Por que o interesse pela graduação está diminuindo no Brasil

Segundo o Censo da Educação Superior, apenas 59% dos que concluem o Ensino Médio em escolas privadas brasileiras ingressam na graduação no ano seguinte

por: Pedro Pereira | pedro@padrinhoconteudo.com
imagem: FreePik

Além de estar atento à evasão no Ensino Superior e à formação de professores, o Ministério da Educação (MEC) vem demonstrando preocupação com outro fenômeno: a baixa procura pela graduação por parte daqueles que concluem o Ensino Médio. Foi o que apontou o secretário-executivo do MEC, Leonardo Barchini, durante a divulgação do Censo do Ensino Superior.

O estudo, promovido anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), trouxe esse novo índice na edição deste ano, com números relativos a 2023. E o primeiro resultado já foi suficiente para acender o sinal de alerta. Dos concluintes do Ensino Médio em 2022, 27% ingressaram no Ensino Superior no ano seguinte. No recorte específico das instituições privadas, o montante é menos assustador – mas, ainda assim, chama atenção: 59% dos que terminam o Ensino Médio dão entrada a um curso de nível superior logo em seguida.

Para se ter uma dimensão do que esses percentuais representam, o número de matrículas no Ensino Superior foi de 9,9 milhões em 2023, 5,6% a mais do que no ano anterior e o maior índice desde 2024. O número, porém, é insuficiente. É o que sustenta o pós-doutorando em Educação na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Bernardo Sfredo Miorando. 

Ele lembra que há um avanço no número de matrículas e diplomas também no Ensino Médio, embora lento e aquém do que seria necessário para resolver o problema. O especialista lamenta que o ponto de partida também seja muito ruim. “Só começamos a ter políticas mais efetivas de acesso ao Ensino Médio nos anos 1990, com ampliação da rede, e nos anos 2000, com algumas políticas mais direcionadas aos jovens dessa idade, como o Pró-Jovem”, ressalta. 

Ainda segundo Miorando, essa etapa da escolarização continua bastante problemática porque apresenta grande evasão. Outro fator prejudicial é que ela concorre com a entrada dos jovens no mercado de trabalho – que acaba sendo mais interessante, especialmente quando vivem em restrições orçamentárias bastante significativas. 

Aspectos culturais

O professor titular da Faculdade de Educação da UFRGS Sérgio Franco ressalta que em nenhum lugar do mundo é esperado que todo cidadão curse o Ensino Superior. No Brasil, da mesma forma, se tem uma ideia do quanto é importante, mas ainda não se tem uma cultura de que, de fato, todos devem procurar uma graduação. 

Tomando como exemplo países e regiões que têm maior entrada no Ensino Superior de forma subsequente ao Ensino Médio, Franco cita o Japão (com cerca de 80%), Europa (por volta de 60%) e Estados Unidos (em torno de 40%). “A gente tem que cuidar para não ficar com essa ideia de que todo mundo tem que fazer curso superior. Quando termina o Ensino Médio, [o egresso] tem que pensar na sua vida, e uma das possibilidades é o Ensino Superior”, observa.

Franco, que também é presidente da Associação das Escolas Superiores de Formação de Profissionais do Ensino do Rio Grande do Sul (AESUFOPE-RS), afirma estar mais preocupado ainda com a evasão do Ensino Médio, pois estes poderiam ir para o Ensino Superior. A diminuição no número de inscrições no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), segundo ele, é sintomática e tem mais a ver com a alta evasão do que com um desinteresse em cursar a graduação.

Outra consequência – tanto da evasão quanto do desinteresse – é a sobre de vagas em universidades públicas, algo impensável até certo tempo. “No ensino privado, em que temos muitas comunitárias aqui no Estado, uma série de cursos fecharam por falta de procura. Um problema sério para o setor”, lembra.

Financiamento

Recentemente, foi a vez da ESPM de Porto Alegre anunciar o fim das atividades de seus cursos de nível superior, mantendo os de pós-graduação. Entre os motivos alegados pela instituição está a “redução substancial do número de candidatos ao longo dos últimos anos”.

Em entrevista recente à Rádio Gaúcha, o 2º vice-presidente do Sindicato do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (SINEPE/RS), Bruno Eizerik, lamentou o fechamento de mais uma instituição de ensino superior. Ele lembrou, ainda, que no ano anterior foi o Centro Universitário Metodista – IPA quem encerrou as atividades. 

“A gente enxerga um momento muito delicado para o Ensino Superior. E isso vai se refletir no apagão de professores, porque estes são formados no Ensino Superior. Se entra menos, sai menos. O dado é muito preocupante. Nós temos um em cada cinco jovens entre 18 e 24 anos acessando o nível superior. Estamos perdendo 80% dos alunos que poderiam estar na graduação”, analisa.

Eizerik aponta que, possivelmente, o principal fator seja a condição de financiamento. Segundo ele, em 2014 foram contratados mais de 700 mil acessos ao Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies). Em 2023, esse número ficou pouco acima dos 50 mil. “Isso vem muito de um pensamento: o financiamento é um investimento no país ou uma conta que precisa ser paga? Para mim, é um investimento no país, porque aquele aluno gera renda para ele, para a família e para a sociedade. E depois pode pagar, até mesmo com serviço”, acredita.

