Por que a meta 11 do PNE não trouxe o retorno desejado para o Ensino Técnico?
Dentro do Plano Nacional de Educação, uma meta específica indica oportunidades para esta área do ensino. Porém, ainda faltam muitas ações para que isso se concretize
Triplicar as matrículas da educação profissional técnica de nível médio,assegurando a qualidade da oferta e, pelo menos, 50% da expansão no segmento público. Essa é a meta 11 que consta no Plano Nacional de Educação (PNE). Porém, a expectativa e a realidade estão bem distantes.
Apenas 9% dos adolescentes concluem a educação básica com um diploma de curso técnico. Traçando um comparativo, a média dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 38%. E a diferença aumenta se for comparar com Áustria, Suíça e Reino Unido, que chegam aos 60%. Referentes a 2019, os dados estão presentes no relatório Education at a Glance 2021.
O Ensino Técnico possui uma grande expansão da oferta, que pode trazer impactos social, cultural e econômico no Brasil. A forma de educar tem como princípio tornar as pessoas mais produtivas, o que gera melhores oportunidades de emprego e renda.
O que falta para esse objetivo ser alcançado?
Inexistência de uma articulação política coordenada
A percepção de que o Ensino Técnico é um ingresso mais imediato no mercado de trabalho ainda carece de maior reconhecimento, principalmente das políticas públicas. Com a aprovação do Novo Ensino Médio, o itinerário formativo
(que contempla Linguagens e suas Tecnologias, Matemática e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias, Ciências Humanas e Sociais Aplicadas e Ensino Técnico) promove um importante estímulo do tempo integral dos estudos, demandando maior carga horária e interação.
Para que esse fato se concretize, a diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais, da Fundação Getúlio Vargas, Claudia Costin, frisa que é importante que o Ministério da Educação assuma o seu papel de coordenação com os governos estaduais e institutos técnicos federais. “No começo do atual governo, parecia que iria para esse caminho, mas, por algumas circunstâncias, as ações partiram muito mais dos desejos de cada Estado do que uma ação coordenada”, constata.
Havia um modelo anterior na constituição de grandes institutos técnicos federais que, de fato, ampliaram o número de escolas profissionalizantes. A especialista acredita que o problema está na abordagem e no público que estuda nesses ambientes. Na maioria dos casos, essas qualificações são somente vistas como um caminho mais rápido para ir à universidade do que propriamente de atuação como tecnológico.
Com essa mesma linha de raciocínio de que existe uma necessidade de articulação para expandir essa modalidade de ensino com qualidade e voltada à inserção produtiva, constam iniciativas no documento Propostas para o Desenvolvimento da Educação Profissional e Tecnológica. O levantamento foi desenvolvido pelo Itaú Educação e Trabalho.
Entre as recomendações, está a criação de espaços de governança intersetorial, envolvendo as áreas responsáveis pela educação, trabalho, economia, planejamento, desenvolvimento social, juventude, ciência e tecnologia, entre outras áreas pertinentes. A coordenação deve ser do órgão central do Poder Executivo, para promover o Ensino Técnico em políticas públicas educacionais e de trabalho articuladas.
Meta parcialmente cumprida
O Balanço do Plano Nacional de Educação, realizado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, traz nas suas análises a meta 11 como parcialmente cumprida e que o PNE não está sendo cumprido. No lugar dele, são colocadas uma série de políticas públicas que vão na contramão de tudo o que ele preconiza: uma escola como lugar vivo, democrático, transformador e livre.
“Assim, o descumprimento do Plano Nacional de Educação está no centro da barbárie que toma a educação nacional”, comenta a educadora e integrante do Comitê RS da Rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Amélia Bampi.
Classificada como “evidência do descaso com a meta 11”, a educadora comenta que a falta de verba para o ensino técnico-profissionalizante. Houve uma redução de mais 20% no orçamento. Em 2021, o valor para despesas básicas baixou de R$ 2,39 bilhões para R$ 1,91 bilhão. A falta de dinheiro está prejudicando até a compra de insumos para os laboratórios. Existem registros de alunos que reclamam que houve redução da assistência estudantil. No caso, a bolsa permanência, o corte foi de R$ 26 bilhões do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) feito pelo Governo Federal. “Após os cortes, ocorreu um impacto devastador na educação”, alerta.
