Programa acolhe comunidade escolar afetada pelas enchentes

Com escolas situadas no Vale do Taquari, umas das regiões mais afetadas do RS, o Colégio Evangélico Alberto Torres (CEAT) criou iniciativas de amparo aos impactados com a tragédia climática

por: Eduardo Wolff | eduardo@padrinhoconteudo.com
imagem: CEAT, Divulgação

As cidades do Vale do Taquari contabilizam um dos maiores estragos devido às enchentes no Rio Grande do Sul. O Colégio Evangélico Alberto Torres (CEAT), que possui unidades localizadas em Lajeado e Roca Sales, foi um dos atingidos. Houve perdas materiais, mas a saúde mental também foi afetada.

Alguns professores e alunos da unidade de Lajeado tiveram suas casas atingidas, tendo que, em alguns casos, serem resgatados de bote. Outros, viveram momentos de muita tensão na busca por familiares desaparecidos. “Em relação ao espaço escolar, toda a área do colégio foi atingida, tendo metade da área construída afetada”, diz a orientadora educacional Denise Fabiane Polonio. 

Móveis, materiais didáticos das crianças, materiais esportivos, instrumentos musicais, conjuntos escolares, cozinha e eletrodomésticos estão na lista de bens perdidos. “Também afetou a subestação de energia, central de água, de gás, instalações elétricas, portas, pisos, forros, praças, ginásio de esportes, equipamentos tecnológicos, entre outros”, complementa Victor Wiskow Krüger, também orientador educacional.

Mesmo diante desta tragédia, a instituição de ensino está levando acolhimento a sua comunidade escolar. Isso tem sido possível por meio do Programa de Educação Socioemocional, conduzido pelos orientadores educacionais Denise, Victor e Laura Oppermann Elter. 

Conforme explica Krüger, as atividades de desenvolvimento socioemocional do CEAT estão presentes no cotidiano escolar em todos os níveis de educação, desde o berçário até a terceira série do Ensino Médio. “A proposta é observar e intervir. É sobre a importância da escuta, da comunicação não violenta, da justiça restaurativa, do espírito comunitário, do engajamento entre a escola, o estudante e a família, do manejo de conflitos, no valor da sinceridade, entre outros assuntos”, ressalta.

O diretor geral do CEAT, Rodrigo Ulrich, comentou os impactos das enchentes nas unidades do colégio, bem como as ações de engajamento e solidariedade:

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Antes do retorno às aulas no dia 15 de maio, Laura relata que os professores foram acolhidos em círculos de conversa, propícios para a fala sobre o que estavam sentindo em relação às experiências subjetivas e à expressão e elaboração de suas emoções. “Desta maneira, os educadores replicaram esse acolhimento aos alunos”, pontua.

A equipe pedagógica fez a acolhida e a escuta dos professores, que receberam bombons | Foto: CEAT (Divulgação)

Além do acolhimento, os orientadores educacionais monitoram evidências e verbalizações de emoções relacionadas ao que cada aluno viveu. Houve a necessidade de reorganização de espaços escolares, pois ainda há a necessidade de reformar boa parte da estrutura física do colégio, como as salas de aula. “A sala dos professores precisou ser, carinhosamente, alocada na biblioteca, para que tenham um espaço quente e aconchegante para o lanche, a conversa e o descanso entre os períodos de aula”, salienta. 

Essa frase da educadora foi transmitida aos professores em Lajeado | Foto: CEAT (Divulgação)

Os alunos tiveram o seu espaço de convívio restrito, pois parte do pátio ainda precisa ser reconstruído, o que demanda muita atenção, por exemplo, na hora do recreio, em que as crianças e adolescentes precisam movimentar o corpo para interagir, brincar e explorar. “É um momento em que a presença do adulto se faz necessária para mediar este convívio, bem como observar e dar apoio àqueles mais impactados pela circunstância da enchente”, pontua. 

Já na região Alta, em Roca Sales, alunos, professores e colaboradores também tiveram impactos em suas casas, mas conseguiram abrigar-se em locais seguros antes da elevação do Rio Taquari. Assim como em Lajeado, toda a área do colégio foi atingida e grande parte construída foi afetada. 

Pela rede social, o diretor do CEAT Região Alta, Germano Hickmann, fez um comunicado à comunidade escolar:

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O retorno das aulas nesta unidade ocorreu no dia 20 de maio. Também, como em Lajeado, na sexta-feira anterior os professores de Roca Sales foram acolhidos pela equipe pedagógica com rodas de escuta, para que, posteriormente, repliquem esse mesmo acolhimento aos estudantes. 

Ainda, de acordo com Denise, todos os professores e monitores das unidades de Roca Sales e Lajeado já foram acolhidos e amparados, fortalecendo a esperança e os vínculos grupais para seguirem contando uns com os outros. “Também compreendem o fortalecimento da empatia, por terem a oportunidade de escutar as experiências vivenciadas pelos colegas de trabalho neste período”, ressalta.

Enchente do ano passado

Em setembro de 2023, Roca Sales também foi fortemente impactada pelas enchentes. Denise recorda que, infelizmente, houve a perda de um aluno da segunda série do Ensino Fundamental, além de sua irmã e sua mãe, fato que abalou a comunidade escolar.

