Escolas realizam ações para acolher comunidades em meio a tragédia no RS
Doações chegam até de helicóptero e iniciativas seguem recebendo famílias atingidas pelas chuvas
As escolas, assim como as igrejas, costumam ser pontos de referência para comunidades, especialmente em situações de emergências. Buscar abrigo é algo que envolve muito mais do que oferecer roupas, cobertores e comida. O afeto e a solidariedade também são itens básicos para seguir em frente na reconstrução de uma vida inteira.
A cidade de São Leopoldo, na região metropolitana de Porto Alegre, foi uma das mais atingidas pelas enchentes que transformaram a vida dos gaúchos de todas as regiões do Estado. De acordo com a prefeitura, 100 mil moradores tiveram que deixar suas residências e a maioria encontra-se alojada em 88 espaços destinados ao acolhimento das vítimas na cidade. Um deles é o ginásio do Colégio Evangélico Divino Mestre, localizado no bairro Scharlau, que tem sido ocupado por 50 pessoas vindas de um lar para idosos que apresentam deficiências físicas e mentais.
“Eles conseguiram salvar as roupas de cama, mas é a nossa comunidade quem está arrecadando e distribuindo marmitas, pois não temos como cozinhar no espaço. Os idosos estão acompanhados de seus cuidadores e estamos todos envolvidos para conseguirmos doações de roupas, cobertores e itens de higiene. Hoje mesmo recebemos um caminhão de Santa Catarina com doações”, explica o diretor do colégio, Adolfo Leopoldo Dreyer, que atendeu a equipe do Educação em Pauta observando a água chegar, mais uma vez, próxima ao portão de sua casa.
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Além de ajudarem os abrigados, a comunidade escolar do Divino Mestre também convive com as incertezas de como será o retorno das aulas, já que a escola sofreu danos, assim como outras 59 instituições de ensino de São Leopoldo. Uma pesquisa, realizada pela gestão da escola por meio de formulário, traz números alarmantes: dos 251 alunos que deram retorno, 89 afirmaram terem perdido tudo. “São pessoas que terão que recomeçar do zero e fazem parte da nossa comunidade. O colégio está colaborando, mesmo também tendo sofrido danos materiais. Muitas famílias de alunos procuram a escola sem saber como irão seguir em frente e agora estamos tendo a real dimensão dessa tragédia e tentado ajudar como podemos.”, lamenta o diretor.
Com as águas sem previsão de baixa, a escola criou um PIX para receber doações em dinheiro e a sede da instituição também está recebendo donativos como materiais escolares, roupas, calçados infantis e adultos, roupas de cama, cestas básicas e produtos de higiene pessoal e de limpeza. Paralelo ao essencial para a sobrevivência, professores estão produzindo vídeos e textos para os alunos como forma de acolhimento neste momento de tantas incertezas. “A escola faz o possível para ajudar, mesmo que muitos dos nossos colaboradores também estejam passando por problemas. Haverá ainda muito trabalho pela frente, mas vamos seguir garantindo o que pudermos para a nossa comunidade.”, informa Adolfo.
Uma palavra também é alimento
Diferente da instituição de São Leopoldo, as instalações do Colégio Marista Rosário, em Porto Alegre, não foram atingidas pelas águas e a integridade de suas salas e demais espaços permite que a solidariedade esteja no planejamento do dia. Por meio da Associação de Pais e Mestres (Apamecor), cerca de 250 voluntários estão atuando em dois locais que a escola abriu para receber as vítimas das chuvas.
“Atualmente, acolhemos 133 pessoas, divididas entre as dependências do colégio e a sede da Apamecor, localizada no Alto do Morro São Caetano, no bairro Teresópolis. Na escola, estamos ainda sem abastecimento de água, mas contamos com o apoio de caminhões-pipa”, informa Vivian Monteiro, vice-diretora pedagógica do Colégio Rosário.
Contando com as mãos de funcionários, alunos, professores e até ex-alunos, uma corrente do bem foi criada e tem movimentado os corredores antes ocupados por jovens estudantes com seus livros, cadernos e sonhos. Após um contato da prefeitura de Porto Alegre para se tornarem um ponto de acolhimento, a escola abriu um link para a inscrição de voluntários.
“Foram mais de 2,5 mil pessoas inscritas. Por isso, o pessoal da nossa pastoral, que é quem cuida das questões de voluntariado, está à frente da triagem. Dividimos as inscrições em dois segmentos: um voltado para o pessoal da escola e também às famílias e estudantes e outro para o público externo.”,esclarece Vivian.
Psicólogos, médicos e dentistas também estão entre os voluntários, que garantem atendimento para os abrigados.
Abrir as portas para receber famílias é, para Vivian, muito mais do que organizar um espaço e oferecer roupa e alimento. Uma equipe de educadores, alunos e pais trabalhando em prol do bem-estar de famílias que perderam seus lares requer muito mais do que organização e comprometimento. “O voluntariado exige entrega. Lá na escola, orientamos as pessoas a colaborarem se estivessem bem. É preciso se cuidar e cuidar dos seus para poder cuidar do outro. O que faz a diferença nessas horas é a acolhida, a maneira como recebemos cada pessoa”, destaca a vice-diretora pedagógica, que acredita que, especialmente entre os adolescentes, passar por essa tragédia trará marcas indeléveis.
