Enchentes no RS: solidariedade foi um dos grandes aprendizados

Envolvidos diretamente com desabrigados das enchentes do RS, professores de Psicologia da Ulbra falam sobre o espírito de solidariedade que uniu pessoas do mundo todo e como manter essa mobilização nos próximos meses

por: Eduardo Wolff | eduardo@padrinhoconteudo.com
imagem: Freepik

Um dos principais abrigos no Rio Grande do Sul para receber os atingidos pelas enchentes foi a Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), em Canoas. A universidade chegou a acomodar, em um só dia, aproximadamente oito mil pessoas. Ao todo, a instituição registrou o envolvimento de cerca de dois mil voluntários. Foram diversos momentos de atenção, como também de muita solidariedade.

Conforme relata o coordenador do curso de Psicologia da Ulbra Canoas, Vinicius Tonollier Pereira, assim que os desabrigados começaram a chegar à universidade, no final de semana do dia 4 de maio, rapidamente vieram também os voluntários. “Nos primeiros dias, o nosso papel, enquanto docentes do curso, foi de organizar as ações de saúde mental no campus”, comenta.

Já a professora de graduação de Psicologia na universidade, Aline Groff Vivian, destaca que foram convidados profissionais para breves treinamentos sobre a atuação em primeiros socorros psicológicos para crianças, adolescentes e adultos. “Sabíamos que o trabalho iria envolver algumas semanas, então tomamos o cuidado também com a saúde mental dos voluntários, para que estivessem emocionalmente em condições de atuar”, destaca.

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A equipe envolvida com as políticas públicas de saúde mental de Canoas também foi acionada. “Em termos mais amplos, foi realizado um trabalho multidisciplinar dos abrigados que foram atendidos pelo Serviço de Acolhimento Psicológico do maior abrigo do RS”, diz Pereira.

Os voluntários, a Polícia Civil, a Brigada Militar, a Força Nacional, os bombeiros resgatistas e outros profissionais também foram acolhidos pela universidade. Estes receberam alimentação, local para banho e acomodação para descansar.

Diante de todo este contexto, e por estarem à frente de várias ações de solidariedade aos atingidos pela tragédia, o Educação em Pauta entrevistou estes docentes da Ulbra. Pereira é especialista em Psicologia em Saúde e atua como psicólogo em políticas públicas. Já Aline é psicoterapeuta de Orientação Psicanalítica e pesquisadora na área de promoção da saúde mental ao longo do ciclo vital. Na entrevista abaixo, os dois explicam como o espírito de solidariedade se fortalece nestes momentos de crise e comentam sobre os desafios para o que ainda vem pela frente.  

Educação em Pauta – O que costuma provocar o espírito solidário nas pessoas?
Aline Groff Vivian – Em uma tragédia como a do nosso Estado, em que todos foram impactados de alguma forma, a proximidade e o fato de sermos as próprias pessoas atingidas ou termos alguém próximo ou conhecido nessa situação intensifica a empatia e a solidariedade. Boa parte das pessoas se viram envolvidas e convocadas a alguma atuação, dentro das suas possibilidades. Sendo assim, o senso de pertencimento a uma comunidade ou grupo pode propiciar o envolvimento em atividades voluntárias, por se colocar no lugar das pessoas afetadas e buscar estratégias ativas para aliviar seu sofrimento. 

Educação em Pauta – Como o voluntariado pode fortalecer o nosso Estado e, por consequência, ajudar os mais atingidos?
Vinicius Tonollier Pereira – É fundamental criarmos redes de apoio e cooperação neste momento, pois geram pertencimento e apoio mútuo. Não se sentir sozinho em um momento trágico como este é importante, e a rede de voluntariado mitiga essa sensação. 

Na Ulbra, os voluntários se mobilizaram fortemente e ofereceram cuidados muito eficazes para as necessidades da comunidade afetada. Ademais, o trabalho voluntário acaba por complementar recursos do município e do Estado, que podem se esgotar quando a demanda aumenta exponencialmente, como nesse cenário de emergência e desastres.

Educação em Pauta – Em momentos de crise, como a qual o Rio Grande do Sul está passando, mesmo com pessoas ajudando, porque existe aquela sensação de não estar fazendo o suficiente?
Aline Groff Vivian – A dimensão dos acontecimentos e a impotência frente à tragédia podem dar a ideia de que o que se está fazendo é insuficiente. Mesmo diante da magnitude desse desastre, importa reconhecer que cada ato de auxílio pode contribuir para melhorar as condições das vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul. As inúmeras necessidades e o confronto com a realidade também podem ocasionar a sensação de que a ajuda não é completa, mas a continuidade dessa rede de solidariedade na comunidade será fundamental para a recuperação de tudo que ainda é necessário reconstruir. 