A ação tomada foi acompanhar a família e a turma do estudante falecido. Frente a esse contexto, foi construído um projeto de acolhimento que pautou inicialmente o olhar aos professores e colaboradores, intencionando um espaço de escuta permeado pela ética e pelo cuidado. “Eles puderam expressar os sentimentos e situações vivenciadas durante a tragédia, bem como fortalecer os vínculos e a esperança para a retomada”, comenta.

Cada aluno plantou a sua flor e um dos amigos da vítima semeou uma em sua homenagem | Foto: CEAT (Divulgação)

Além desta situação, houve casos de outros estudantes, professores e famílias que tiveram que lutar pela sobrevivência. Para isso, foram constituídas rodas de acolhimento, tendo como base a metodologia dos círculos de construção de paz. Esse momento foi realizado pela equipe pedagógica do colégio (direção, coordenação e orientação). Também contou com o auxílio de duas profissionais externas, a coordenadora do Pacto Lajeado pela Paz, Tânia Fröhlich Rodrigues, e a jornalista e palestrante, Danielle Harth

Após o acolhimento aos professores, foram constituídos momentos de planejamento para receber os alunos, com a proposição de que pudessem, com o apoio do colégio, replicar a experiência de acolhida que vivenciaram. “Nesse planejamento, destinamos uma atenção especial às faixas etárias e a intensidade das demandas presentes em cada turma, fazendo uso do lúdico para o trabalho com as crianças”, esclarece. 

O que vem pela frente

A ideia é seguir acompanhando a comunidade escolar do CEAT por meio de observações atentas das demandas dos professores, com vista a identificar ações necessárias. “Isso por meio de rodas de conversa e assembleias de turma, continuaremos investindo no fortalecimento dos vínculos, observando e percebendo a necessidade das crianças em externalizar as vivências deste momento”, comenta Krüger.

Em paralelo, existem alguns desafios que o colégio terá que lidar. Um exemplo é Roca Sales: a prefeitura tem um projeto que estuda mudar toda a zona central de lugar, o que impactaria diretamente a comunidade escolar do CEAT.

O diretor geral do CEAT, Rodrigo Ulrich, esclarece que, ao longo das últimas sete décadas, foram avaliadas possibilidades de edificar estruturas em outras áreas adquiridas. Na Região Alta, há terrenos lindeiros para, futuramente, construir prédios. “Naturalmente, assim como em Lajeado, os próximos meses serão tempos para nos ocupar com esse tema”, adianta.

Aliado a isso, o CEAT possui um planejamento de prevenção de riscos e gestão de crise. “É preciso registrar o quanto isso é fundamental para enfrentarmos tudo isto. Não resolve tudo, não elimina problemas, mas tende a auxiliar para que nos mantenhamos com retidão os nossos princípios e valores”, enfatiza.

A origem do programa

Ulrich lembra que, quando fez a formação de círculos de construção de paz em 2019, teve a certeza de que todos do colégio deveriam ter esta capacitação. “Iniciamos em 2020 e de lá pra cá, os colaboradores fazem o curso para se tornar facilitadores”, enfatiza.

De acordo com o diretor geral do CEAT, esta ação integra iniciativas que perpassam e consideram o desenvolvimento emocional das pessoas, sejam crianças, estudantes, famílias e profissionais do colégio. Existem momentos em que as ações são preventivas e fazem parte de um cronograma regular da organização curricular. 

Contudo, há situações que são necessárias em regime de contingência. “O que é favorecido pela proposta permanente em que há atenção para o cuidado, os valores e princípios, voltados ao convívio em sociedade, a empatia, a solidariedade, a resiliência, as iniciativas estão sendo trabalhadas ao longo do percurso”, diz.

Segundo Laura, o CEAT possui um protagonismo no trabalho das competências socioemocionais, pois desenvolve a inclusão de alunos há muitos anos, antes mesmo de tornar-se lei. “Mais recentemente, o desenvolvimento das competências passou a ser escrito como um programa específico. Ações como assembleias escolares, círculos de conversa, formação de professores na mediação de conflitos, debates sobre bullying entre outros passaram a incluir o programa de educação socioemocional e ocorrem regularmente no colégio”, explica. 

Confira algumas ações periódicas do Programa de Educação Socioemocional do CEAT: 

- Formação de professores, equipe pedagógica e funcionários técnico-administrativos como facilitadores em círculos de construção de paz

- Assembleias de turma com alunos do Ensino Fundamental para resolução de problemas e conflitos do grupo

- Estudo orientado para estudantes com dificuldades educacionais, as quais em muitos casos são causadas por questões emocionais, a exemplo do período da pandemia em que o isolamento social impactou fortemente

- Rodas de conversa com temas diversos e de acordo com demandas percebidas no contexto atual, como: as relações mediadas pelas redes sociais e as situações das enchentes

- Formação interna para professores e funcionários sobre mediação de conflitos com base nos conceitos da comunicação não violenta e da disciplina positiva

- Aulas de ensino religioso e relações humanas com atividades de “lava pés”, em que o ato de lavar os pés entre colegas estimula o exercício do cuidado e o de se permitir ser cuidado

- “Projeto Bem-Vindo ao CEAT” para alunos e professores novos, em que conhecer e ser conhecido se torna uma via importante para a integração e o pertencimento

- “Projeto Adolescência” com alunos da oitava série do Ensino Fundamental, em que são trabalhados temas, como: desenvolvimento do corpo, sexualidade e drogas

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