O futuro chegou e já está na sala de aula

Escolas intensificam uso de plataformas digitais e espaços dedicados à robótica, pensamento computacional e cultura criativa

por: Pedro Pereira | pedro@padrinhoconteudo.com
imagem: Freepik

Não há como evitar o uso da tecnologia em sala de aula. A proibição de celulares acendeu um debate importante, mas que não significa a condenação de todo tipo de dispositivos ou telas. Trabalhar com uma geração nativa digital exige que a escola se adapte para se manter atrativa e alcançar bons resultados pedagógicos.

Para dar conta de acompanhar essa revolução, acelerada desde a chegada da inteligência artificial generativa e acessível, como o ChatGPT, é preciso ter um time alinhado e qualificado. Por isso, antes de mais nada, é importante compreender o que muda no papel do educador.

“A aula, hoje, é quase uma colocação em prática não só de um plano de aula, mas também no sentido de preparar antes as coisas que se vai utilizar. Ela é uma consequência dessa preparação, uma parte prática muito importante, mas que demanda cada vez mais tempo e recursos”, entende o professor e pesquisador de Comunicação Digital da PUCRS, André Pase.

Ter tempo e oportunidade para explorar todas as possibilidades que se abrem no mundo digital não é simples. Por isso, cabe ao gestor criar esses momentos e espaços. Mas a escola ainda precisa estar atenta a outro ponto: a desigualdade na relação de cada estudante com a tecnologia. Dependendo, pode ser que um professor tenha na mesma turma estudantes com níveis de conhecimento muito distintos. Isso, segundo Pase, equivale a lidar com estudantes com diferença de idade e vivências completamente diferentes, o que é sempre um desafio para o projeto pedagógico, que precisa ser revisitado anualmente para dar conta das demandas de cada fase da formação dos alunos.

Gamificação

Plataformas interativas caem no gosto dos estudantes, que recebem uma recompensa imediata pelo desempenho – e também dos professores, que têm ali uma ferramenta de feedback instantâneo sobre a performance de cada um e um diagnóstico sobre o que precisa ser aprimorado ou revisado. Esse é um dos principais pontos da gamificação, pois resolve um desafio constante do educador.

Em uma turma de 30 alunos, haverá uma média de aprendizado, um grupo que desponta e merece a chance de continuar se desenvolvendo e outro que pode ter ficado um pouco para trás e deve ser trazido para o patamar dos demais. É aí que entram essas plataformas, adaptando o processo à curva de aprendizagem de cada um, já que muitas permitem certa personalização da jornada.

Na hora de escolher uma plataforma, é importante observar atentamente a usabilidade do produto. Aí entram fatores como a capacidade exigida dos dispositivos –  ou seja, se o sistema “roda” em um aparelho não tão moderno, para garantir que todos tenham acesso – e se a navegação é intuitiva.

Além disso, muitas vezes crianças e adolescentes têm mais facilidade do que o professor, que acaba não conseguindo explorar tão bem a ferramenta. Alguns sistemas também não oferecem versão para o educador, de modo que ele também pode enfrentar dificuldades durante o próprio processo de aprendizagem.

“O aluno tem uma destreza de uso que o professor talvez não tenha. E como não tem um livro com as respostas, vai ter que procurar, pedir para alguém jogar, olhar no YouTube. Para muitos desses softwares falta aquele ‘livro resolvido do professor’, falta o programa ser amigo dele”, comenta Pase.

Outro componente a ser avaliado é se o sistema traz o que o professor e a escola preveem no projeto pedagógico. O programa precisa interagir com o maior número de atividades e componentes curriculares possível.

Por fim, há a questão estrutural e financeira. É comum que as plataformas ofereçam versões gratuitas com funcionalidades limitadas ou, depois de um tempo, passem a cobrar pelo acesso. Pase explica que, no começo, algumas empresas liberam o acesso para formar uma base de usuários e, aos poucos, passam a cobrar – ou a cobrar mais caro.

Assegurar-se sobre o preço das licenças e recursos de cada plano de assinatura é fundamental. “Por um lado é um complicador, mas, por outro, é oportunidade: muitas instituições, principalmente as redes de ensino, conseguem desenvolver uma solução própria e depois vender para outras escolas”, destaca Pase.

