Soft skills adaptam profissionais aos diferentes dilemas do ensino

Pandemia exigiu adaptação repentina ao ensino remoto, o que abriu espaço para habilidades comportamentais pouco utilizadas ou que tiveram de ser reinventadas pelos profissionais

por: Igor Morandi

Em situações não esperadas, costuma-se buscar por uma solução. Sempre por necessidade. Quando a pandemia impactou o Brasil, em março de 2020, professores tiveram de enfrentar um enorme desafio: ensinar remotamente sem ter se preparado. O sentimento era de angústia, mas havia a necessidade de encarar o desafio. Para isso, os profissionais se reinventaram e adquiriram outras habilidades para enfrentar a nova realidade.

Entre ferramentas, câmeras e novas didáticas, o que persistiu foi o amor à profissão – e, no setor da Educação, não foi diferente. Aquele desejo de ensinar para além das disciplinas, independentemente das condições possíveis. Esse sentimento instiga habilidades, ou soft skills, que fazem do professor uma figura tão única, que é próxima dos estudantes mesmo a distância.

Mas permanecer com esses ideais acesos em meio a uma pandemia exigiu esforço. O próprio psicológico entra em jogo. Não por menos que habilidades como inteligência emocional, resiliência e comunicação assertiva têm se destacado desde 2020. Conforme a diretora de educação corporativa da Associação Brasileira de Recursos Humanos do Rio Grande do Sul (ABRH-RS), Katherine Minella, essas soft skills já eram praticadas pelos professores antes da pandemia, mas sua importância e aplicabilidade cresceram neste período.

“Elas permanecem e devem ser revisitadas”, enfatiza Karine, lembrando que a volta ao presencial exige um novo empenho e, quem sabe, novas competências.

Isso porque mudanças requerem mais empenho. Mas transformações podem ou não ser fáceis de encarar. A questão é que competências interpessoais se sobressaíram neste momento e devem seguir crescendo.


Conheça três habilidades pessoais que ganharam ainda mais importância recentemente:

>> Soft skill #1 – Inteligência emocional
É um conceito que reflete a capacidade de saber lidar com as emoções. Ou seja, conseguir administrar os lados racional e emocional igualmente, sem que qualquer deles exceda os limites, para que haja harmonia.

Diz respeito a si e às relações com outras pessoas, como alunos. Neste momento, em especial, essa habilidade se tornou muito importante porque houve um abalo emocional geral, devido às condições e situações trazidas pela pandemia: professores tiveram de aprender a lidar com os desafios diários para poder ajudar os estudantes a entender o que está ocorrendo, como se proteger e manter a calma e a estimular a ideia de que tudo ficará bem.

>> Soft skill #2 – Resiliência
Trata-se de uma habilidade que já estava se destacando nos últimos anos, e combina perfeitamente com o momento de pandemia. Isso porque é sobre a capacidade de adaptar-se a mudanças, lidar e superar problemas e resistir à pressão que situações estressantes e traumáticas trazem.

É uma soft skill que deveria fazer parte de todo esse momento: do surgimento da pandemia, que trouxe o ensino remoto e o distanciamento; às dificuldades enfrentadas durante, como aumento de casos, falta de vacina e mortes; até o pós-pandemia, quando toda essa situação precisará ser superada.

Pode-se dizer que a resiliência contribui para o desenvolvimento da inteligência emocional, já que promove estabilidade das emoções, algo essencial nesse processo.

>> Soft skill #3 – Comunicação assertiva
A terceira soft skill, comunicação assertiva, é o oposto da má comunicação. Nesse sentido, deve haver um canal aberto, sem ruídos, entre professor, direção e estudante, basicamente. É um diálogo livre de conflitos, em que ambos podem apresentar seus pontos, sem julgamento, mas tendo feedbacks. Ou seja, é uma comunicação empática.

Essa habilidade faz parte do ideal de que todas as pessoas constroem a escola, cada uma com suas individualidades, o que permite um ambiente de ensino mais acolhedor e menos centrado em imposições.

Instituições que ainda não utilizavam essa skill tiveram de abraçá-la em meio à pandemia, justamente porque, neste momento, não há linearidade no aprendizado. Situações inesperadas têm feito parte do dia a dia.


Além dessas competências, quem está à frente dos colégios teve de adaptar sua habilidade de gestão. Isto é, estar mais presente para a comunidade escolar, estimular a cultura do feedback para professores, estudantes e pais e trabalhar mais em equipe, garantindo uma boa comunicação interna e externa.

Toda a experiência instigada pela pandemia adiantou alguns processos necessários: um deles é o melhor desenvolvimento e aplicação de soft skills no ambiente escolar. Profissionais se prepararam para novas adaptações que já começaram a aparecer com o ensino híbrido e que surgiram com a volta do presencial.

“As competências aprendidas sempre permanecem sendo praticadas. Importante é avaliar o novo momento e identificar o que deve ser mantido e, quem sabe, introduzir novas habilidades. A pandemia nos ensinou e reforçou que precisamos ser resilientes”.