O que pensam os gestores de Ensino Técnico?
O Novo Ensino Médio apresenta grandes desafios mas, também, oportunidades para as escolas. As mudanças são profundas, e um dos desafios será a inclusão do quinto itinerário formativo, que trata da formação técnica e profissional.
“Claro que a escola não será obrigada a ofertar todos os itinerários, mas quanto mais opções de itinerários oferecer, mais chances o aluno terá de encontrar um caminho que esteja alinhado com o projeto de vida dele”, comenta a diretora Administrativa da Factum Escola Técnica e Faculdade, Bárbara Nissola.
No caso do itinerário da formação técnica e profissional, a diretora da Factum acredita que existe uma oportunidade para que as escolas técnicas possam apoiar a implantação e desenvolvimento do quinto itinerário nas escolas privadas e, sobretudo, nas escolas públicas. O Ensino Técnico permite trazer a experiência do conhecimento e o capital humano, que são os profissionais/docentes que já atuam na educação profissional.
Há 30 anos trabalhando com a formação de pessoas, com caráter privado e filantrópico, a Escola de Saúde do Hospital Pompéia vem ofertando bolsas socioeducacionais. Os incentivos vão de 50% de desconto ao custeio integral.
Nos últimos anos, a instituição foca no itinerário formativo e na constituição de cursos de formação básica, de qualificação e aperfeiçoamento. “É um caminho para que os estudantes possam fazer outros cursos de qualificação, bem como uma pós-graduação”, constata o diretor da Escola de Saúde do Hospital Pompéia, Rossano Sartori Dal Molin.
Mesmo com a pandemia, a procura pela qualificação na área da saúde tem crescido. Dal Molin percebe um movimento de cultura de valorização do Ensino Técnico. Para ampliar esse mercado, o diretor da Escola acredita que a Parceria Público-Privada (PPP) pode ser um ótimo caminho para o setor, porém o governo federal pode pensar em estratégias relacionadas entre as escolas. “Temos essa capacidade de abertura de novos cursos técnicos”, complementa.
Exemplos e soluções inspiradoras
Um modelo a ser seguido é o da Coréia do Sul, por meio das “Meister Schools”, segundo aponta a especialista da FGV. Nas escolas públicas secundárias, os jovens são preparados para atuar na tecnologia de ponta. Realizando essa formação técnica, não é necessário prestar um vestibular para ingressar em um curso correspondente, como a Engenharia. A formação que ocorreu no Ensino Médio é considerada. “Essa é uma ideia fantástica: em três anos, você dá um salto na sua formação”, enfatiza.
Em comparação com o Brasil, Claudia Costin exemplifica que quando um aluno entra no instituto federal de Mecatrônica, pode migrar para um curso superior em outra área, como o de Ciências Sociais. “Do ponto de vista social, o jovem não está errado, mas isso é um grave erro. Se investe em laboratórios caros e sofisticados e que, no final das contas, não geram empregabilidade nessas áreas”, contata.
Já o estudo do Itaú Educação e Trabalho cita os Estados Unidos como exemplo de política focada em programas de aprendizagem. A pesquisa refere que em seu sistema nacional de aprendizagem, o país fornece uma estrutura para o desenvolvimento e registro de programas de aprendizagem. Todos os programas são baseados na prática de trabalho, orientada pelo empregador. Consistem em dois componentes principais: treinamento no local de trabalho (ou aprendizagem no trabalho) e instrução relacionada (por exemplo, formação em sala de aula). A maneira como esses componentes são estruturados varia de acordo com as necessidades da indústria.
A Alemanha também é referida. Baseada na cooperação entre Estado, empresas e parceiros sociais, o estudo descreve que o modelo adotado consiste em treinamento, fornecido por empresas, e educação oferecida em escolas profissionais. A capacitação na empresa é realizada a partir de especificações acordadas por organizações de empregadores e empregados do setor.
Observatório monitora a meta 11
Coordenado pelo Todos Pela Educação, o observatório OPNE é uma iniciativa que busca monitorar o Plano Nacional de Educação, dando transparência aos dados da Educação brasileira. Entre as informações, contam as relacionadas à meta 11.
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