Espaços gamer

Para desenvolver as competências relacionadas ao mundo digital, muitas instituições já adotam espaços exclusivos com essa finalidade. Eles podem receber nomes diferentes, como “espaço maker” ou “sala gamer”, mas têm o mesmo objetivo. Em geral, funcionam como um local dedicado a experimentar e simular situações que ajudem a aprender – sobre a tecnologia propriamente dita ou qualquer outro assunto, com o apoio dela.

Para André Pase, no mundo ideal o ensino dos saberes tecnológicos e digitais anda de forma totalmente integrada ao projeto pedagógico. Mas, para isso, é preciso que todos os professores estejam na mesma página.

“Quando alguém de matemática fala de lógica e, mais adiante, no espaço maker, se vai fazer uma ferramenta, isso também pode estar conectado. Os professores precisam estar muito mais conectados entre eles. Nem sempre se consegue, mas eu, no ensino da área computacional, preciso estar pensando com o professor de língua portuguesa. Antes se tinha uma ideia de mundos diferentes, mas são muito juntos”, defende o pesquisador.

Para que fórmulas, linguagens de programação, análise sintática e vetores se entendam e façam sentido juntos, é fundamental que a instituição de ensino desenvolva uma cultura digital, ou seja, que todo o conhecimento se desenvolva, também, sob a óptica do mundo da tecnologia.

“Uma cultura digital não nasce em um mês, mas em práticas, com o tempo. A escola tem de se adaptar, pois não dá para estar fora disso. Pede um esforço muito grande de todos, compartilhando saberes e entendendo que a estratégia que eu usei em um ano, talvez no outro não esteja de acordo para aqueles alunos”, enfatiza Pase.

Alunos desenvolvem robô do silêncio

Lab Maker foi o nome que o Colégio Imaculada Conceição, de Dois Irmãos, escolheu para seus espaços dedicados à tecnologia. São duas salas, que ficam sob a supervisão do analista de TI João Victor Oliveira. Formado em Licenciatura em Computação e especializado em Mídias na Educação, ele é responsável por disponibilizar equipamentos e orientar os professores para realização de atividades.

Eles são incentivados para que façam projetos, venham até os ambientes e usem os recursos. Podem usar a qualquer momento, estou aqui para auxiliar, deixar tudo pronto, e também posso atuar junto no projeto”, conta Oliveira. Quando o desafio é complexo demais para os estudantes, mas o efeito será relevante para os estudos, ele mesmo se encarrega de montar ou desenvolver dispositivos. “Até pela questão do tempo”, justifica.

O Lab Maker 1 é o mais equipado, com corte a laser, impressora 3D, ferramentas, materiais de TI e um estúdio para gravação de podcasts – com mesa de som, microfones, mesa e painel. “Os experimentos acabam trazendo a cultura de tecnologia da instituição para o dia a dia das crianças, por isso temos os espaços e equipamentos que o colégio oferece para produção, gravação, desenvolvimento, e o João Victor é parceiro para ir atrás de coisas ousadas”, comenta o responsável pelo Marketing do colégio, Daniel Frohlich.

Pode ser chamado de ousado o robô idealizado pelos estudantes do primeiro ano do Ensino Fundamental. Desafiados a criar algo inovador para a feira de tecnologia do colégio, e cientes de que a professora vinha tendo problemas com o barulho em sala de aula, eles resolveram criar um robô que alertasse sempre que determinado volume fosse alcançado.

Com a ajuda da professora, eles decidiram como seria a construção, o formato e as funcionalidades do equipamento. Oliveira foi quem desenhou e cortou na impressora a laser, e programou um microcontrolador com sensor de ruído. “É tipo um microfone, que eles escolheram ser o nariz do robô. Ele capta o som do ambiente e alerta por meio de uma luz, que está sempre verde, mas fica vermelha quando o sensor detecta barulho acima do permitido, o que também pode ser calibrado”, explica o analista de TI.

O projeto ainda está em desenvolvimento, mas já funciona. Os estudantes já querem mais: por eles, o robô pode andar e falar – o que não está descartado para outro momento. O fato é que muita gente já está interessada em contar com um robozinho que detecta volume excessivo em sua sala. “É algo útil para a escola”, saúda Oliveira.

