Metaverso e Educação, do que estamos falando?

Universo virtual que promete revolucionar a convivência entre as pessoas e encurtar distâncias também deve ser aplicado à educação. Falta saber como, exatamente, isso ocorrerá, e os potenciais benefícios para os estudantes

por: Bianca Garrido
imagem: Deposit Photos

Desde o fim de 2021, a palavra metaverso tem sido uma das mais buscadas da internet, e tornou-se mais comum ouvir falar da expressão em veículos de comunicação mundo afora. O que sabemos, até então, é que se trata de um universo virtual onde as pessoas podem ser, fazer e construir o que quiserem, em um espaço compartilhado, que pode ser acessado usando óculos especiais e outros equipamentos, como já é comum em jogos. Mas, afinal, o que impactos o metaverso pode causar, por exemplo, na educação básica ou superior?

Para entender esse universo, conversamos com a pesquisadora em tecnologias educacionais e professora de Design Educacional da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Paula Carolei. Segundo Paula, o metaverso tem potencial de ser utilizado pelas escolas como espaço de experimentação, estimulando a descoberta e a criação autoral. Ao criar experiências no metaverso, diz, a instituição pode possibilitar aos corpos docente e discente experiências contextualizadas com a realidade, e os dados gerados podem ser utilizados para acompanhar as interações e os processos de criação, inclusive como meio de avaliação da aprendizagem.A pesquisadora Paula respondeu a algumas perguntas sobre o assunto:

1)Teremos aulas e escolas no metaverso? Isso pode ser viável? Se sim, quando pode acontecer?

Não acho que metaverso é um lugar para reproduzir espaço formais. Isso já foi tentado na época da onda do Second Life, entre 2006 e 2009, e não funcionou. Pense num espaço onde é possível criar qualquer simulação ou proposta inovadora: por que reproduzir os limites dos espaços físicos? Isso é desperdício de potencial. As escolas podem usar o metaverso como espaço de projetos, criar experiências inovadoras, mas para quê ter a escola lá? Não vejo sentido nenhum. Escola não é loja e nem é um espaço para expor marca. Escola é espaço de aprendizagem.

2) Se ocorrer na educação, por onde deve começar primeiro: na educação básica ou na Superior?

Vejo o metaverso com o potencial de espaço de experimentação. Além de pensar em tecnologia, temos que entender as potências pedagógicas antes disso. Acho que projetos e experimentações cabem em qualquer nível de ensino: o que muda é a complexidade das experiências, os tipos de instruções e até os níveis de responsabilidades criados. A educação básica exige maior cuidado com segurança e de uso responsável desses espaços. O Ensino Superior pode ter estruturas mais robustas e participação mais responsável do aluno.

3) Poderia antecipar algumas possibilidades nesse sentido, relacionadas aos impactos mais reais no dia a dia do ambiente escolar?

A maior revolução não é o metaverso como tecnologia, mas como conceito. É transformar uma lógica de exposição e de material didático de consumo em propostas de criação de ambientes mais exploratórios e lúdicos, que chamamos de “micromundos”. É parar de explicar coisas aos alunos e criar uma ambiência formativa, nos quais os alunos descubram, interajam, criem, proponham etc. Infelizmente ainda vejo experiências usando metaverso que continuam expositivas e reprodutoras e não aproveitam o potencial do dele. Deveria ser uma revolução em toda lógica do ensino que, em vez de apresentar conteúdos, criaria possibilidade de experimentação e exploração. A realidade virtual e os espaços gamificados não conseguem manter a participação do aluno o tempo todo. Há esgotamento da própria interação em ambientes virtuais. A tela já é cansativa. Tela com exploração não dá para ser uma experiência de quatro horas como aula. É preciso ter espaços de discussão, interação e convivência.

Para entender o conceito

Segundo Paula, os metaversos já foram conhecidos como mundos digitais ou virtuais, que funcionam semelhantes a cenários de jogos, no qual, além de desafios específicos e programados, as pessoas e/ou instituições podem criar novos cenários para outros tipos  de interação e participação. 

“É um espaço que é construído e reconstruído pelos participantes”, afirma. Esses mundos virtuais existem desde que começou a internet. No início eram ambientes textuais, em que se “descreviam” esses espaços, ainda na década de 1980 e 1990. Depois os gráficos foram ficando mais realistas, assim como aumentou a possibilidade de simulação, cenários com modelagem 3D, de criação e movimentação de avatar. Essa parte gráfica também sempre demanda maior processamento computacional e maior velocidade da internet. Por isso, os modelos mais realistas, com realidade virtual, ainda são inviáveis em celulares ou em máquinas de baixo processamento.

As primeiras experimentações desses ambientes foram em espaços acadêmicos e artísticos, com estruturas sociais e de construções de espaços virtuais. “Nos primeiros mundos virtuais não haviam interesses comerciais, diferentemente de hoje em dia, em que a monetização já existe, e esses espaços que antes eram de criação, convivência e experimentação artísticas, passaram a ser vendidos como espaços de consumo de imagem de marcas e empresas”, reitera.

A pesquisadora explica também que os metaversos nunca deixaram de existir. “Houve uma onda de empresas no período de 2006 a 2009 e, depois, não se falou mais de forma ostensiva”. Agora, complementa, o foco parece estar no interesse comercial, a partir da divulgação do desenvolvimento do Facebook, rebatizado como Meta

“Nessa  nova onda de interesse, é possível  aproveitar a visibilidade para discutir e aprimorar aprendizagem por projeto e experimentação. É preciso ter claro que o interesse comercial do Facebook e de outras empresas é usar os metaversos como fazem com as redes sociais, com interface para coleta de dados de interação e de perfil de comportamento e consumo, que são vendidos para empresas”.

A experiência de aprendizagem no metaverso (segundo o próprio Facebook, ops, Meta)

O diretor do Instituto para Inovação em Educação da Unisinos, Gustavo Borba, lembra que toda a tecnologia que permite a aproximação e a construção de engajamento é sempre positiva, porém não pode-se desviar do olhar pedagógico e de uma perspectiva plural.

“Devemos discutir um processo de educação plural, que considera diferentes cosmovisões e que nasce na compreensão dos pluriversos. Precisamos aprender e pensar coletivamente. A partir disso, ampliamos as possibilidades de nosso universo e podemos levar estas possibilidades para outros espaços digitais, sem esquecer as questões fundamentais que precisamos resolver na nossa realidade”, explica.

Professor e coordenador do Laboratório de Pesquisa em Mobilidade e Convergência Midiática (Ubilab) da Escola de Comunicação, Artes e Design da PUCRS, Eduardo Pellanda acredita que o ensino on-line pode beneficiar-se de ambientes baseados em Metaverso, visto que é possível simular espaços físicos e experiências antes complicadas, e abusar da criatividade. 

“Não ficamos mais limitados ao ambiente bidimensional das videoconferências. Imagina que interessante ensinar estudantes de jornalismo a cobrirem guerras fazendo uma simulação antes de eles serem submetidos a tal situação real”, reflete. 

No Ubilab, explica Pellanda, o trabalho com realidade aumentada e realidade virtual ocorre há alguns anos, tendo como clientes de pesquisa empresas como a Globo e a DB Server. “Sempre tentamos buscar novas formas de comunicação que em alguns casos podem virar novos produtos. É o caso específico da Globo, em que trabalhamos em uma interface de Realidade Aumentada. Buscamos entender como podemos usar esta tecnologia para buscar a interseção entre espaços físicos e virtuais”, afirma.

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