Os perigos das plataformas de apostas online chegam às escolas

Educador e psicóloga alertam para uma maior atenção dos pais no uso das redes e a inclusão da cidadania digital nas escolas

por: Bianca Zasso | bianca@padrinhoconteudo.com
imagem: Freepik

Há quem diga que a internet é a rua mais movimentada do mundo, que oferece inúmeras possibilidades, das mais criativas até as mais ilícitas, já que ainda falta legislação para muitos setores da grande rede de computadores. Agora, surge a pergunta: você deixaria o seu filho menor de idade andar sozinho por esta rua? A resposta negativa é imediata, mas a realidade tem mostrado que muitos estudantes, inclusive abaixo dos 13 anos –  que é a idade mínima para criação de perfil em redes sociais, por exemplo –, circulam por tal rua sem nenhuma orientação ou acompanhamento. Uma prova disso é a presença cada vez maior das chamadas bets, plataformas de apostas online, no cotidiano de crianças e adolescentes. 

Um estudo organizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) mostrou que, no grupo de adolescentes entrevistados, 78% apostaram em jogos de azar pela primeira vez aos 12 anos. Mesmo com a restrição de uso e, em alguns casos, até a proibição do celular dentro das instituições de ensino, jovens seguem apostando mesmo em horário escolar, o que acendeu o sinal de alerta para muitos gestores e educadores. 

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Levantamento recente publicado pela Educa Insights mostra outro dado preocupante que já afeta a Educação Superior no Brasil: 35% das pessoas interessadas em cursar uma graduação em 2024 não iniciaram o curso por ter comprometido seus investimentos em função dos gastos com plataformas de apostas online. Além disso, a pesquisa também apontou que apenas 37% dos entrevistados pretendem parar de apostar em 2025 para retomar os estudos. 

Entusiasta do ensino e da discussão da cidadania digital em sala de aula, o professor João Paulo Freitas de Oliveira, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB), se deparou com alunos do primeiro ano do Ensino Médio alegando vício em apostas online. Após uma dinâmica em que os estudantes foram incentivados a buscar técnicas de concentração para melhorarem os resultados nos estudos, um deles perguntou se aquelas técnicas poderiam ajudá-lo a se livrar do vício no Jogo do Tigrinho, um dos mais populares entre os mais jovens. “Este aluno me relatou que, na sua família, ele era o que menos apostava. Estamos falando de crianças de 13, 14 anos viciadas em jogos de azar. Os dados são alarmantes e, para piorar, nós não temos pesquisa sobre isso no Brasil, desconhecemos os números dessa epidemia no país”, lembra o professor. 

A pesquisa da Unicef também reforça a influência da família e dos amigos para a introdução dos jovens no universo das apostas online: 51% dos adolescentes pesquisados começaram a jogar com amigos e colegas e 32% conheceram as plataformas por meio de um familiar. Em setembro, o Ministério da Educação anunciou a finalização de um projeto de lei que prevê a proibição do uso de celulares em escolas públicas e privadas do país, uma medida para, entre outras questões, diminuir o acesso dos estudantes a conteúdos que envolvam apostas.

Para João Paulo, no entanto, proibir não é a melhor saída, já que os celulares podem ser utilizados como ferramentas para tornar o aprendizado mais dinâmico e envolvente, desde que haja uma preparação do aluno. “Sempre proponho aos meus alunos o uso consciente do dispositivo. Ele precisa complementar a aula e não ser algo que tira a atenção”, explica o educador, que alerta que muitos pais demoram a reconhecer o vício dos filhos em apostas por conta do problema se apresentar de maneira silenciosa. “É uma epidemia que está acontecendo e as pessoas não estão vendo, pois o vício em jogo, diferentemente dos outros vícios, como o álcool e outras drogas, não emite cheiro nem mudanças corporais. É um vício invisível”, complementa. 

Incentivar a criatividade, as trocas em sala de aula e investir na cidadania digital são estratégias que o professor apresenta para romper a barreira entre escola e família, algo de extrema importância para que o jovem aprenda uma forma saudável de convivência com a internet e possa usufruir das potencialidades relevantes da rede. Por se tratar de uma geração que praticamente nasceu com acesso à tecnologia digital, batendo de frente com uma outra geração que foi, nas palavras de João Paulo, jogada dentro do universo dos dispositivos móveis e das redes sociais, é preciso convidar todos para o debate e fornecer acesso à informação de qualidade. “Precisamos levar os questionamentos sobre essas plataformas para dentro de casa, para garantir a proteção também dos pais e responsáveis. Temos que ter duas visões: a das pessoas que já estão contaminadas por essas ferramentas e as que ainda não estão”, finaliza o professor, que tem um projeto de criar um canal, juntamente com outros profissionais, para dar suporte para adultos e jovens que convivem com o vício nas apostas online. 

Momento de transição

A ONG SaferNet Brasil, que promove direitos humanos na internet, possui um trabalho árduo para levar informações e conscientizar educadores, gestores e pais sobre os perigos das bets entre os estudantes. Com o intuito de amparar as escolas na abordagem do uso crítico e responsável de diferentes tecnologias digitais, a entidade criou o programa  “Cidadania digital de apoio às secretarias de educação”, em que oferece material didático e curso de formação para professores. 

Para a psicóloga Bianca Orrico, responsável pela área de educação da ONG, é preciso envolver toda a sociedade para educar crianças e adolescentes sobre os usos da internet. Para isso, é fundamental que o assunto seja apresentado de forma transversal e trabalhado de uma forma sistemática dentro das instituições. “No programa, apresentamos planos de aulas específicos, abordando temas como prevenção do uso excessivo das tecnologias, segurança em jogos online e também fraudes e golpes. Tudo isso para orientar os estudantes sobre possíveis riscos e como utilizar essas plataformas de uma forma mais equilibrada, saudável e consciente”, orienta. O material pode ser acessado, de forma gratuita, neste link. 

Entender que os jovens estão vivenciando um momento de transição e descobertas em suas vidas e, por isso, mais sujeitos a serem vítimas das abordagens de marketing utilizadas por plataformas de apostas online, é crucial, bem como buscar no diálogo a compreensão desta etapa. Bianca explica que os jogos de azar estimulam a produção de dopamina, neurotransmissor responsável pela sensação de prazer e o design das plataformas são desenvolvidos para promover uma conexão com o jogador, fazendo com que ele permaneça mais tempo online. “É importante ouvir sobre as experiências que os adolescentes têm na internet, trazendo as informações de uma forma acolhedora. Isso permite que eles desenvolvam competências digitais e reflitam sobre o uso que estão fazendo dessa ferramenta”, sinaliza a psicóloga.

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