Mediação como instrumento pacificador no ambiente escolar
A intolerância política vivenciada na sociedade chegou também ao ambiente escolar, sem os jovens sequer terem a dimensão reflexa e consequente de seus atos ou palavras. Mas a questão é, como orientá-los para tratar com divergências de opinião?
Publicado em 11/11/22 às 07:07 - Atualizado em 11/11/2022 às 12:49
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Luciana Severo Mediadora Judicial, Mediadora de conflitos escolares, Familiares e Empresariais. Sócia da Acrópole Câmara de Mediação e Conciliação. Mestranda em Solução de Conflitos – AMBRA University/USA. Pós-graduada em Técnicas de Negociação, Conciliação, Mediação e arbitragem – UNIVALI/SC. Formação e Aperfeiçoamento na “Primera visita técnica intensiva sobre Mediación Escolar em Buenos Aires”. Participou da primeira turma de Mediação no Contexto Escolar – Universidade Lusófona do Porto – Portugal.
O contexto político atual, conjugado com os efeitos da pandemia, acirrou os conflitos na sociedade, em níveis históricos e sem precedentes, recaindo nas relações institucionais, sociais, profissionais, familiares, conjugais, e consequentemente, nas escolares. A intolerância política, vivenciada nos ambientes urbanos e internalizadas nas próprias famílias, reflete diretamente no perfil comportamental e relações de crianças e adolescentes. Inúmeras ocorrências veiculadas nas mídias locais revelam o descontrole de certos impulsos, no ambiente escolar, que acionam a espiral do conflito, sem os jovens sequer ter a dimensão reflexa e consequente de seus atos ou palavras. Mas a questão é, como orientá-los para tratar com divergências de opinião?
Importante relembrar que a geração dos jovens restou severamente impactada pela pandemia, permanecendo sem o convívio presencial, durante expressivo período temporal, agravado por ser impacto negativo, em relevante fase de formação e crescimento, afetando assim, a integração e socialização.
Esse cenário pretérito, por si só, já caracterizou a necessária inserção da cultura de paz nas escolas, objetivando a prática e o desenvolvimento de alternativas através do diálogo, e por essa via, superar suas desavenças.
Percebe-se a importância de incluir os princípios da não violência e a prática do diálogo frente aos conflitos, acolhendo as naturais diferenças, propondo ações dinâmicas e didáticas que reorganizem o ambiente escolar e que resgatem o prazer da interação, incorporando o respeito ao próximo. Uma vez que a escola é o ambiente adequado para início da aprendizagem da convivência, é possível contemplar dinâmicas no espaço de sala de aula e no protagonismo dos professores, dos alunos e seus familiares.
Nessa direção, a renovação qualitativa dos processos de ensino-aprendizagem, deve estar voltada a reestruturação organizacional, repensando a cultura disciplinar, demonstrando que a educação deve estimular e orientar para a autonomia no lugar da submissão, a responsabilidade em detrimento da disciplina, a cooperação ao invés da competição, e a solidariedade em substituição da rivalidade.
Em razão do conflito ser inerente a natureza humana, deverá ser administrado, proporcionando as oportunidades da transformação, superação e harmonização. Esse é o enfoque adequado para o ambiente escolar, cujo perfil apresenta contendas pelo convívio interpessoal com diversidade de idade, origem, sexo, etnia, cultura, pensamentos e condições socioeconômicas.
A adoção da mediação (Método adequado de resolução de conflitos autocompositivo amparado pela Lei 13.140 de 26/06/2015), seus princípios e técnicas no ambiente escolar, visa potencializar habilidades tanto sociais, como emocionais e cognitivas. De acordo com a definição de Mediação Escolar – “o encontro de sujeitos do conflito, com a presença do terceiro facilitador, que coordena os trabalhos suscitando o diálogo e a reflexão na busca de uma solução que vise o benefício de todos os intervenientes”(SALES, DAMASCENO, 2014), mediante a percepção coletiva e recíproca dos envolvidos; permitir o reconhecimento das diferenças sem ameaças, ajudar a definir as identidades das partes com suas posições; permitir racionalizar as estratégias de competência e cooperação; ensinar aos jovens que a desavença é uma oportunidade de crescimento e desenvolvimento humano.
A mediação além de constituir-se de corolário para tratar conflitos escolares, estimula a reconstrução da convivência cidadã, consoante lógica resolutiva, reparadora, educativa e inclusiva, bem como vai ao encontro dos quatro pilares sugeridos pela Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI da UNESCO, aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a ser e aprender a conviver.
No Brasil e no Exterior os projetos de mediação escolar estão sendo aplicados, revelando a multiplicidade de experiências eficazes como técnica socioeducativa. Elisabete Pinto da Costa (2019) salienta como ponto comum nos projetos, o resultado do empoderamento dos sujeitos na melhoria do desempenho pessoal, social e profissional na gestão das relações interpessoais e dos conflitos. A autora destaca que a comunidade escolar de Portugal, em que atua na implantação de projetos, entendeu e reconheceu que a cultura da mediação requer maior conhecimento e reconhecimento na comunidade educativa (COSTA, 2019).
No Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, o projeto Petrópolis da Paz 1 foi o pioneiro a introduzir a mediação escolar como Programa Municipal de Pacificação Restaurativa, instituído por lei em 2017. A escola, que manteve ativo o projeto inclusive durante a pandemia, acolheu os conflitos como resultantes naturais da existência das interrelações humanas, e que os tratar de forma positiva e prospectiva faz parte do aprendizado cotidiano.
Cabe referir-se também o projeto de mediação iniciado no Município de Canoas/RS, em escola privada, porém esse teve decisão favorável a interrupção durante a pandemia, com a finalidade de cuidado aos alunos no tocante a possibilidade de contágio. Entretanto, a oportuna continuidade da implantação está plenamente interiorizada, incorporando os valores que serão agregados perante a comunidade e cultura escolar: estímulo as atitudes de respeito recíproco entre alunos; reconhecimento e valorização aos sentimentos; colaborar no aprendizado das competências sociais; promover atitudes cooperativas no tratamento dos conflitos; incentivar capacitação de linguagem não violenta; favorecer a autonomia nas negociações diárias, entre outras.
Diante das narrativas e intensas veiculações, na mídia e redes sociais, dos discursos de ódio, com total ausência de tolerância e falta de empatia, diuturnamente vivenciadas nas escolas, se faz imperativo e urgente, o planejamento e implantação da cultura da pacificação no ambiente escolar, com foco na formação de jovens peacemakers, disseminadores de paz, capazes de construção e mudança através da transformação do conflito.
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