O dirigente ressalta que o problema não está atrelado a um governo específico. É, sim, falta de uma política de estado para a educação. Para Eizerik, é sintomático que o financiamento estudantil esteja sob a gestão do Ministério da Economia, e não da Educação. Essa soma de fatores e a falta de uma visão, enquanto País, está levando à queda no número de alunos no Ensino Superior.

Outros fatores

Muitas variáveis precisam estar alinhadas para que o estudante consiga ingressar no Ensino Superior assim que conclui o Médio. Para se ter uma ideia, até mesmo o transporte público pode ser um dificultador. O professor Sérgio Franco conta que uma aluna que antes podia embarcar em um ônibus à meia-noite, na região central de Porto Alegre, para voltar para casa, hoje precisa estar no ponto de partida até as 21h30, de modo que não consegue assistir às últimas aulas. “A dificuldade de serviços e a desorganização da vida das pessoas tornou mais complicada a participação nos cursos superiores. Mesmo que seja em uma instituição privada, tem que ter condições de chegar, jantar, uma série de coisas que acabam pesando”, reforça. 

Franco suspeita que um dos principais fatores (se não o principal) que contribuem para essa baixa procura reside não nessas questões periféricas, mas no próprio ensino: a oferta de cursos superiores a distância facilitados. Ainda não há uma série histórica, que permita afirmar categoricamente, mas ele não tem dúvida de que isso está na equação. “São cursos de baixa qualidade, que às vezes o aluno não tem ideia disso, procura porque é mais barato, se torna mais simples e ele fica enganado. Como as pessoas migraram para isso, também começaram a não procurar os cursos tradicionais, especialmente depois da pandemia”, comenta.

As perspectivas de trabalho são outro ponto que merece atenção. Com o aumento dos postos de trabalho por contrato, sem carteira assinada, tornam-se menos visíveis as conexões entre a formação acadêmica, o título conferido pelo diploma e a colocação no mercado. Essa diferença (ou ausência) de vínculo, descolada de um plano de carreira, pode levar os jovens a verem o Ensino Superior como algo não mais necessário para uma boa colocação. 

“Dentre esses jobs, muitos são relacionados a novas tecnologias ou áreas de especialização, empreendedorismo, que não são tão evidentemente relacionadas com a formação acadêmica tradicional, outro fator que pode pesar na percepção dos jovens sobre o valor da educação superior”, cogita Bernardo Miorando.

O papel da escola

Neste contexto, ainda que não haja uma receita, o que a escola pode fazer é abrir o horizonte do aluno. “Mostrar as várias oportunidades que ele tem para a vida é importante. Assim como tem importância as universidades mostrarem para as escolas o que oferecem de possibilidades, para que elas mostrem aos estudantes”, exemplifica Sérgio Franco.

No entendimento do pesquisador, se o corpo docente é engajado, precisa fazer pouco para demonstrar os caminhos possíveis. Se está defasado, no entanto, tem que fazer uma coisa um pouco mais organizada para chegar nisso. “É todo um ecossistema. O que cada vez mais estou convicto é que nada tem apenas uma causa principal. Muitas ações precisam ser feitas”, defende.

Em termos mais práticos, estar alinhado com as demandas no novo mundo do trabalho e as pautas das gerações mais novas pode ser um caminho. Miorando lembra que a responsabilidade socioambiental tende a entrar nesse rol, assim como tudo que estiver ligado a desenvolvimento sustentável, agenda da Organização das Nações Unidas (ONU) e o desenvolvimento de competências socioemocionais.

Já as próprias instituições de ensino superior podem apostar em características históricas e tradicionais, como o fato de ser um ponto de encontro, onde se pensa o mundo, onde a pessoa elabora ou reelabora seu projeto de vida e também desenvolve uma rede de relacionamentos, já trazendo oportunidades para a vida profissional. A tudo isso, Miorando chama de redes de capital social. 

“Por muito tempo, as instituições no Brasil estiveram concentradas em um currículo obrigatório, no desenvolvimento de conteúdos. As outras oportunidades de desenvolvimento, como pesquisa  e extensão, ficavam com acesso de grupos restritos – internacionalização, menos ainda”, observa. Sendo assim, um caminho para conquistar o público pode estar em valorizar a possibilidade de os estudantes cuidarem do próprio currículo. 

Muitas instituições têm diminuído a carga horária obrigatória e aumentado a eletiva, incorporado projetos, metodologia baseada em problemas e desafios, envolvendo os estudantes com outros agentes da sociedade para resolver problemas do entorno social. “Isso é um outro caminho: colocar o estudante como alguém que vai se relacionar com as dinâmicas do seu tempo. Além disso, a colocação das instituições no sentido de ajudar a resolver questões urgentes e empoderar os estudantes para ter impacto no mundo me parece que é algo que apele até mais às gerações atuais do que teria apelado no passado”, sugere. 

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