Professor sem plateia? Os desafios da educação digital
Na Gramado Summit 2025, profissionais da educação abordaram os limites e o potencial da tecnologia nas escolas
Com debates sobre inteligência artificial, metodologias ativas e o impacto das redes sociais na formação de jovens, a educação ganhou protagonismo na Gramado Summit 2025. Durante o painel Educação e Tecnologia, especialistas de diferentes instituições discutiram os caminhos para um ensino mais conectado à realidade digital dos alunos — e os limites entre inovação e responsabilidade no ambiente escolar.
Uma das debatedoras, Marícia Ferri, diretora do Colégio Farroupilha, destacou que, com tecnologias emergentes ganhando cada vez mais espaço nas salas de aula, o papel do professor também precisa evoluir – ou ele corre o risco de ficar falando sozinho.
“Em todas as áreas há profissionais que não estão prontos, porque o mundo muda rapidamente. Por isso, precisamos ter processos de formação continuada”, disse, comentando sobre a criação da Escola de Professores Inquietos, iniciativa que atua na capacitação de docentes e que foi estendida também para professores de escola pública. “Por entendermos que queremos uma sociedade diferente”, justifica.
Para o diretor do Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Rafael Santos, a aula expositiva não funciona mais para as novas gerações e, por isso, a metodologia precisa evoluir. “O nosso foco principal tem que ser o aluno aprendendo. Se o aluno mudou, preciso de uma nova estratégia para que ele aprenda”, aponta.
Segundo Santos, a grande chave é desvendar como lidar com uma geração ansiosa, cheia de aplicativos e com muita velocidade, enquanto as escolas instigam a ser mais crítico e reflexivo.
Marícia destacou que a proibição do telefone celular nas salas de aula foi “muito importante” nesse sentido, pois devolveu ao professor o foco dos alunos. A tecnologia, contudo, segue presente, mas de outras maneiras. Na Educação Infantil do Farroupilha, por exemplo, se utiliza óculos de realidade virtual para estudar o fundo do mar. Segundo ela, neste caso, se usa um instrumento digital para fazer uma imersão e ter melhor resultado de aprendizagem dos alunos.
“Precisamos buscar um ponto de equilíbrio. Mas o fazer diário do professor tem que se ressignificar, sob pena de ele não ter audiência”, aponta.
Por ser o mediador do painel, o vice-presidente de Mercado da Atitus Educação, Vinícius Severo, provocou os debatedores a escolherem uma tecnologia educacional que consideram marcante hoje em dia. A head de Projetos de Inovação e Educação Executiva da ESPM de Porto Alegre, Roberta Krause, indicou o conceito de anywhere class. “Somos uma escola voltada a negócios e o nosso posicionamento é esse. Trazemos a adaptação do ambiente de aula para o momento de vida do aluno”, explica.
Profissionais da área do ensino durante painel Educação & Tecnologia, da Gramado Summit | Crédito: Alexandra Zanela
Com uso de câmeras, microfones e telas interativas, a instituição consegue oferecer a mesma aula nos modelos presencial e remoto, presencialmente, sem prejuízo à interação ou imersão de cada estudante.
Santos confessou que não é fácil pensar no que seja mais relevante porque há muita coisa acontecendo, mas também destacou que a possibilidade de utilizar ambientes virtuais de aprendizagem causou muito impacto. “Tivemos um salto de qualidade, com muitas possibilidades de acesso e compartilhamento. São infinitas possibilidades dentro deles, muitos já usando Inteligência Artificial, agora”, justifica.
Já Marícia optou por salientar, entre diversos projetos ligados à tecnologia, o Write & Improve, oferecido em parceria com a Universidade de Cambridge e que é utilizado desde 2015 pelos alunos. Graças ao uso de Inteligência Artificial, a ferramenta cria recursos que ajudam os estudantes a avançar no processo de aprendizagem.
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Avançando no debate, Severo questionou os painelistas sobre como se dá a transição das metodologias consideradas tradicionais para as metodologias ativas.
Para Roberta, não é fazer pirotecnia, mas tornar o conteúdo algo que faça sentido para o estudante. Ela informou que a ESPM aposta em disciplinas dedicadas ao ensino do uso estratégico de ferramentas de IA que ajudam no dia a dia das empresas. Ou seja, pela perspectiva da sala de aula, o projeto de ensino auxilia nas competências digitais.
Marícia lembrou que o estudante de hoje não é o mesmo de dez anos atrás, e que, além disso, com crianças e adolescentes, a situação é um pouco diferente. Ela comentou que são alunos muito ativos, que vem do universo digital. Não existe a possibilidade de ter uma aula em que o professor é o centro e só traz conteúdo. “Atualmente, temos uma realidade muito diferente, e o uso de metodologias ativas é necessário”, reforçou, mas fazendo uma ponderação: “O PISA (sigla em inglês para Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) foi publicado ano passado com indicadores que sinalizam a necessidade de termos monitoramento maior sobre o que os jovens estão acessando nas redes sociais.”
Diante da complexidade desse cenário, Marícia lembra que o Colégio Farroupilha conta com um guia de postura nas redes sociais, abordando os riscos que elas representam para crianças e adolescentes. “Tudo é muito precoce. Não estamos dando à infância a verdadeira importância e o papel que ela tem. Isso acontece, especialmente, nos anos iniciais”, alerta. “Temos no currículo a tecnologia educacional, mas trabalhamos o conceito do desplugado com os pequenos”, complementa.
A diretora comenta ainda que os grupos mais impactados estão nos anos finais e no Ensino Médio, porque o celular já “faz parte do corpo desse jovem”. Ainda assim, hoje eles reconhecem que foi importante restringir o uso. “Alguns estudantes do Ensino Médio combinam momentos de detox das redes sociais”, relata.
Empregando raciocínio lógico, os estudantes são apresentados à resolução de problemas. Assim, a escola promove a colaboração e o trabalho em equipe. Ao mesmo tempo, ensina a tolerar a frustração, incentivando para que tente novamente, com resiliência.
Para Marícia, o mundo vai ficar cada vez mais complexo, e a escola precisa dar conta do relacionamento interpessoal. “A tecnologia veio, a IA veio, tudo isso é inegociável. Vamos ter o professor como mentor, mas precisamos trazer para a pauta as relações humanas e as habilidades de relacionamento que são fundamentais para qualquer ser humano”, concluiu.
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