Pesquisas e práticas: como aproximar a academia da escola

Você sabia que crianças da educação infantil que têm senso numérico desenvolvido, com intencionalidade pedagógica, podem mostrar melhores desempenhos em matemática nos primeiros anos do ensino fundamental? 

Essa é uma entre várias pesquisas realizadas na área da educação. Mas quando esse estudo será aplicado? Será que os professores das escolas conhecem, de fato, os trabalhos acadêmicos elaborados pelo Ensino Superior?

Esse tema provoca várias dúvidas, e não é à toa. A aproximação entre escola e academia ainda exige atenção. Conforme especialistas ouvidos nesta reportagem, é evidente a distância entre estudos que poderiam ser colocados em prática em sala de aula. 

Para alcançar essa conexão, a educação com base em evidências tem sido debatida de forma mais contundente.

Abrir mais as portas das escolas

Autora do estudo referido no início da reportagem (disponível para consulta), a professora associada do Departamento de Estudos Especializados da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Luciana Corso, acredita que o acesso dos pesquisadores nas escolas tem que ser mais incentivado. “Essas tratativas por si só não são suficientes, porque a educação é complexa. É necessário dar uma assessoria mais de perto aos professores da educação básica para desenvolver ferramentas que possam melhor avaliar seus alunos”, complementa.

Estimular que o professor tenha uma espécie de papel de pesquisador se faz necessário. “Ele precisa se perceber, pesquisar os seus alunos, onde pode melhorar a aprendizagem. Cabe ao gestor escolar entender que isso precisa ser uma meta dentro de uma formação continuada, que vai melhorar a qualidade da educação”, frisa.

O ensino por evidência só será efetivo se realizado por um caminho de duas mãos. “Para interpretar e analisar esses dados, precisa da teoria e ir à campo. Se faz os diagnósticos na escola e volta à academia. Com a teoria fundamentada, buscaremos soluções. Toda a pesquisa tem uma implicação educacional, senão, não tem o seu porquê”, sinaliza.

Em um evento com foco nos desenvolvimentos social, cultural e econômico, a fim de impactar positivamente a aprendizagem, Luciana abordou mais a educação com base em evidências.

Como são elaborados os estudos

Na academia brasileira, as pesquisas na área da educação que têm por foco o tema da aprendizagem se apoiam mais na linha dos estudos culturais (comportamento) do que nas neurociências (capacidade humana). “Entendo que a virtude estaria em estudar-se a aprendizagem tanto a partir da natureza cultural quanto biológica do ser humano. E mais: precisaríamos nos ocupar com maior afinco da transposição desses estudos para dentro das salas de aula, com vistas à resolução de problemas reais”, indica a especialista em Gestão Educacional e integrante do comitê-executivo do Pacto pela Educação, Mônica Timm.

Esse afastamento da Educação Básica dificulta a aplicação dos conhecimentos produzidos nas universidades e não desafia os pesquisadores pela busca efetiva de soluções para os problemas por eles identificados. “Infelizmente, em nosso país, a pesquisa aplicada ainda recebe menor prestígio do que as eminentemente teóricas”, constata.

Conforme destaca Mônica, a universidade é um espaço privilegiado de pesquisa, de convivência com o pensamento divergente, de exercício da reflexão. “Não há dúvida sobre a importância de haver na academia espaços de livre pensar e de menor compromisso pragmático, mas me atrevo a dizer que uma ênfase maior em pesquisas aplicadas traria não apenas um grande apoio à resolução de problemas da vida em sociedade, mas também mais insumos para o exercício do pensamento reflexivo e criativo”, diz.

Mônica Timm fala mais sobre o desenvolvimento de ações mobilizadores em uma entrevista exclusiva ao Educação em Pauta.

Criar uma interdependência

A parceria entre Educação Superior e escola pode funcionar se houver uma interdependência. “A universidade precisa desse conhecimento da prática do professor que batalha para que os jovens tenham possibilidade de conviver e ter melhores desempenhos. A escola precisa da teoria para melhor entender o que está acontecendo”, comenta a psicóloga e professora Titular do Departamento de Psicologia Educacional da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Ana Maria Falcão de Aragão.

Segundo a especialista, os professores recém-formados vão para escola e acabam, em grande parte, tendo um choque com a realidade. “Podem encontrar alunos pouco motivados, desinteressados com as didáticas. Logo, esse contato com a sala de aula tem que ser uma proposta de formação continuada. É preciso discutir questões na escola, que é dinâmica e imprevisível. Compreender como proceder e ter uma eficácia maior na aprendizagem”, aponta.

Para isso, o ensino superior precisa ter mais atenção à escola. “É necessária uma percepção dos conteúdos, das práticas. Os alunos acadêmicos, por meio de estágios, podem fazer mais a resolução desses conflitos”, sinaliza. 

Outro ponto levantado são as leituras de artigos científicos, que podem ter respostas, porém são constituídos de informações densas. “Os professores precisam ser orientados. Na maioria dos casos, não sabem por onde procurar. Existe uma dificuldade do acesso a uma produção de dados mais focados no segmento da educação”, alerta.

A necessidade de mais produção

Em relação à produção de pesquisas relacionadas à educação no Brasil, o panorama é bastante diverso. “As pesquisas mais robustas sobre educação são desenvolvidas por economistas e por psicólogos – algumas poucas dezenas deles inclusive publicam regularmente em revistas científicas internacionais”, aponta o psicólogo, especialista em educação e presidente do Instituto Alfa e Beto, João Batista Oliveira. 

Ainda segundo Oliveira, os estudos são baseados em metodologias rigorosas. “Na área de educação propriamente dita são raras as publicações e revistas nacionais com rigor científico, daí porquê raramente vemos artigos científicos de educadores brasileiros publicados internacionalmente. Estou falando de pesquisas empíricas, não de ensaios filosóficos ou sociológicos”, complementa.  

Desenvolvido pela instituição, um recente relatório aponta avanços significativos nos conhecimentos por meio da educação com base em evidências. 

Já a obra Educação baseada em evidências: Como saber o que funciona em educação, que tem Oliveira como um dos autores, mostra que existem respostas robustas às mais variadas perguntas para a melhora com base em tomada de decisões por meio de estudos.

A escuta atenta das universidades 

Criar uma escuta atenta é no que acredita a pedagoga e doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Guiomar Namo de Mello. “O mundo da prática é contraditório, incoerente. É pela prática que vamos mudar e tem que ser ponto de partida do Ensino Superior, não vice-versa”, pontua.

Os desafios estão nas bases educacionais que precisam ser bem compreendidas, como saber o papel da tecnologia no ensino. “Precisamos entender mais sobre o jovem do século 21. Qual o conteúdo que eles precisam e definir as competências. As fundações de amparo à pesquisa podem ter esse poder de indução, podem ajudar a estimular estudos para solucionar essas respostas”, frisa.

Com a ampliação da educação básica, se faz necessário adotar estratégias mais sofisticadas, que, por sua vez, tenham professores mais bem informados. Alguns desafios foram criados, como a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) nas escolas. 

“As respostas são complexas. Com a reforma do ensino médio, como conciliar as flexibilidades de escolhas dos alunos, como a escola vai se organizar?”, questiona.

Ambientes digitais para acessar pesquisas relacionadas à educação:

>> Plataforma Lattes

>> Biblioteca Digital da Univates

>> Dissertações defendidas (Ulbra)

>> Lume Repositório Digital – UFRGS

>> Repositório Institucional PUCRS

>> Repositório Digital da Biblioteca da Unisinos

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