Nova NR-1 reforça acolhimento e prevenção na rotina escolar

A atualização da norma fortalece a gestão ativa da saúde mental nas escolas, integrando cuidado, escuta e práticas institucionais de prevenção

por: Bianca Zasso | bianca@padrinhoconteudo.com
imagem: Divulgação Colégio Dom Feliciano

Com a chegada da nova Norma Regulamentadora 1 (NR-1), que trata das Disposições Gerais e Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (PGR) dentro das empresas, colocou uma atenção especial também para as instituições de ensino. Com a implementação da NR-1, passa a ser exigido que todas as organizações, incluindo escolas, identifiquem, avaliem e controlem os riscos psicossociais como parte integrante do seu PGR. 

Essa atualização formaliza uma prática importante para as escolas: a de reconhecer o bem-estar mental como um pilar da saúde ocupacional. Deve ser sistematicamente prevenido e gerenciado, indo além dos riscos físicos e ergonômicos tradicionais.

Para a psicóloga Jussara Foletto, a grande mudança de paradigma proporcionada pela nova normativa é a integração entre saúde mental e gestão de pessoas, com um olhar mais minucioso e preventivo sobre o trabalho e o trabalhador. Nas instituições de ensino, isso implica reconhecer que professores, coordenadores e equipes administrativas também precisam de suporte psicológico e de políticas institucionais voltadas à promoção do bem-estar e da sustentabilidade emocional no ambiente educacional. 

Jussara orienta que é preciso atuar na prevenção primária, que envolve mudanças no ambiente de trabalho, e na secundária, que tem seu foco no suporte direto ao trabalhador. O investimento nestes dois níveis preventivos de forma integrada, propiciam a construção de um ambiente educacional mais sustentável. “Somente quando essa consciência coletiva se estabelece é que o ambiente educacional se torna, de fato, um espaço de trabalho saudável tanto para quem ensina e, consequentemente, para quem aprende”, orienta a psicóloga.

De acordo com o assessor jurídico do SINEPE/RS, Paulo Roberto Crespo Cavalheiro, tais mudanças afetam diretamente os setores de Recursos Humanos (RH), Departamento Pessoal, gestão, jurídico e também os  profissionais que atuam em Saúde e Segurança no Trabalho (SST). Ele também alerta que durante o período de transição e adaptação à nova NR-1, que encerra-se em abril de 2026, não haverá aplicação de penalidades pelo Ministério do Trabalho. “Contudo, orienta-se que as instituições empregadoras iniciem a revisão de seus Programas de Gerenciamento de Riscos, Saúde e Segurança do Trabalhador, incluindo neles os riscos psicossociais que possam ter relação com o trabalho”, afirma Cavalheiro. 

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O cuidado na prática

Mesmo que ainda haja um período considerável para a implementação da NR-1 nas instituições, algumas escolas já estão trazendo para a prática atividades que valorizam a escuta e a saúde mental de seus colaboradores. Um dos exemplos vem da serra gaúcha, onde o Colégio Agrícola de Veranópolis (AVAEC), transformou seu cotidiano a partir do trauma da enchente ocorrida no Estado, em maio do ano passado.

A percepção de que o cuidado com os estudantes exigia uma atenção primária com os professores, fez nascer o projeto “Raízes Fortes, Tempo de Cuidar”, uma iniciativa focada na promoção da saúde mental e no fortalecimento da comunidade escolar. Baseado na escuta sensível e nas necessidades reais dos professores, a proposta parte da compreensão de que cuidar do outro só é possível quando existe, antes, espaço para cuidar de si

Como explica a supervisora geral das unidades AVAEC, Jane Giugno, além das questões emocionais causadas pela tragédia, a equipe da escola se deparou com o agravamento dos desafios vividos pela comunidade escolar, o que exigiu ações urgentes de acolhimento emocional.

“Em meio a esse cenário, as salas de aula se tornaram espaços de múltiplas demandas. Além de ensinar, professores lidavam, diariamente, com desmotivação estudantil, questões comportamentais, dificuldades de aprendizagem e contextos sociais delicados. Percebemos que essa sobrecarga afetava profundamente a saúde física e emocional dos educadores, gerando estresse, ansiedade e esgotamento”, lembra.