Educação em Pauta – Após terminar todo esse caos climático no Estado, um grande desafio é continuar com o apoio de voluntários para a reconstrução. O que é importante as pessoas terem ciência sobre isso?
Vinicius Tonollier Pereira – Ações individuais e pontuais podem perder o fôlego, já que as pessoas precisam retomar suas vidas. Talvez as ações coletivas e em grupo possam sustentar e dar mais sentido ao trabalho voluntário, por isso importante o papel institucional e de coletivos que se formam espontaneamente, desde uma associação formal até um grupo de vizinhos, pois isso pode dar mais consistência e durabilidade ao voluntariado. Vale destacar que o voluntariado não só tem oferecido uma resposta imediata e necessária durante as enchentes, mas também pode vir a contribuir para a construção de comunidades mais fortes e resilientes a longo prazo. 

Ao promover o envolvimento cidadão e a colaboração entre diferentes setores da sociedade, o voluntariado pode ser uma ferramenta essencial para enfrentar desafios e fortalecer as cidades atingidas, o Estado e a sociedade como um todo. Esses esforços combinados com o suporte do poder público, autoridades locais e organizações humanitárias podem se tornar ainda mais potentes e bem direcionados de acordo com as necessidades específicas e todos os desafios envolvidos.

Educação em Pauta – O que é preciso para se tornar um cidadão mais solidário?
Aline Groff Vivian – Temos uma cultura muito individualista, então é um desafio gerarmos empatia e capacidade ampla de entendimento dos fenômenos, de modo que possamos nos ver implicados de algum modo em tudo que acontece na sociedade. Isso tende a nos tornar mais co-responsáveis pelo rumo da sociedade a qual pertencemos, em que todos temos a ver com todos, não vivemos sozinhos. 

Ao tornar-se uma pessoa mais solidária também é possível obter maior satisfação pessoal e enriquecer a própria vida com experiências únicas como as que estão sendo vivenciadas nesse momento histórico em nossas cidades e no Rio Grande do Sul.

Educação em Pauta – A educação é um caminho para criar uma cultura mais sólida de solidariedade?
Vinicius Tonollier Pereira – Sem dúvidas. A educação tem o potencial do encontro, do coletivo e gerar reflexões e ações em torno da cultura da solidariedade tendem a fortalecer e reproduzir tal modelo. Estabelecer um maior compromisso com a cidadania na sociedade passa pelo papel transformador da educação, que contribui para o engajamento de cada pessoa não apenas em momentos de crises, emergências e desastres, mas na coletividade de forma geral.

Educação em Pauta – De quais formas uma criança pode aprender a ser mais solidária?
Aline Groff Vivian – Implicar as crianças nas ações dentro daquilo que é possível de acordo com a idade delas é fundamental. Vimos crianças de 7 e 8 anos mandando mensagens nas marmitas que eram distribuídas, por exemplo. Além disso, percebemos que alguns adolescentes com cerca de 12 anos foram levados por seus responsáveis até os abrigos para realizar doações ou atividades de cuidado com animais que também foram resgatados. Participar diretamente dessas ações, por meio da observação das atitudes de adultos e das escolas certamente ensina, em ato, a importância da empatia que conduz à solidariedade. 

Em momentos emergenciais como o que estamos vivendo, essas ações ganham maior visibilidade, contudo é importante conseguir integrar algumas dessas práticas no cotidiano, para que as crianças possam aprender a ser mais solidárias de forma espontânea e significativa. Sendo assim, o papel dos genitores, educadores e cuidadores é fundamental em guiar e apoiar as crianças nesse caminho, criando uma base sólida para que elas se tornem adultos empáticos e comprometidos com o bem-estar coletivo.

Educação em Pauta – Quais são as recomendações que você daria a um gestor escolar para estimular a solidariedade em uma escola?
Vinicius Tonollier Pereira – Realizar atividades educativas para sensibilizar os alunos, professores e pais sobre a situação das vítimas das enchentes do nosso Estado pode ser um bom começo. É importante compreender a realidade da comunidade escolar para realizar ações solidárias, bem como reconhecer e mapear o que já vem sendo desenvolvido neste cenário. Divulgar e incentivar novos projetos que podem ser integrados aos conteúdos investigados em sala de aula, pode fortalecer o engajamento e sustentar ações ligadas à responsabilidade social dos envolvidos.

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