“Ver os nossos jovens rosarienses, que têm uma condição socioeconômica e cultural sair da sua bolha, deixar os seus problemas de adolescência para cuidar do outro, é algo que os nossos adolescentes estão vivenciando e que irá torná-los pessoas melhores, que se preocupam com as pessoas. Eu confio nessa juventude, acho que eles vão melhorar o nosso mundo.”, conta, emocionada.
Solidariedade nos céus
Na falta de asas, os anjos-voluntários dão um jeito de passar – literalmente – por cima das dificuldades e ajudar quem precisa. Pois foi assim que a comunidade escolar do Colégio Farroupilha recebeu ajuda de um helicóptero, que fez do campo de futebol um heliponto, de onde leva mantimentos a pontos que ficaram ilhados ou têm alguma demanda urgente. A prioridade é a carga de alimentos e remédios, que partem em quatro ou cinco viagens diárias para cidades como Canoas e Eldorado do Sul, além do Vale do Taquari.
Fundada para dar guarida a imigrantes alemães, a mantenedora – e, consequentemente, o colégio – tem a benemerência em seu DNA. Por isso, a campanha na instituição começou antes mesmo de as águas do Guaíba ultrapassarem a cota de inundação. “Assim que começamos a acompanhar as notícias tristes do Vale do Taquari, já nos mobilizamos para arrecadar doações que seriam enviadas para lá. Na sequência, as notícias da região metropolitana só pioraram. Isso gerou um medo e uma ansiedade muito grande, fomos mobilizando a comunidade escolar para doar mais e montamos um centro de recebimento e distribuição de doações”, recorda a diretora pedagógica do Colégio Farroupilha, Marícia Ferri.
A estrutura organizada no colégio atende mais de 100 instituições, entre abrigos, hospitais, igrejas, comunidades, quilombos, outros municípios e escolas. Marícia lembra que, em uma oportunidade, todo o estoque de leite (240 litros, naquele momento) foi destinado a um hospital, que estava sem um litro sequer. Entre tudo o que tem vivido nas intensas semanas desde o começo da enchente, a diretora destaca a entrega de pais e estudantes, que se encarregam de encher e esvaziar carretas inteiras de doações.
E a instituição também tem um projeto para o futuro próximo. Passada a primeira onda de solidariedade e de atendimento das necessidades mais elementares dos flagelados, será hora de voltar para as casas que restaram e contabilizar os danos. Pensando nisso, o Farroupilha prepara uma campanha de arrecadação, impulsionada também pelos alunos e ex-alunos que moram fora do Brasil e querem ajudar de alguma maneira: um fundo será criado para ajudar educadores que tenham perdido tudo. “Em vez de dar esse dinheiro, nós vamos comprar eletrodomésticos e móveis para eles. Até para termos uma condição melhor de preços, adquirindo em grande quantidade”, explica Marícia.
Arte que salva
O Colégio Anchieta, de Porto Alegre, abriu sua sede campestre para abrigar famílias atingidas pelas cheias. Elas ficam divididas entre o alojamento e o ginásio. As refeições ficam a cargo de grupos de voluntários formados por estudantes e familiares, que assumem uma escala e se organizam para preparar a comida na própria cozinha do local ou em suas residências.
Mas, depois de alimentar o corpo, uma turma de voluntários também se encarrega de suprir as necessidades do coração e da alma. “A arte tem uma capacidade muito grande de nos ajudar a expressar o que não conseguimos, trabalhar nossos sentimentos e tornar a vida mais leve. É assim que temos feito. Recebemos músicos, mágicos, pessoas que têm afinidade com as artes circenses e o teatro”, explica o orientador religioso e espiritual do Colégio Anchieta, Silvio Almeida Júnior.
Foi assim que os abrigados já contaram com shows de diversos estilos musicais. Um dos pontos altos foi no Dia das Mães, quando a sensibilidade foi fundamental. Com teclado, violino, violão e cantoria, os voluntários promoveram dois momentos distintos, um pela manhã e outro à tarde, em homenagem às mães, que receberam rosas e ficaram muito emocionadas. Quem cuidou da parte musical foi o orientador de Convivência Escolar, Alyson Wendhausen. Ele mesmo se encarregou do violino e recrutou voluntários para o acompanharem – enquanto Silvio soltava a voz. “Queremos passar o tempo que eles estão conosco de uma forma lúdica e agradável. Podemos ver o quanto isso faz bem nesses momentos tão difíceis”, conta.
Emoção tem sido a tônica no Morro do Sabiá. Ver a esperança nos olhos dos abrigados motiva todos os voluntários. O próprio Silvio é mais um que passa pelo camarim e entrega tudo diante do olhar atento daqueles que, por alguns instantes, conseguem fugir um pouco da dor. “Eu vou fazer um personagem, passar entre todos os abrigados, brincar com tinta, pintar o rosto deles. Vou estar fantasiado, trazer carinho, dizer que sabemos que está tudo arrasado, mas que não podemos desistir, O coração humano é assim. E a arte, que vai no cerne da nossa humanidade, ajuda a buscar o que temos de mais bonito, que é o amor”, acredita.
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