Colégio Agrícola de Veranópolis (AVAEC) promove projeto com acolhimento e atividades físicas para professores desde a enchente de 2024 | Crédito: Divulgação AVAEC

“A hora do eu”

Atualmente, a escola conta com espaços de diálogo, proporcionando uma escuta segura e ativa para os professores da Educação Infantil e dos Anos Iniciais. A troca de experiências, orientada por uma psicóloga, oferece subsídios para que os educadores possam qualificar suas práticas.

Realizado a cada quinze dias, os encontros também são um momento de planejamento das atividades com os alunos, que rendeu a criação do momento semanal chamado “A hora do eu”. Conduzido pelas professoras participantes da formação, com o objetivo de trabalhar as demandas emocionais das turmas a partir da literatura infantil, passou a ser um recurso central para abordar temas como amizade, luto, tristeza, medo e bullying.

Além disso, o colégio incentiva iniciativas para a prática de esportes entre os professores, como o voleibol. A proposta têm se integrado de forma orgânica ao trabalho de escuta e acolhimento, pois oferece um espaço de convivência leve, descontraída e fortalecedora. “Atividades corporais e coletivas funcionam como dispositivos importantes de autocuidado, favorecendo a liberação das tensões emocionais acumuladas, o reencontro com o próprio corpo após períodos de sofrimento e a construção de vínculos mais sólidos entre os colegas”, aponta Jane. 

Com a atualização da NR-1, a AVAEC pretende incorporar, de forma estruturada e permanente, as ações já desenvolvidas a partir do projeto. A proposta é institucionalizar o projeto como uma política interna de promoção da saúde mental, integrando-o ao PGR por meio de ações continuadas de supervisão psicanalítica, formação de professores, espaços de diálogo e práticas de autocuidado.

Isso implica formalizar procedimentos, registrar indicadores qualitativos e quantitativos, estabelecer fluxos de acompanhamento e prever momentos regulares de avaliação do clima emocional da equipe. “Dessa forma, o trabalho deixa de ser apenas uma iniciativa pedagógica e passa a compor um eixo estratégico da gestão escolar, contribuindo para a prevenção do adoecimento, para a redução dos impactos dos riscos psicossociais e para a consolidação de um ambiente de trabalho mais seguro, humanizado e sustentável”, confirma a supervisora. 

Metodologia de análise interdisciplinar

Para o Colégio Dom Feliciano, em Gravataí, o novo modelo está sendo encarado de forma orgânica, integrando o olhar da saúde mental à gestão estratégica. “A prevenção e a promoção da saúde já eram parte da rotina institucional. Estamos nos adaptando com naturalidade às novas regras”, afirma a diretora da instituição, Irmã Jane Segaspini. 

Em Gravataí, Colégio Dom Feliciano já possui iniciativas de ações de saúde mental junto ao corpo docente, conforme a nova NR-1 | Crédito: Divulgação Colégio Dom Feliciano

Como forma de prevenção, o colégio utiliza uma metodologia de análise interdisciplinar, envolvendo a Psicologia Organizacional e a equipe do Sistema Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMET). Entre os instrumentos estão a Escala de Clima, aplicada anualmente, a observação de rotinas e o mapeamento sistemático de indicadores de saúde laboral.

Apesar da proatividade da instituição, a principal dificuldade reside nas ambiguidades de interpretação das novas exigências burocráticas da NR-1. “O que demandou uma reorganização da formatação do nosso trabalho para documentar dados conforme os parâmetros protocolares da Norma”, explica Ana Carolina Martins Chiavaro, responsável pelo setor de gestão de pessoas da escola. 

A expectativa do Colégio Dom Feliciano é que a atualização da NR-1 potencialize os espaços de humanização das relações de trabalho e fortaleça os valores que promovem o cuidado. “Ele poderá nos ajudar a identificar riscos, revisar práticas, cuidar da saúde física e emocional da equipe, melhorar a infraestrutura, orientar decisões pedagógicas e fortalecer a qualidade das relações de trabalho,” conclui a diretora.







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