento ocorreria nas áreas de linguagens, matemática e ciências da natureza; linguagens, matemática e ciências humanas e sociais; linguagens, ciências humanas e sociais e ciências da natureza; e matemática, ciências humanas e sociais e ciências da natureza. Se a ideia for aprovada, cada escola deverá oferecer pelo menos dois percursos com diferentes ênfases.
Enem
Ponto mais nevrálgico das mudanças do Novo Ensino Médio, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) já vinha dando motivos para debates, especialmente em relação a quando passaria a valer a nova matriz de avaliação. Com toda a reforma em xeque, o assunto ficou ainda mais nebuloso. A única certeza, neste momento, é que em 2024 as questões ainda levarão em conta o programa anterior ao Novo Ensino Médio.
“O Enem é o que mais preocupa a Fenep porque está atrelado ao Ensino Médio e, sobretudo, pelo esforço que fizemos para que o aceitassem como nota de seleção para o Ensino Superior. Hoje ele está desvinculado da prática que as escolas estão fazendo”, observa Amábile.
Segundo a vice-presidente da entidade, a maior inquietação é exatamente a insegurança de como será avaliado o trabalho que está sendo feito no âmbito do Enem.
“As coisas boas que aconteceram com a implantação da reforma, como o ensino técnico profissionalizante, dentro do contexto da escola particular, não vão se perder por conta dessa discussão. O novo texto deixa isso claro”, tranquiliza, explicando que vai ajudar o relator, deputado federal Mendonça Filho (União-PE), na defesa do texto.
Dalpiaz concorda que o Enem traz uma incerteza muito grande, mas faz questão de ressaltar que o projeto de ensino das instituições vai muito além da avaliação. “Quando a escola assume a responsabilidade de colaborar com a educação, ela não coloca como prioridade máxima nem o Enem, nem o vestibular. Ela coloca como objetivo a educação, o desenvolvimento integral do aluno. O que a escola quer é construir uma pessoa feliz. O Enem e a prova do vestibular são consequências desse posicionamento”, reflete.
Escolas
No dia a dia da sala de aula, a continuidade do trabalho divide um pouco da atenção com o noticiário político. Para a coordenadora pedagógica da Rede Sinodal, Renati Chitolina, o PL 5230/23 “sugere mudanças significativas, sem considerar uma avaliação do que foi construído e, pior, sem a conclusão de um ciclo de formação, etapa tão importante para a sua avaliação”.
Diante disso, a Rede Sinodal acompanha os movimentos na Câmara dos Deputados. Ao conhecer a proposta, a instituição imediatamente posicionou-se pela rejeição do texto, como apresentado na íntegra. “Esperamos que os deputados estejam cientes do que a sua decisão acarretará para as escolas, que tanto investiram para a operação do Novo Ensino Médio. Aguardamos a publicação do PL e, assim que oficializado, as escolas serão acompanhadas para adequação dos seus currículos e cargas horárias, buscando a garantia do cumprimento da legislação vigente, além de experiências significativas de aprendizagem e construção de conhecimento”, observa.
Com 51 escolas associadas, a Rede Sinodal de Educação deixou a cargo do Grupo de Apoio Pedagógico (GAP) a tarefa de dar suporte aos gestores. Foram promovidos encontros, debates e formações continuadas para subsidiar tomadas de decisões e auxiliar na construção de propostas pedagógicas específicas para cada realidade.
Por se tratarem de unidades independentes, cada escola optou por oferecer itinerários formativos que contemplem as áreas indicadas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) seguindo particularidades de público e contextos local e regional. A maioria das unidades oferta dois itinerários formativos.
“Há uma oferta diversificada de componentes curriculares eletivos, que objetivam potencializar a criatividade, o pensamento lógico, o desenvolvimento da produção escrita, música, arte e esporte, línguas adicionais, além do conhecimento científico. Algumas escolas contemplam o ensino técnico nos seus itinerários formativos”, conta Renati.
“O relator é uma pessoa que conhece muito bem a reforma do Ensino Médio. Meu feeling diz que ele não vai se afastar muito daquilo que fundamenta o Novo Ensino Médio. Mas esta é minha opinião, quem determina são os votos, que podem não acompanhar o relator”, pondera Dalpiaz.
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