Além da mão na massa nos espaços maker, os estudantes do Imaculada também contam com programas de ensino como Matific e Bernoulli. Eles oferecem atividades gamificadas sobre o que consta nos livros, desde Português até o desenvolvimento socioemocional. “Estamos sempre atentos a essas evoluções. Às vezes não temos o equipamento de ponta, mas ajuda a entender o processo”, acredita Frohlich.

Alunos do colégio realizam as atividades com robótica no Lab Maker | Crédito: Colégio Imaculada Conceição/Divulgação

Pensamento Computacional

Já o Colégio Santa Terezinha, de Taquara, optou pela plataforma Zoom para que os estudantes estivessem mais inseridos na questão do pensamento computacional. Em parceria com a empresa, que presta um serviço de consultoria, foi identificada a necessidade de trabalhar passo a passo, começando pelo planejamento e pela implementação de um modelo, para, então, ir à prática.

A proposta da ferramenta é andar lado a lado com os livros didáticos – que, no caso do Santa Terezinha, são da editora FTD. “O material de robótica nos atende muito bem. Conseguimos organizar de forma que os professores continuem trabalhando o mesmo assunto. O tema que definimos é sustentabilidade: envolve muito as ciências e a matemática, embora outros componentes também entrem”, conta a coordenadora pedagógica do Ensino Fundamental I e II do colégio, Rita Severina Zotti.

O local destinado a essas atividades é uma sala ampla, planejada e pensada para ser atrativa aos estudantes, aliada com a questão tecnológica. Eles geralmente se reúnem em grupos, acessam a plataforma Zoom e recebem uma espécie de roteiro para as atividades previamente planejadas pelo professor. “Cada dia é diferente. Eles constroem algo para experimentar o que que leram, estudaram e desenvolveram em sala de aula”, explica a vice-diretora da instituição, Carina Raquel Zimermann.

Segundo Carina, o mais interessante é a parte de programação, na qual os estudantes se sentem desafiados. “Criaram sistema solar com os equipamentos, contemplando rotação e translação. Eles precisam fazer isso por meio de programação. Aquele instrumento precisa fazer o que eles pretendem, para verem na prática o que a professora ensinou em sala de aula”, detalha.

Para que os docentes explorem todas as potencialidades das ferramentas, eles contam com consultoria permanente da parceira, a Zoom. Além disso, tem uma profissional do próprio colégio que cuida da sala e dá suporte.

“No início a gente tinha um pouco mais de dificuldade, agora percebe que os professores pegaram gosto, dão aula bem mais tranquilos. Houve um pouco de resistência, até entenderem como era o processo. Este ano, eles já perceberam que o material didático conversa muito com o que eles trabalham”, conclui a coordenadora.

Parceiros tecnológicos

Conheça alguns dos sistemas de ensino que podem ajudar a inserir o pensamento computacional e a cultura digital na instituição:

  • Matific: Citado pelo Colégio Imaculada, oferece atividades de matemática de forma gamificada, por meio de jogos e desafios que ensinam conceitos como consumo consciente, planejamento financeiro e uma série de temas ligados ao dia a dia. O site oferece uma área para experimentar, de acordo com o ano de ensino.

  • Quizizz Modo Papel: Ferramenta que combina gamificação e IA, permitindo que alunos respondam a quizzes com cartões impressos com QR codes, enquanto o professor utiliza um único dispositivo para projetar as questões e registrar as respostas.

  • Tela Interativa: Desenvolvida pela Teltex, oferece inúmeras possibilidades. De videoconferências à digitalização de QR Code para acesso rápido do conteúdo na tela, passando por reconhecimento de movimentos corporais. A empresa também desenvolve e implementa outras tecnologias, como reconhecimento facial para controle de acesso e robôs autônomos de patrulhamento, visando a ter ambientes escolares mais seguros e conectados.

  • Zoom: Utilizado pelo Colégio Santa Terezinha, oferece um arcabouço de soluções que unem a formação técnica à humana. Por meio de consultoria, desenvolve projetos que contemplam atividades, equipamentos e sistemas, tudo baseado no tripé mão na massa, progressividade e protagonismo.

Tem mais…

Existem diversas outras ferramentas, cada uma adequada para determinado projeto. Não deixe de montar um grupo de trabalho na escola e estudar todas essas possibilidades.

Na sua escola já utilizam alguma ferramenta que não foi citada neste texto? Conte para nós. Sua história pode ser compartilhada aqui no Educação em Pauta.

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