Katherine Minella, diretora de educação corporativa da ABRH-RS


Como desenvolver as soft skills

Muito se falou sobre a importância de aplicar e adaptar habilidades para um ensino melhor. Mas como desenvolvê-las?

Segundo Katherine, exige um processo de autoconhecimento. É importante se observar, avaliar as próprias reações, o comportamento com o outro e em grupo, estar aberto a feedbacks, ter uma escuta ativa – pois um bom comunicador precisa saber escutar e, sempre que necessário, mudar.

“A partir do momento que nos conhecemos, podemos entender o outro e melhorar o relacionamento interpessoal”, explica a diretora de educação corporativa da ABRH-RS.


Experiência de quem leciona

Antes mesmo de as soft skills se popularizarem enquanto termo e conceito, já faziam parte do dia a dia de professores como Denise Cappelari, professora de História e Geografia do Colégio Sinodal Tiradentes, de Campo Bom. Na profissão há quase 20 anos, ela entende a importância de adaptar as próprias habilidades técnicas e interpessoais.

Denise conta que, quando estava na faculdade, não imaginava que a transformação digital no ambiente escolar seria tão grande. Da folha matriz para o computador, do videocassete para a internet, a universidade não pôde preparar os futuros professores para tudo que estava por vir. Algumas mudanças ocorrem naturalmente, com a experiência da sala de aula, mas outras são instigadas por imprevistos, como a pandemia.

“Nossas atividades passaram a ser realizadas inicialmente por e-mail e depois através da plataforma utilizada por nossa escola. O lugar de conversas e aprendizagem era novo para os alunos e para nós. O ambiente mudava dia após dia: no lugar de cartazes, classes e armários passamos a usar a mesa do jantar, o escritório, um novo espaço que pudesse comportar o que necessitávamos”.

Denise Cappelari, professora do Colégio Sinodal Tiradentes

Ela não estava preparada para lecionar digitalmente e conta que a relação próxima com os alunos – mesmo que a distância – contribuiu para que se adaptasse às demandas do momento.

A comunicação assertiva permitiu aulas satisfatórias, que foram proporcionadas pela relação empática entre professora e estudantes. “Quando alguém não sabia como resolver algo, sempre tinha um colega para ajudar. Compartilhamos atividades, aprendizagens, sucessos e o que não deu certo”, destaca Denise.

A professora conta que essa parceria trouxe resiliência, pois confortou a todos. “Foi a mão que estendeu, auxiliou, trocou, mostrou um caminho às vezes mais simples para realizar uma atividade”, diz.

Inclusive essa relação permitiu que a professora buscasse feedbacks dos alunos e professores, sobre diversos aspectos socioemocionais e de aprendizagem, olhando para expectativas futuras.

Parte dessas habilidades já faziam parte das aulas presenciais de Denise Cappelari, mas tiveram de ser adaptadas ao on-line. Outras foram iniciativas que o momento demandou.


Gestão escolar na pandemia

Para a equipe diretiva e pedagógica do Colégio São José, de São Leopoldo, o momento pandêmico trouxe uma perspectiva diferente de estar no mundo e de administrar a instituição. As ações e respostas sobre o que vinha ocorrendo – e que mudava constantemente – exigiram postura de prontidão imediata, para resolução ágil das dificuldades que surgiam, sejam de gestão do colégio, de relação com a comunidade escolar ou de funcionamento da nova forma de ensino.

As ferramentas digitais utilizadas não eram novas, porém, deixaram de dividir espaço com didáticas físicas e presenciais, tornando-se essenciais para o dia a dia letivo.

Mas um dos grandes desafios da pandemia para o Colégio São José foi manter a ótima relação com a comunidade escolar. Afinal, sempre prezaram por isso. O cuidado com a vida continuou como premissa maior, como, também, o comprometimento com a educação, comentam as equipes diretiva e pedagógica.

A comodidade já não fazia parte da gestão da instituição pré-pandemia, mas o contexto exigiu trabalho em equipe mais árduo e apoio das famílias, explica a diretora Fabiane Nascimento von Esenwein, que está no colégio desde 1990.

“Não havia como prevermos algo tão assustador, de proporções gigantescas. Contudo, conseguimos transpor esse obstáculo, com o melhor de nós e tentando acertar. Tudo foi novo para todos. Não foi nada fácil, mas fizemos da força do coletivo, nossa força”, destaca.

Para a equipe diretiva e pedagógica da escola, mudanças sempre ocorrem e novas habilidades precisam surgir. Por isso, acreditam que as skills utilizadas pré-pandemia, sozinhas, não farão parte do novo presencial.

“Vamos seguir compondo nossos novos caminhos, com base nesses últimos e nos antigos aprendizados”, enfatizam.

Passar por uma pandemia que transformou, por anos, a vida e a forma de ensinar, refletiu positivamente tanto nas relações interpessoais, como no ensino que foge de um padrão. A comunidade escolar desenvolveu habilidades que se somaram às já existentes, garantindo a continuidade do ensinar e do aprender e uma proximidade maior entre todos que fazem cada instituição. O pós-pandemia reserva o surgimento de novas experiências e, com isso, novas ou adaptadas soft skills.

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