Os riscos do cigarro eletrônico e como a escola pode ser aliada no combate

Médica da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre explica os malefícios do uso do dispositivo e defende que instituições tenham regras para proibir o consumo

imagem: AdobeStock

Fabíola Perin

Médica da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, doutora em Patologia pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Se formou na Universidade de Caxias do Sul (UCS). É presidente da Sociedade de Cirurgia Torácica do Rio Grande do Sul (SOCITORS)

O ato de fumar foi relatado pela primeira vez pelos companheiros de Cristóvão Colombo, em 1492, ao observarem indígenas da América do Sul fumando folhas de tabaco. Em 1530, plantas de tabaco levadas pela família real portuguesa chegaram à França em 1560, pelas mãos de Jean Nicot, embaixador da França, a fim de amenizar as crises de enxaqueca da rainha Catherine de Médicis, que difundiu na corte francesa, e posteriormente na Europa, o ato de fumar.

Tabagismo é o termo utilizado para descrever a dependência que as pessoas desenvolvem à nicotina, presente nos cigarros, charutos, cachimbos, no narguilé e nos cigarros eletrônicos.

A Organização Mundial de Saúde estima que 1 em cada 5 pessoas no mundo sejam tabagistas e que atualmente aproximadamente 8 milhões de pessoas venham a falecer por ano pelas doenças associadas ao ato de fumar, sendo essa a doença evitável mais frequente no mundo.

Na década de 60, cientistas da Phillip Morris passaram a adicionar amônia à nicotina, aumentando a nicotina livre na fumaça do cigarro e gerando um recorde de vendas nos seus produtos. O sal de nicotina surge, de maneira artificial, pela associação da nicotina de base livre com um ácido e são comumente utilizadas em cigarros eletrônicos de quarta geração (tipo Pods), mascarando a aspereza das altas concentrações de nicotina liberadas durante a aerossolização e entregando a nicotina de forma mais rápida e suave ao fumante, instalando a dependência de forma veloz, principalmente entre adolescentes e adultos jovens.

Além da forma mais palatável da nicotina, os cigarros eletrônicos contêm aromas e sabores atraentes aos seus usuários e responsáveis pela elevação do número de casos de intoxicações nicotínicas acidentais em crianças americanas abaixo de seis anos de idade em mais de 1400%, entre 2012 e 2015 nos Estados Unidos, ocorrendo em menores de 2 anos em 44,1% das vezes. Também nos EUA, o US Surgeon General declarou uma epidemia de uso de cigarros eletrônicos entre os adolescentes americanos que nunca haviam fumado um único cigarro convencional. Muitos jovens manifestaram interesse em parar de usar os cigarros eletrônicos e, em 5 semanas, 27 mil adolescentes aderiram ao programa de tratamento ao tabagismo através de mensagens de texto.

No Brasil, o percentual de adultos fumantes caiu de 35% em 1989 para cerca de 10% nos dias atuais, após a implementação da campanha antitabagista, sendo considerado exemplo em saúde pela OMS. Uma pesquisa do IBGE em 2019 revelou que aproximadamente 19% dos estudantes de 13 a 17 anos já haviam experimentado cigarros eletrônicos e que 70% dos consumidores atuais de cigarros eletrônicos no Brasil têm entre 15 e 24 anos de idade.

Os cigarros eletrônicos foram anunciados inicialmente como uma alternativa menos danosa à saúde que o cigarro convencional e até mesmo como um auxiliar para que pessoas parassem de fumar, mas seu uso em países que o adotaram com esse fim não tem sido confirmado. O que se notou ao longo desse tempo foi o uso duplo de cigarros convencionais e eletrônicos nos pacientes que já fumavam, potencializando os malefícios à saúde e o consumo em adolescentes e pré-adolescentes, que de outra forma não entrariam em contato com o cigarro.

Há, nos cigarros eletrônicos, substâncias confirmadamente tóxicas: além da nicotina, produtos do aquecimento do próprio dispositivo e do fluido utilizado. A nicotina atua diretamente nas áreas do cérebro que envolvem o processamento emocional e cognitivo e a sua exposição precoce pode perturbar o curso normal de maturação do cérebro e ter consequências duradouras para a capacidade cognitiva, saúde mental e até mesmo da personalidade. É na adolescência que 90% dos fumantes adultos entraram em contato com a nicotina e a idade do primeiro contato com essa substância é determinante crítico da dependência. O equivalente a dois cigarros por semana é capaz de tornar um adolescente dependente da nicotina, corroborando a vulnerabilidade dos jovens que estão em uma fase de profunda reorganização das regiões cerebrais responsáveis pelas funções cognitivas e executivas de forma madura na região anterior do cérebro, o córtex pré-frontal. Áreas responsáveis pelo processamento de recompensa, regulação de emoções, do comportamento, do ânimo e do encorajamento têm suas estruturas alteradas pela nicotina, com impacto permanente nessas funções.

Além dos já comprovados malefícios da nicotina na saúde humana, o uso do cigarro eletrônico aumenta cerca de 40% o risco de infarto agudo do miocárdio e de 50% o risco de acidente vascular encefálico, está associado a alterações no DNA na mucosa oral, predispondo a câncer e ao agravamento de doenças pulmonares como a asma e o enfisema. O uso do cigarro eletrônico está associado ao surgimento de uma nova doença pulmonar chamada EVALI, sigla em inglês que designa lesão pulmonar grave associada ao uso do cigarro eletrônico ou VAPE, que leva jovens previamente saudáveis a insuficiência ventilatória com necessidade de internação em UTI para ventilação mecânica e nos casos mais graves, na impossibilidade do transplante pulmonar, à morte.

Escolas de Ensino Médio nos EUA estão revisando suas regras para proibir o cigarro eletrônico nas dependências escolares. O uso em escolas deve ser terminantemente proibido. Não há argumento concreto que possa defender o uso do cigarro eletrônico frente aos malefícios associados ao seu uso.

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